Jan
26
2018

Reitor da UFF recua e pede que Justiça não valide acordo que cedia Morro do Gragoatá às construtoras

Documento assinado por Sidney Mello foi apresentado em sessão judicial do dia 23; Aduff apelou à Superintendência do Patrimônio da União para impedir que Universidade perca terreno  

DA REDAÇÃO DA ADUFF

Há mais de quatro décadas o Morro do Gragoatá, na Praia Vermelha, está no cerne de questão judicial: UFF e empresas privadas disputam a área desapropriada em favor da Universidade ainda na década de 1970 [veja cronologia recente do caso, ao final do texto]. O assunto voltou à tona ao final de 2017, quando o reitor Sidney Mello assinou – à revelia da comunidade e do Conselho Universitário da instituição – acordo na 4ª Vara Federal, cedendo a propriedade do terreno de aproximadamente 60 mil metros quadrados em favor das empresas Planurbs S/A e Girassol Incorporadora S/A. Elas pretendem construir prédios de luxo às margens da Baia da Guanabara, ainda que o Morro do Gragoatá seja considerado área de proteção ambiental permanente pelo Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

Essa semana, em audiência especial sobre o caso, mais uma reviravolta: Sidney Mello solicitou por escrito que “o Juízo não valide o acordo por ele mesmo assinado”, como informa a ata daquela sessão, realizada na terça (23). O Juiz Federal William Douglas R. dos Santos encerrou a audiência afirmando que daria a sentença conforme seu entendimento acerca de tudo que foi apurado até o momento, tornando nulo o acordo de 2017.

O mesmo juiz também participou de audiência convocada pela reitoria, em novembro de 2017 na Escola de Engenharia, e, na ocasião, argumentou que a UFF não conseguiu provar a propriedade do Morro do Gragoatá e que, por isso, ter aceitado o acordo proposto – que como contrapartida oferecia 10 mil metros quadrados da área à universidade – parecia o mais adequado a se fazer.

Desde a assinatura do acordo em 2017 até o pedido do reitor Sidney Mello para que a mesma tratativa fosse revogada, houve muitas manifestações e ações da comunidade em defesa do Morro do Gragoatá.  A reitoria da UFF recuou pouco tempo depois de a atual gestão da Aduff-SSind ter apresentando questionamento à Superintendência do Patrimônio da União, no e Estado do Rio de Janeiro, pedindo a nulidade do referido acordo. Como dito pelos dirigentes da seção sindical dos docentes, o assunto é grave e ameaça área que tem grande importância ambiental, paisagística e educacional na cidade de Niterói.

Além disso, existe um termo de cooperação, firmado entre o Ministério do Meio Ambiente e a UFF, para que, entre 2015 e 2018, fosse realizado trabalho de recuperação ambiental, tendo em vista a importância do Morro do Gragoatá para o clima do município e preservação da fauna e da flora. Esta parceria foi recentemente prorrogada para 2020. À frente dessa iniciativa está a equipe do Laboratório Horto/Viveiro, coordenado pela bióloga Janie Garcia da Silva, professora da UFF há mais de 20 anos.

Inspeção Judicial

Na manhã que antecedeu a audiência especial na 4ª Vara Federal, houve Inspeção Judicial no Morro do Gragoatá, com a presença do professor Gustavo Gomes,presidente da Aduff; das professoras Louise Lombardo, vice-diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Janie Garcia, bem como alguns estudantes. Também compareceram o juiz William Douglas; o procurador Wanderley Dantas, do Ministério Público Federal; e o vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL).

Eles puderam verificar que mais de 40 espécies, entre nativas plantadas e naturalmente encontradas, foram cortadas por topógrafos e operários contratados pela empresa 'Girassol' que, no início da semana, já estavam demarcando as glebas. A professora Janie Garcia enviou denúncia aos órgãos ambientais e a Secretaria municipal de Meio Ambiente.

Durante a inspeção, foi possível verificar que o acordo já firmado pela Reitoria com as empresas realmente não traria os benefícios anunciados para a Universidade, porque áreas cedidas como contrapartida à UFF eram, em sua maioria, íngremes, descontínuas dos Campi da Universidade e sem acesso. "A vistoria evidenciou que o acordo proposto judicialmente era lesivo aos interesses da Universidade Federal Fluminense e à cidade”, disse pela Aduff Gustavo Gomes, professor da Escola de Serviço Social.

Para ele, a posição do reitor é fruto da pressão da comunidade universitária e dá forças à luta em defesa do Morro do Gragoatá. “Saudamos a iniciativa de Sidney Mello em cancelar o acordo assinado. Essa decisão vem ao encontro dos anseios dos movimentos sociais e da comunidade acadêmica que desejam a manutenção da área pública e preservada ambientalmente”, complementou o presidente da Aduff-SSind.

Linha do tempo recente - Morro do Gragoatá *****

2017

·17 de setembro: “Terreno no Gragoatá, em Niterói, pode ganhar condomínio” – assim diz o título da matéria publicada pelo Jornal ‘O GLOBO’, que informa que reitor da Universidade Federal Fluminense, Professor Sidney Mello, assinou termo judicial na 4ª Vara Federal, pelo qual reconhecia não ser proprietária do Morro do Gragoatá, beneficiando, assim, empresas privadas que intencionam construir empreendimento no local. Veja mais: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/terreno-no-gragoata-em-niteroi-pode-ganhar-condominio-21830931

·18 de setembro: A coluna eletrônica de Gilson Monteiro (http://colunadogilson.com.br/verdes-passam-por-cima-de-lei-ambiental/) informa que reitor da Universidade Federal Fluminense, Professor Sidney Mello, assinou termo judicial na 4ª Vara Federal, pelo qual reconhecia não ser proprietária do Morro do Gragoatá, beneficiando, assim, empresas privadas que intencionam construir empreendimento no local. Veja mais: http://aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-recentes/item/2990-reitoria-da-uff-faz-acordo-judicial-e-cede-morro-do-gragoata-a-construtora-privada

·19 de setembro: A reitoria da UFF publicou nota sobre o assunto na página institucional da universidade (http://www.uff.br/?q=uff-luta-para-garantir-o-seu-patrimonio). O mesmo conteúdo foi remetido por mala direta aos docentes, quando a administração central procurou apresentar a sua versão para os fatos e justificar a atitude, alegando, inclusive, que o terreno em disputa desde 1977 não é área de proteção ambiental. “Desde então, a UFF não exerceu posse, não fez melhoramentos, nem mesmo delimitou a área, tão pouco realizou pagamento indenizatório”, afirma a nota assinada por Sidney Mello. 

·22 de setembro: Reunião convocada pelo diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo, professor Gerônimo Leitão, no Casarão (Praia Vermelha). Na ocasião, ele e a professora Louise Land Bittencourt Lomardo, vice-diretora da FAU/UFF, apresentaram dúvidas acerca dessa decisão da reitoria da Universidade, que os surpreendeu por ter sido tomada sem a anuência da comunidade – Conselho Universitário e os três segmentos. Veja mais: http://aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-recentes/item/2990-reitoria-da-uff-faz-acordo-judicial-e-cede-morro-do-gragoata-a-construtora-privada 

·27 de setembro: Alguns conselheiros, estudantes, professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e ainda de representantes da Aduff fazem intervenção crítica sobre o assunto em sessão do Conselho Universitário. Após pressão, Reitoria concordou em debater o tema apenas sob o mérito ambiental.

·16 de outubro: Audiência pública, realizada no auditório do Bloco O, no Campus do Gragoatá. Foi convocada pelos mandatos dos vereadores Paulo Eduardo Gomes e Talíria Petrone (ambos do Partido Socialismo e Liberdade – Psol), pela Aduff-SSind, Sintuff, DCE e FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). As exposições técnicas foram feitas pela professora Louise Lomardo, da FAU/UFF; pelo capitão da Aeronáutica Jorge Luiz Werneck; e por Adacto Otoni, engenheiro e docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O estudante de Geografia Bruno Araújo e o professor Gustavo Gomes falaram, respectivamente, como representantes do Diretório Central dos Estudantes e da seção sindical dos docentes da UFF. Reitoria foi convidada, mas não enviou representação para compor a mesa. Veja mais: http://aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-recentes/item/3015-audiencia-na-uff-questiona-destino-tracado-pela-reitoria-e-prefeitura-para-o-morro-do-gragoata

·Em 23 de outubro: O jornal ‘O Globo’ publica matéria sobre a fala do representante de Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) na 2ª Audiência Publica, na qual afirmou que, de acordo com os padrões da Aeronáutica, o topo do Morro do Gragoatá não pode receber construções, pois, é rota de voos do Aeroporto Santos Dumont e está protegido por lei. O Código Brasileiro de Aeronáutica diz que todas as áreas próximas de aeroportos sofrem interferência e, no caso do topo do Morro do Gragoatá, qualquer construção afetaria as rotas de voos do Aeroporto Santos Dumont, que têm limites mais restritivos. O Morro do Gragoatá tem aproximadamente 47 metros e é área de influência do Santos Dumont, que permite apenas construções que cheguem apenas a 48,7 metros. Ou seja, se o morro já tem 47 metros, a margem de construção é de pouco mais de um metro de altura. O próprio morro em si está quase violando a superfície de proteção — explicou o capitão na audiência. Leia mais: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/topo-do-morro-do-gragoata-protegido-pela-aeronautica-21975600#ixzz55JgcbbVR

·16 de novembro: Audiência convocada pela Reitoria da UFF, que aconteceu no Auditório da Escola de Engenharia (Rua Passo da Pátria, 156, Bloco D, Sala 330 - São Domingos – Niterói – RJ), com o tema: “Propriedade e uso do solo do Morro do Gragoatá". Foi presidida pela diretora da Faculdade de Nutrição, Alexandra Anastácio, que também é membro do Conselho Universitário da UFF (CUV). A mesa foi composta Alberto di Sabatto – docente da Faculdade de Economia, ali representando o reitor Sidney Mello, que, logo se ausentou; William Douglas – juiz federal da 4ª Vara de Niterói; Marcelo Bittencourt – pela procuradoria da UFF; Alexandre Rodrigues Inácio – gestor do Parque Estadual da Serra da Tiririca; e Pedro da Luz Moreira – da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF e presidente Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). A empresa Planurbs enviou um preposto, que leu documento ao plenário, justificando o interesse no Morro do Gragoatá. Representantes dos sindicatos de professores e dos técnico-administrativos não compuseram a mesa e só puderam se manifestar ao final, com o plenário praticamente esvaziado.Veja mais: http://www.aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-recentes/item/3061-audiencia-mesmo-restrita-expoe-controversia-e-rejeicao-a-acordo-do-morro-do-gragoata

·13 de dezembro: Durante a realização da última sessão do CUV em 2017, o reitor Sidney Mello, afirmou à reportagem do Jornal da Aduff, que não pretendia colocar o caso do Morro do Gragoatá para a apreciação e avaliação do Conselho Universitário (CUV), instância máxima da instituição de ensino superior fluminense.

·15 de dezembro: A Aduff apresentou judicialmente, à Superintendência do Patrimônio da União, no e Estado do Rio de Janeiro, questionamento sobre a validade do 'Termo de Acordo Administrativo', assinado em setembro de 2017 pelo reitor da instituição, Sidney Mello, e as empresas ‘Planurbs S.A. Planejamento e Urbanização’ e ‘Girassol Incorporadora Ltda’.

·18 de dezembro: Aduff solicitou reunião com o procurador Antônio Canedo, do Ministério Público Federal, que recebeu a seção sindical, outras entidades e parlamentares contrários ao acordo da Reitoria da UFF com as construtoras. Na ocasião, Canedo disse estar empenhado em assegurar a proteção ambiental da área.

2018

·21 de janeiro: “Morro do Gragoatá sofre desmatamento” – matéria do Jornal ‘O GLOBO’ publiciza denúncia das professoras da UFF, que, em inspeção no local, encontraram árvores cortadas, foices e motosserras. Mais de 40 espécies, entre nativas plantadas e naturalmente encontradas, foram retiradas por topógrafos e operários contratados pela empresa 'Girassol' que estão demarcando as glebas.  Foi feita denúncia aos órgãos ambientais, e a Secretaria municipal de Meio Ambiente notificou a empresa para que suspendesse o corte.
Veja mais: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/morro-do-gragoata-sofre-desmatamento-22308951

·23 de janeiro: Inspeção Judicial no Morro do Gragoatá, com a presença de representantes da Aduff, das professoras Louise Lomardo, Janie Garcia e alguns estudantes da UFF. Também estiveram presentes o juiz William Douglas e o procurador Wanderley Dantas, do Ministério Público Federal, e o vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL). As professoras esclarecem que área oferecida não é propriedade da construtora, mas do Estado do RJ e cedida à Prefeitura de Niterói, além de ser muito íngreme, florestada e afastada do Campus da Praia Vermelha.

·23 de janeiro: Ocorre nova audiência na 4ª Vara Federal para homologar o acordo assinado pelo reitor da UFF em setembro de 2017. Nessa ocasião, os representantes do reitor da UFF apresentaram um termo assinado por Sidney Mello, pelo qual este se revela enganado e solicita que “o Juízo não valide o acordo por ele mesmo assinado, a não ser nas condições explicitadas pelo próprio documento”, como informa a ata daquela sessão. Importante enfatizar que a nota pela qual Sidney Mello afirma que não irá prosseguir com o acordo assinado em setembro de 2017 ainda não veio a público e que ele não prestou qualquer ciência à comunidade universitária, novamente, até o presente momento.

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco/ Aduff-SSind – vista do topo do morro

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