Nov
18
2017

Audiência, mesmo restrita, expõe controvérsia e rejeição a acordo do Morro do Gragoatá

Docente da UFF diz que audiência deveria ter sido realizada aos olhos da população; posições críticas ao acordo da Reitoria não foram contempladas na mesa

 

 

"Essa reunião deveria ter sido realizada a vista de toda a população, não numa sala do terceiro andar de um prédio, escondida de todos", disse Louise Lomardo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, ao participar de audiência pública "Propriedade e uso do solo do Morro do Gragoatá".

Realizada na tarde da quinta-feira (16), no Auditório da Engenharia (campus da Praia Vermelha), a audiência pública foi convocada pela Reitoria da UFF por e-mail e por boletim de serviço para tratar da polêmica envolvendo o terreno de cerca de 60 mil metros quadrados situado em São Domingos, que segue em litígio nas últimas décadas, desde que foi desapropriado em favor da instituição, pelo governo federal, em 1972.

Democrática para quem?

Apesar de o reitor Sidney Mello e de seu representante terem exaltado o caráter democrático do evento, a audiência sequer foi divulgada na página da universidade para que a sociedade tivesse conhecimento de um assunto que, como muitos disseram, diz respeito também aos moradores de Niterói. Não contou com a representação dos três segmentos da UFF para compor a mesa – o que foi contestado pelo presidente da Aduff-SSind, Gustavo Gomes, professor da Escola de Serviço Social; e por Rafael Carvalho, aluno da História e Coordenador do Diretório Central dos Estudantes.

“Essa não é apenas uma questão jurídica ou técnica; é também política. A Aduff está representada nos assuntos em pauta nessa universidade e se posiciona como um instrumento da ampliação do debate; não dá, entretanto, para depois de horas, termos apenas dois minutos para refletir sobre esse tema, que envolve a propriedade e o uso do Morro do Gragoatá”, disse Gustavo.

O estudante reclamou da falta de democracia na instituição e criticou que o reitor tenha se retirado antes do término da sessão, que durou mais de três horas. “Há uma dificuldade de transmitirmos ideias, de apresentarmos propostas para essa gestão.  Os representantes discentes têm direito à fala apenas após duas horas de debate, com o auditório esvaziado, e sem todos os convidados à mesa”, disse.

Ele também mencionou episódio recente na história da UFF, quando, em 2016, sem dialogar com a comunidade acadêmica, sob escolta policial que agrediu estudantes e servidores, a Reitoria realizou Conselho Universitário fora do espaço institucional e votou pela cessão do Hospital Universitário Antônio Pedro à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh.

Audiência aconteceu após mobilização

A audiência do dia 16 de novembro foi presidida por Alexandra Anastácio, diretora da Faculdade de Nutrição e membro do Conselho Universitário da UFF (CUV), que recebeu na mesa do evento Alberto di Sabatto – docente da Faculdade de Economia, ali representando o reitor Sidney Mello, que, logo se ausentou;  William Douglas – juiz federal da 4ª Vara de Niterói; Marcelo Bittencourt – pela procuradoria da UFF; Alexandre Rodrigues Inácio – gestor do Parque Estadual da Serra da Tiririca; e Pedro da Luz Moreira – da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF e presidente Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ).

Esteve presente à audiência José Guilherme Cardoso, preposto da empresa que pretende construir um empreendimento de luxo na área, a Planurbs, que leu um documento questionando a posse da UFF sobre o terreno, Também compareceram o representante do CCOB (Conselho Comunitário da Orla da Baía de Niterói), Carlos Augusto Valdetaro, e o vereador Paulo Eduardo Gomes (PSol).

A convocação da audiência pode ser creditada à mobilização da comunidade acadêmica e à pressão na sessão do Conselho Universitário, instância máxima da instituição, ocorrida no último dia 27 de setembro, quando o Morro do Gragoatá foi pautado pelas representações dos estudantes, professores e técnico-administrativos.

Na ocasião, o reitor Sidney Mello não quis debater o assunto, que diz respeito ao futuro de uma área de proteção ambiental, conforme atestam laudos do Crea e do Ibama, cobiçada pelo mercado imobiliário de Niterói pela bela vista paisagística da Baia de Guanabara. Durante o Conselho Universitário do final de setembro, o reitor também falou que não repensaria a decisão por ele tomada, segundo ele sob orientação de Marcelo Bittencourt, da Procuradoria Federal, e à revelia do Conselho Universitário:  o acordo judicial assinado na 4ª Vara Federal, não disputando a posse do terreno e reconhecendo a propriedade do Morro do Gragoatá em favor da iniciativa privada.

Conselheiros contrários ao acordo, em que na prática a UFF abre mão de defender o espaço judicialmente, propuseram a realização de uma audiência pública para tratar do assunto em toda as suas implicações – tanto no aspecto da posse e propriedade, quanto ambiental – e a aprovação de uma recomendação à administração central da universidade para que suspendesse o ato.

O reitor, então, disse que somente acataria a realização de tal audiência se o enfoque fosse exclusivamente sobre a questão ambiental.

Sidney Mello havia sido convidado para uma primeira audiência, em 16 de outubro de 2017, promovida pelos mandatos dos vereadores Paulo Eduardo Gomes e Talíria Petrone, ambos do Psol, com apoio das entidades representativas dos três segmentos. No entanto, esteve ausente e não enviou representante para ouvir, entre muitos convidados, o comandante da aeronáutica José Luiz Werneck. Segundo apontou, de acordo com a legislação internacional, o topo do Morro não é edificante por interferir no espaço aéreo dos aeroportos Santos Dumont e Galeão. 

Durante a sessão da quinta-feira (16), o reitor, o seu representante, Alberto di Sabatto, e o juiz William Douglas procuraram demonstrar que a UFF não conseguiu provar a propriedade do Morro do Gragoatá e que, por isso, ter aceito o acordo proposto, que como contrapartida oferece 10 mil metros quadrados da área, parecia o mais adequado a se fazer. “Motivações diversas levaram a comunidade da UFF a achar que a desapropriação do morro tinha se consumado”, disse Sidney durante a audiência, reafirmando publicamente que a universidade luta para garantir um espaço no Morro do Gragoatá e que não está abrindo mão do que nunca teve. Alegou querer evitar ônus e ficar a cavaleira para discutir usos do local.

Sidney Mello foi aplaudido por seus aliados e contestado por outros tantos, que indagaram como ele pode ter assinado acordo sobre um terreno que, diferentemente do que já afirmaram ex-reitores, ele disse que a UFF nunca possuiu. “Se não é da UFF, para que o reitor quer fazer o acordo?”, indagou Roberto Salles, ex-reitor da universidade que teve o atual como aliado e integrante de sua gestão, durante alguns anos. “Vamos entrar com ação no Supremo Tribunal Federal, se possível, mas não vamos permitir que empresa nenhuma entre no Morro do Gragoatá”, disse.

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira 

Foto: Luiz Fernando Nabuco