Numa entrevista realizada em pé, no calor de uma concorrida assembleia realizada pelo sindicato da categoria (Sepe-RJ), o professor Pedro Mara, do Comando de Greve, explicou à reportagem da Aduff os motivos do movimento paredista na rede estadual de ensino no Estado do Rio de Janeiro.
'Temos professores doutores recebendo 1.588.00 reais', disse, ao mencionar a principal reivindicação da categoria: o pagamento do piso salarial do magistério, uma lei desrespeitada pelo governador Cláudio Castro.
O local da entrevista, o Circo Voador, na Lapa, é um tradicional espaço de espetáculos culturais, na capital fluminense. A conversa ocorreu quando a greve caminhava para a terceira semana - tendo, posteriormente, uma complementação e atualização.
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Pedro Mara está há quase dez anos na rede estadual de ensino e leciona na Escola Estadual Jornalista Tim Lopes, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio - área que reúne um dos maiores conjuntos de favelas do estado. É integrante do Colemarx (Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação), da Faculdade de Educação da UFRJ.
Iniciada em maio, a paralisação completa um mês neste dia 17 de junho de 2023, mantendo sinais de força e pressionando o governador por negociações.
Ao discorrer sobre a realidade da categoria e as razões da paralisação, ressalta que em momento algum as educadoras e educadores pretendiam fazer uma greve longa - e responsabiliza o governador do Rio por isso.
Aborda ainda uma pauta da greve que diz não ser secundária: a defesa da revogação do Novo Ensino Médio, discorrendo sobre os impactos deste modelo nas escolas.
Com ênfase, pede o apoio de pais, mães e responsáveis por alunos e de toda a população ao movimento. Ao citar o sociólogo Florestan Fernandes, afirma: a luta da educação é de toda a sociedade e não apenas dos educadores.
A seguir, trechos da entrevista concedida aos jornalistas Hélcio Lourenço Filho (texto) e Luiz Fernando Nabuco (fotos), da equipe de comunicação da Aduff.
ADUFF: O Circo Voador está com bastante gente. Até citaram que ele está pequeno para a assembleia. Há um bom tempo a gente não via uma mobilização com essa pegada no Rio. Como é que você está vendo esse movimento? O que causou isso?
PEDRO MARA: Eu acho que isso reflete o pior salário do Brasil. As pessoas não estão, hoje, conseguindo pagar as contas e viver com salário. As pessoas se tornaram reféns da hora extra, que a gente chama de Estado de GLP - Gratificação de Lotação Prioritária. Então, o professor de 18 horas, como eu, tem muita gente que tem só uma matrícula, significa 1.588 reais, que é 1,1 salário mínimo. Este professor está dando os 12 tempos de aula, que ele deveria, e 40 GLPs. Então, essa assembleia reflete, em boa parte, esse movimento de precarização da rede. É um salário baixíssimo, é o pior salário do Brasil. Assim, quando você soma tudo, a gente está no nível de precarização de empobrecimento que reflete o tamanho dessa assembleia.
Eu acho que isso aqui, o Circo Voador, é o momento em que eu mais me sinto valorizado, porque o resto é precarização, é piso de massacre, não o salarial, que a gente precisa. Acho que reflete isso daí. Obviamente que também reflete um medo que parte da categoria tem hoje, porque se tornou refém de GLP. Eu estava ali tirando dúvida de uma pessoa que me disse: mas e aí? E a GLP? Dá para fazer greve na matrícula e não fazer greve na GLP? Eu falei: olha, não é recomendável. Tem que parar porque precisa parar. Porque o movimento paredista precisa mostrar para o governo que a gente não tem margem para negociar que não seja isso. E acho que isso [a força da greve] também reflete, um pouco, o que foi o deboche do governador. Ele disse que ia fazer uma proposta que, não pagaria para todo mundo, [mas] pagaria o piso. E até o momento, decorrido quase uma semana do anúncio do governador, não existe proposta nenhuma. Nem a que não paga o piso e nem a que ele disse que pagaria parte do piso. Essa proposta, até o momento, não existe. Então, o reflexo é essa assembleia indignada, lotada.
ADUFF: Pode explicar o que é GLP e por que parte da categoria pode se sentir refém dela?
PEDRO MARA: A GLP é a Gratificação de Lotação Prioritária. As pessoas estão fazendo uma hora extra em tempos que estão vagos. Hoje, faltam no Estado treze mil professores. Como é que a gente chegou nessa situação? Em boa parte, pela falta de concursos públicos, pelo arrocho, pelo achatamento do Estado. Mas isso não explica por si só: nós temos um salário tão baixo que ninguém fica nessa rede. Quando a pessoa tem uma oportunidade, em algumas disciplinas, geografia, língua portuguesa, sociologia, filosofia e artes, a primeira coisa que a pessoa faz é sair do Estado e ir para qualquer rede municipal. Isso gerou uma carência muito grande no Estado e essa carência é coberta, hoje, por esses profissionais. Nos últimos 10 anos, algo em torno de 30 mil professores saíram do Estado. Uma parte por aposentadoria e uma boa parte porque o Estado não paga um salário que dê para viver. Quando você soma, por exemplo, um professor com mestrado vai ganhar 310 reais de gratificação. O professor que é doutor, que estudou por quatro anos (para fazer o doutorado), ganha R$ 610,00. Mesmo quando você soma tudo isso, nós continuamos com um salário muito horrível. Nós temos professores doutores começando na Secretaria de Educação, 1.588 reais, mais a gratificação de doutorado e acabou. Você não tem treino, você não tem o piso, você não tem um ticket alimentação razoável, um transporte razoável, e você só tem aquilo ali. Então, isso reflete. A GLP é, hoje, um instrumento do qual boa parte da categoria consegue se sustentar. Há os professores que dão 40 tempos de GLP. Isso é muita coisa. Um professor que, regimentalmente, teria que dar 12. Então, o Estado, nos últimos anos, flexibilizou o limite da carga horária máxima desse professor; permitiu que ele chegasse, se eu não me engano, a 65 horas. E faltam tantos professores, que há uns dois ou três anos atrás o Estado liberou atores que não poderiam participar da GLP: orientador educacional, coordenador pedagógico, um monte de gente que começou a fazer GLP para poder cobrir [o déficit de pessoal]. Então isso é também tosco. Porque quando o governador precisa, para cobrir falta de professores - e tem um inquérito no Ministério Público, o inquérito 06/22, que apura carência crônica de profissionais - ele faz um feirão de GLP. Ele chama todo mundo e os professores vão lá quebrar o galho do Estado porque faltam professores.
Mas, do outro lado, o que o governador fez no início da greve? Mandou cortar essa GLP. Ele falou: quem entrar em greve, não vai poder fazer GLP, o que gerou uma indignação da categoria. E, no fundo, também mostrou um limite disso aí. Porque o governador não tem professores, hoje, para colocar no lugar dos profissionais GLP porque já faltam professores. E, quando você procura a razão disso tudo, você encontra um baixo salário.
ADUFF: Fale um pouco das demais pautas da greve…
PEDRO MARA: É importante salientar que a gente tem uma greve pelo piso, mas nós não temos apenas essa pauta. É a pauta pela revogação da reforma do Ensino Médio. Temos uma pauta importante que pega os profissionais administrativos, inspetores, coordenadores de turno, que hoje têm um vencimento-base de menos de um salário mínimo. Isso é uma situação particular do Rio de Janeiro.
ADUFF: Eles recebem complementação [para chegar ao salário mínimo]...
PEDRO MARA: Recebem complementação. E, aí, você está ali num limbo de precarização absoluto. Como a gente tem um vencimento base de pessoas que estão há quase 30 anos no Estado e recebem 912 ou 956, mas não chega a 1.000 reais.
ADUFF: Qual é a reivindicação nesse caso?
PEDRO MARA: A gente reivindica um piso regional para o funcionário administrativo que seja, obviamente, superior a um salário mínimo; a gente reivindica o pagamento do Piso Nacional do Magistério, fundamentado na Lei 11738/08; e também a pauta da reforma do Ensino Médio, que para nós é um dos grandes abismos que vai distanciar ainda mais o nosso estudante da universidade.