Jun
16
2023

Greve na educação estadual completa um mês, responsabiliza governador e pede apoio da população

Reportagem especial traz os relatos de educadores e educadoras sobre as razões da greve, a pressão incessante por negociação e mostra por que o movimento considera essa luta fundamental para o futuro da educação pública no Rio

Momento de uma das assembleias realizadas recentemente pelos profissionais da educação, que deliberaram pela continuidade da greve iniciada em 17 de maio. Momento de uma das assembleias realizadas recentemente pelos profissionais da educação, que deliberaram pela continuidade da greve iniciada em 17 de maio. / Luiz Fernando Nabuco/ Aduff

A greve dos trabalhadores em educação do estado do Rio de Janeiro completa um mês, no dia 17 de junho de 2023, sem que o governador Claudio Castro tenha demonstrado disposição, de fato, em dialogar com a categoria.

O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) reivindica, principalmente, a aplicação da lei do piso nacional do magistério de forma isonômica, contemplando, inclusive, os aposentados, além de um piso também para os demais profissionais das escolas. 

Apesar de ter uma das maiores receitas entre os estados da federação, o Rio de Janeiro é o que paga o pior salário do país para os profissionais da rede. Enquanto o piso nacional é de R$ 4.420, o professor de uma escola estadual ganha R$ 1.588 como vencimento base (18 horas semanais). 

Os educadores pedem ainda a revogação do Decreto 48.521/23, que descumpre o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) da educação, atinge apenas uma minoria de professores e desconsidera o tempo de serviço da categoria. 

Segundo a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Seeduc), apenas algumas parcelas de profissionais da ativa e aposentados receberiam o que eles chamam de "reajuste" [a aplicação da lei do piso nacional], que não seria aplicado a quem já ganha acima do teto. O correto, de acordo com o sindicato, é garantir o pagamento do piso ao primeiro nível e, em seguida, ir corrigindo os demais, aplicando a diferença de 12% até o topo do Plano de Cargos, Carreiras e Salários. Tal medida evitaria achatar os salários de quem já está há muitos anos em sala de aula e não causaria distorções entre os níveis e classes do PCCS. 

"O governo mantém esse arrocho brutal sobre os funcionários e ataca o PCCS dos professores. Quer transformar piso salarial nacional em teto, pagando-o na forma de um abono que congela o plano de carreira. Em vez de pagar o piso na carreira, o governo congela a carreira e transforma o piso em teto, excluindo a maior parte da categoria de qualquer ganho salarial", afirma Diogo Oliveira, professor de Geografia da rede e diretor do Sepe em Niterói. 

Como explica Marcela Almeida, docente há uma década na rede estadual (atuando em Niterói), o governo de Claudio Castro agiu de maneira perversa. "Ele anunciou em 10/05 que pagaria o Piso Nacional, mas, na verdade, ele estava implementando uma política de correção do nível 1 da carreira, ignorando todos os demais níveis. De maneira prática, o governador pretende pagar o mesmo salário a quem entra na rede estadual hoje e a quem já trabalha há dez anos no Estado", disse. 

Abaixo do mínimo

O Sepe reivindica que os funcionários administrativos (serventes, merendeiras, porteiros, inspetores) ganhem, pelo menos, um salário mínimo nacional (R$ 1.320), já que a maioria recebe apenas cerca de R$ 800 por mês. 

De acordo com Sabrina Campos Machado, professora do Estado (no município de Niterói) desde 2005, eleita para compor o Comando Local de Greve do Sepe, o piso – como o próprio nome já diz - é o menor salário que um profissional pode receber no início da carreira.

"Os professores do Estado do Rio de Janeiro recebem o pior salário do país e os funcionários menos de um salário mínimo. O governador não respeita o nosso plano de carreira, conquistado com muitas lutas. A lei é muito clara", comenta a professora.

Segundo Sabrina, os alunos não recebem uniformes há anos e o valor repassado para a merenda dos estudantes é vergonhoso. "O governo do estado não investe na educação", afirma. 

Categoria adoecida

Para Giovanna Antonaci, que atua no Estado (na cidade do Rio de Janeiro) há uma década, a greve segue mobilizando a categoria. "Vejo vários atos locais, nos bairros e nos municípios. Vejo grupos atuantes", afirmou. Para ela, a força da mobilização também tem a ver com o completo esgotamento dos profissionais em Educação em relação ao trabalho. "Estamos todos muito cansados.  Existe o trabalho oficial, as horas extras para aumentar o salário, os vários 'corres'  possíveis para complementar renda - desde a direção em carros por aplicativo e a venda de produtos. Ainda assim, fica a eterna sensação de angústia porque as contas não fecham", explica.

Ela também relata que trabalhadores em Educação do Estado do Rio de Janeiro representam um setor adoecido e estafado. "No quadro funcional, há muito burnout, depressão, pânico... Temos docentes que não podem se aposentar [apesar de já somarem as exigências para isso] porque, se aposentarem, vão perder as horas extras. Há também uma desesperança em todos os níveis da carreira", comenta. 

De acordo com Giovanna, é ainda necessário desmentir as declarações do governador Claudio Castro, que afirma que, ao pagar o piso, a categoria estará recebendo um reajuste. "Isso não é verdade! Nosso último reajuste foi em 2014, depois de uma greve. Depois, não tivemos mais nem 1 centavo a mais", diz. 

Mobilização permanece

Professora com duas matrículas na rede estadual (uma com 25 e outra com 16 anos) e atuando em Niterói, Patrícia Leandro da Silva segue acreditando na força do movimento. Entretanto, explica que, como um paradoxo que envolve o profissional que precisa sobreviver, ainda há trabalhadores da rede estadual com medo de entrar na greve e perder a GLP (hora extra que complementa o salário). "Ontem (15), na assembleia, mostramos uma força significativa da categoria, já que as decisões foram importantes. Nossa caminhada deu mais ânimo aos colegas. Espero um movimento maior na próxima semana", afirmou.

Diogo Oliveira lembra ainda que o governo de Claudio Castro expressa a mentalidade bolsonarista que elegeu os profissionais de Educação como inimigos nos últimos anos. "A greve chegar a 30 dias demonstra a intransigência do governo, que, de forma demagógica, se diz preocupado com os estudantes e a proximidade do novo Enem. Mas é ele [Claudio Castro] quem obriga a categoria a permanecer 30 dias em greve porque não atende as reivindicações básicas", considera o professor. 

Nesta semana, os profissionais ocuparam parcialmente a Seeduc em reação ao cancelamento de uma audiência com o Sepe e foram intimidados pelos Policiais Militares no local. Um deles ameaçou os grevistas apontando uma arma. 

No dia 15, após deliberação em assembleia pela continuidade da greve, os trabalhadores realizaram um ato na Avenida Presidente Vargas (no Centro do Rio), interditando um trecho da via.  

Os grevistas também seguem o governador em todos os compromissos públicos pelo estado para reivindicar a negociação com a categoria, a exemplo do protesto em que fizeram dia 15, durante a visita de Claudio Castro a Niterói para a inauguração da nova emergência clínica e ortopédica do Hospital Estadual Azevedo Lima, no Fonseca. 

Revoga o NEM

Entre outras reinvindicações da greve dos profissionais da educação estão a revogação do Novo Ensino Médio (NEM); a abertura de concursos públicos para profissionais da área de saúde (Psicólogos e Assistentes Sociais); convocação de concursados para o magistério dos concursos de 2013 e 2014 e de inspetores de alunos do concurso de 2013.

"A luta pela revogação do NEM é nacional. Porém, localmente, no âmbito da rede estadual de ensino, lutamos para que, no mínimo, o impacto da reforma seja amenizado. A Seeduc tem autonomia para isso e não o faz porque não quer. Em escolas particulares de elite não houve retirada de disciplinas fundamentais do currículo. Na rede estadual, entretanto, eliminaram praticamente as disciplinas de Geografia, História, Sociologia, Artes, Educação Física, Língua Estrangeira do segundo e do terceiro ano do ensino médio. Além disso, diminuíram a carga horária de Matemática e de Língua Portuguesa - o que é um retrocesso brutal", afirmou Diogo Oliveira. 

Assembleias cheias 

Desde o dia 17 de maio, o Sepe tem realizado assembleias cheias, com cerca de dois mil profissionais de educação presentes em espaços como Circo Voador, Clube Hebraica e Quadra da São Clemente.

"Estamos sobrecarregados com acúmulo de funções e pela necessidade de extensão da nossa carga horária em função das horas extra, que complementam o salário de milhares de docentes. Perversamente, Claudio Castro transforma, assim, Piso em Teto e destrói por completo nossa vida profissional na rede estadual. Diante de um ataque dessa proporção, não é de se espantar que a greve continue com alta adesão na rede estadual", aponta a docente Marcela Almeida. 

"Permanecemos em greve, em luta e exigimos do governo do Estado uma proposta de pagamento do Piso Nacional respeitando o Plano de Carreira", complementou a professora. 

A próxima quarta-feira, dia 21, às 13h, na quadra da São Clemente (Centro do Rio). 

Apoio da sociedade 

O Sepe pede que a população manifeste seu apoio à greve estadual do Rio de Janeiro, postando mensagens no twitter, com as hashtags da greve:  #greveeducacaorj  #claudiocastropagueopiso #pisonaoeteto  #pisonoplanodecarreirarj  #ningueabaixodominimo #revogaNEM

---Da Redação da Aduff 
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco/Aduff - Momento de uma das assembleias realizadas recentemente pelos profissionais da educação, que deliberaram pela continuidade da greve iniciada em 17 de maio.

 

 

Momento de uma das assembleias realizadas recentemente pelos profissionais da educação, que deliberaram pela continuidade da greve iniciada em 17 de maio. Momento de uma das assembleias realizadas recentemente pelos profissionais da educação, que deliberaram pela continuidade da greve iniciada em 17 de maio. / Luiz Fernando Nabuco/ Aduff