Set
25
2017

Reitoria da UFF faz acordo judicial e cede Morro do Gragoatá a construtora privada

Empresa quer construir residencial de luxo na área, maior que o campus Praia Vermelha e definida pelo Ibama como de proteção ambiental; comunidade não foi consultada; Arquitetura e Urbanismo reage à ação do reitor e aponta alternativas

Docentes e estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo estiveram reunidos para discutir um tema polêmico envolvendo a Universidade Federal Fluminense: a cessão do Morro do Gragoatá – área de proteção ambiental permanente, segundo o Ibama – pela reitoria da instituição à iniciativa privada, mais especificamente à Planurbs Construtora S/A.

O terreno de aproximadamente 55 metros de altura e 60 mil metros quadrados, de extensão maior que o próprio campus da Praia Vermelha, segue em litígio judicial ao longo das últimas décadas, após ter sido desapropriado pelo governo federal em favor da universidade, há aproximadamente 40 anos atrás. A especulação imobiliária está de olho no local, tendo como objetivo a construção de um condomínio habitacional de oito prédios de seis andares e área de lazer privativa.

O tema foi pauta de reunião convocada pelo diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo, professor Gerônimo Leitão, na tarde da sexta-feira (22), no Casarão. Na ocasião, ele e a professora Louise Land Bittencourt Lomardo, vice-diretora, apresentaram dúvidas acerca dessa decisão da reitoria da UFF, que os surpreendeu.

Gerônimo contou que durante a reunião com os diretores de unidade, realizada naquela semana, o reitor Sidney Mello explicou os motivos que o levaram a tomar tal atitude, cedendo o Morro do Gragoatá. Teria alegado não ser necessário consultar a comunidade por se tratar de uma ação administrativa. E dito ainda que, pelo acordo judicial, haveria contrapartidas para a UFF, como a garantia de 10 mil metros quadrados e a cobertura vegetal da encosta.

Reação

A direção do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFF levará tal polêmica à sessão do Conselho Universitário da próxima quarta-feira (27), que acontecerá às 9h, na Geociências. Pretende ler um documento da comunidade acadêmica apontando preocupações com o uso da área pela especulação imobiliária e ainda questionando o fato de a administração central não ter consultado os órgãos colegiados da instituição e muito menos a comunidade para deliberar sobre o patrimônio da Universidade Federal Fluminense.

Parte do corpo discente, docente e técnico tomou conhecimento pelas notícias primeiramente veiculadas na imprensa empresarial – a exemplo do jornal “O Globo” (17/9/17) e da coluna de Gilson Monteiro (http://colunadogilson.com.br/verdes-passam-por-cima-de-lei-ambiental/). Foi por meio dessas notícias que se tornou público que em meados de setembro o reitor Sidney Mello devolveu essa área à empresa já mencionada, em acordo firmado na 4ª Vara da Justiça Federal. Entretanto, há outra ação envolvendo o Morro do Gragoatá, dessa vez tramitando na 3ª Vara Federal, quando empresários contestam o laudo do Ibama que afirma que o terreno é área de proteção ambiental permanente – o que impossibilitaria a exploração do local para fins comerciais.

De acordo com professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFF, é preciso avaliar o impacto que qualquer edificação naquela área traria para a cidade de Niterói, para a vizinhança e para o próprio campus da Praia Vermelha. Eles indicam que há confrontantes na limitação do terreno, que também ladeia casas residenciais nas ruas Coronel Tamarindo e General Osório, por exemplo, bem como um hotel. A contenção da encosta do Morro do Gragoatá passou por obras em 2012.

Além disso, apontam que há projetos de pesquisa em curso – como o reflorestamento realizado por uma docente da Biologia da UFF – e a possibilidade de que aquela área se torne um grande parque urbano público, com elevado potencial turístico, paisagístico e de lazer. Essa seria uma forma de compensar a população pela perda de duas praias, com o aterramento passado. O mesmo espaço poderia também abrigar projetos de pesquisa e de extensão adequados. Os docentes de Arquitetura e Urbanismo da UFF lembram ainda a importância desse reflorestamento para o clima da cidade.

Outro fator destacado pelos professores é o de que o Morro do Gragoatá se encontra dentro da rota de aproximação do aeroporto Santos Dumont (RJ), afetando a segurança do vôo e sofrendo o impacto dos ruídos excessivos para o uso residencial. Para a área apresentada, a altitude máxima permitida pela superfície horizontal interna do Plano Básico de Zona de Proteção do Aeroporto Santos Dumont é de 49 metros, quando o topo do morro já possui cota 55m. Portanto, nada poderia ser edificado naquela área.

“Não houve um grupo de trabalho multidisciplinar envolvendo especialistas da universidade e nem mesmo um debate com a comunidade”, diz a professora Louise. Para ela, o que está em jogo é a concepção do uso do espaço público e do espaço privado, salientando que o papel social do arquiteto é também se posicionar em relação à cidade.

A reunião contou com a participação do vice-presidente do Conselho Comunitário da Orla da Baía (CCOB), Carlos Augusto Valdetaro. Ele afirmou que desde o início do ano 2000, a especulação imobiliária tem interesse no Morro do Gragoatá. Disse ainda que a CCOB estuda contestar judicialmente a decisão do reitor da UFF.

A versão da Reitoria

A reitoria da UFF publicou nota sobre o assunto no dia 19 de setembro de 2017, na página institucional da universidade (http://www.uff.br/?q=uff-luta-para-garantir-o-seu-patrimonio). O mesmo conteúdo foi remetido por mala direta aos docentes, quando a administração central procurou apresentar a sua versão para os fatos e justificar a atitude, alegando, inclusive, que o terreno em disputa desde 1977 não é área de proteção ambiental. “Desde então, a UFF não exerceu posse, não fez melhoramentos, nem mesmo delimitou a área, tão pouco realizou pagamento indenizatório”, afirma a nota assinada por Sidney Mello.

De acordo com o reitor, o Ministério da Educação não repassa para a UFF os recursos acordados judicialmente para pagar as contas e concluir as obras – o que impediria a realização de projetos futuros para aquele terreno. “Desde 2015, o corte de recursos para obras tem sido da ordem de 50% e o de custeio de 20%”, diz o documento.

Afirma ainda que o Ministério Público Federal, a Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União cobram impostos milionários, decorrentes da aquisição do Cine Icaraí e do ex-terreno do INSS (próximo ao Hospital Universitário Antônio Pedro) – o que teria se dado em 2011 e 2012, sem considerar a realidade orçamentaria da UFF para os próximos anos.

Sidney Mello alega que contou com orientação jurídica para assinar o acordo que cede o terreno, “sem riscos de perda integral de espaço no Morro do Gragoatá, sem riscos de custos indenizatórios e sem precisar pagar os gastos decorrentes da atividade processual”. A nota, como se viu, não conseguiu sanar as dúvidas e pacificar o assunto, que deverá ser levantado durante o próximo Conselho Universitário.

 

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira
Imagem: Reprodução de Internet

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