Set
05
2023

Mensagem do governo ao Congresso diz que reajuste de servidores federais será 'zero' em 2024

Projeto orçamentário prevê volta do congelamento ano que vem e descumprimento da revisão anual determinada pela Constituição; mensagem reconhece haver margem fiscal, mas diz que reajustar salários 'seria imprudente'; Andes, Aduff e demais entidades do setor defendem construir fortes mobilizações das categorias para pressionar o governo

Docentes na mobilização do Andes-SN em Brasília, na semana nacional de luta do funcionalismo Docentes na mobilização do Andes-SN em Brasília, na semana nacional de luta do funcionalismo / Andes-SN - gentilmente cedida para publicação

Nem 1%. A mensagem assinada pelo presidente Lula enviada ao Congresso Nacional, junto com a proposta orçamentária para a União, não dá margem a dúvidas: o governo federal decidiu congelar os salários dos servidores públicos federais em 2024 e não cumprir nem mesmo a revisão anual de salários prevista na Constituição Federal.

A decisão exposta no documento contraria outra mensagem, esta dada verbalmente pelo secretário de Relações do Trabalho do Ministério da Gestão, José Lopez Feijóo, em nome da ministra Esther Dweck, às entidades sindicais nacionais dos servidores públicos federais.

Na rodada da Mesa Nacional de Negociação, ocorrida em 29 de agosto de 2023, a dois dias do envio da proposta orçamentária ao Legislativo, Feijóo disse que a ministra havia conseguido reservar R$ 1,5 bilhão na previsão orçamentária. Estes recursos seriam destinados ao conjunto das demandas salariais e de impacto financeiro. Reconheceu que era pouco, disse que haveria espaço para alguma melhora no valor e que as negociações não se esgotavam ali, que poderiam prosseguir pós envio do orçamento ao Congresso.

'Desrespeito'

Convertido integralmente em reajuste salarial para os servidores federais do Executivo, este montante resultaria, pelos cálculos iniciais, entre 0,7%, caso fosse aplicado em janeiro, e 1%, se valesse a partir de maio. 

A 'proposta' já gerou indignação e protestos. Foi recebida por algumas entidades, entre elas o sindicato nacional dos docentes (Andes-SN), como uma 'não resposta' à pauta de reivindicações dos servidores. 

Nota divulgada, no dia seguinte, pelo Fórum das Entidades Sindicais Nacionais e pelas centrais sindicais repudia a 'proposta' e afirma que trata-se de um desrespeito com os servidores. No texto, defende-se a realização de uma plenária nacional para fortalecer a campanha salarial e tecer as condições para reverter algo que já se aproximava e muito do congelamento salarial. A possível construção de uma greve não é descartada.

Assembleia da Aduff repudiou 'proposta' e defendeu mobilização para pressionar governo - clicar aqui

Mensagem ao Legislativo

Na mensagem presidencial ao Congresso Nacional, o impacto de um reajuste de 1% é avaliado em R$ 3,46 bilhões. É tratado como se fosse essa a reivindicação, ou dos servidores ou de alguém não identificado no texto. As entidades sindicais do funcionalismo federal defendem a recomposição das perdas acumuladas nos anos de congelamento salarial e mesmo um pouco antes, de modo que o valor de compra das remunerações volte aos patamares de 2010. As perdas oscilam entre quase 40% e 53%, que seriam, pelo requerido pelos sindicatos, parcelados ao longo dos próximos anos. 

Já o texto do Palácio do Planalto diz o seguinte:

"O  impacto decorrente de eventual concessão da revisão geral anual aos agentes públicos federais, considerando um suposto reajuste linear de 1%, significa um crescimento na folha de pagamento no valor de R$ R$ 3,46 bilhões. Por mais legítimo que seja o pleito, se revelaria uma medida imprudente, haja vista o cenário fiscal restritivo para 2024, mesmo com o advento do Regime Fiscal Sustentável".

Pouco antes, o governo admite no texto que as despesas com pessoal estão folgadamente aquém dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. As novas regras fiscais que substituíram o 'teto de gastos' da Emenda Constitucional 95, o chamado 'novo arcabouço fiscal', não é mencionado nesse trecho: 

"A despesa total com pessoal e encargos sociais, projetada para 2024, do Poder Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União (TCU), representa 0,85% da receita corrente líquida estimada para o exer- cício; a do Poder Judiciário, 2,92%; a do Poder Executivo, 21,93%; e a do MPU, 0,45%. O total que se projeta para a despesa de pessoal da União equivale, portanto, a 26,18% da receita corrente líquida prevista para 2024. Nessas condições, o limite global apontado na Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está cumprido, mesmo sem computar todas as deduções ao referido limite permitidas pela citada Lei".

Mais adiante, a mensagem menciona a previsão constitucional de revisão anual dos salários - porém usa passagem de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, referente aos pedidos de indenização por descumprimento da revisão, para tentar se colocar dentro da lei, apesar de descumprir o que a Constituição diz sem rodeios.

"No bojo do Recurso Extraordinário no 565.089, restou fixado, pelo Supremo Tribunal Federal, o Tema 19 de Repercussão Geral, com o entendimento de que “o não encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no inciso X do art. 37 da CF/1988, não gera direito subjetivo a indenização, [devendo] ... o Poder Executivo, no entanto, se pronunciar, de forma fundamentada, acerca das razões pelas quais não propôs a revisão", disse.

Apesar disso, o documento governamental não vai muito longe nas argumentações para a volta do congelamento salarial em 2024 — gastam-se 23 linhas para isso e, a rigor, a fundamentação do governo para justificar o descumprimento da norma constitucional resume-se a uma palavra e argumento: que seria "imprudente" concedê-lo.

Da Redação da Aduff
Por Hélcio Lourenço Filho

 

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