Ago
01
2023

Marcha de mulheres negras no Rio pautou luta por reparação e bem viver

“Mulheres negras unidas contra o racismo, contra todas as opressões, violências, e pelo bem viver”.  Esse foi o tema da 9° Marcha das Mulheres Negras no Rio de Janeiro, que percorreu a Orla de Copacabana, no último domingo (30), celebrando a luta histórica por liberdade, exaltando a ancestralidade e na defesa da pauta antirracista no país. Reparação e bem viver também foi o tema dos Julhos das Pretas deste ano.

“O bem viver é uma proposta ética de vida. Basta de sobrevivermos. Estamos nós, mulheres negras, há séculos sobrevivendo à colonização, à escravização, ao feminicídio, ao desemprego, à fome, à precarização do trabalho, à falta de moradia, à falta de acesso à educação e ao trabalho, ao lesbocídio e ao transfeminicídio. O bem viver, como evoca Conceição Evaristo, é uma política de participação coletiva. É preciso radicalizar a coletividade e a solidariedade, afirmando uma política de distribuição, e não de desigualdade e concentração. Nós convivemos ainda na lógica do "ou ou". Ou compra o alimento ou paga a passagem de ônibus. Chega! Queremos bem-viver”, destaca a jornalista Camila Marins, editora da Revista Brejeiras e feminista negra lésbica, presente na Marcha de domingo.

Camila ressalta que é preciso mobilizar consciências e construir a dimensão de que o racismo, o machismo e a LGBTQIAfobia são alicerces do fascismo e do capitalismo. “Nós mulheres lésbicas negras convivemos com o risco de morte, com o estupro corretivo e a expulsão de casa, dos núcleos familiares, escolas, universidades e locais de trabalho. É preciso apresentar uma política pedagógica de enfrentamento ao lesbocídio e à lesbofobia”, frizou no ato.

Também presente na Marcha, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) destacou o papel das mulheres negras na construção da virada para um país verdadeiramente democrático. “Se ainda é tempo de denúncia, é tempo principalmente de anúncio de um novo tempo. O tempo do bem viver será construído por nós, para nós, porque é sobre nós. Sobre cada mãe que quer brincar com seu filho na praça, que quer parir sem violência, sobre cada mulher negra que quer ser feliz. Vamos em marcha até que os corpos de todas as mulheres negras sejam livres. Obrigada Conceição Evaristo, Benedita. Obrigada a todas aquelas que abriram caminho para que estejamos vivas, de pé, em marcha, em luta”, disse, no carro de som.

Professora da UFF de Rio das Ostras e atual secretária geral da Aduff-SSind, Susana Maia lembra que a temática do Julho das Pretas deste ano também faz referência à 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, prevista para 2025. A primeira aconteceu em Brasília, em 2015, e reuniu cerca de 20 mil mulheres em um momento histórico na luta por igualdade de direitos.

“Reparação e bem viver. Ambos são debates que perpassam a vida cotidiana das mulheres pretas e apontam para um devir, uma construção coletiva, social. O tema da reparação histórica para a população negra já vem sendo luta cotidiana há anos e ainda temos muito a avançar, no sentido de romper com o ciclo ‘natural’ de exclusão de mulheres negras, a elas sempre relegado os mesmos papéis e lugares. Queremos ocupar todos os lugares que nos são possíveis por direito e combater toda forma de injustiça, desigualdade e exploração que subjuga os corpos negros”, reforça.

A docente também aponta como as mulheres negras se aproximam da cultura do ‘bem viver’ a partir da cosmovisão dos povos indígenas, em diálogo com a sabedoria dos povos ancestrais e originários.

“Trata-se de uma nova construção sociopolítica, ambiental e cultural que estabelece novas relações e novas formas de gestão da vida, do território, do meio ambiente, da existência. Essa construção se dá no cotidiano das relações interpessoais, políticas e econômicas, e só é possível conjugando com as lutas do presente. As Mulheres Negras são uma força e potência na indicação desse caminho”, afirma.

A griô Leni Claudino, a Leninha, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) desde sua fundação, há 45 anos, reforça que a luta é por resistência e existência. “Cada avanço, cada conquista e ascensão das mulheres negras no país também é um respiro. Ainda está muito longe, por tudo que a gente sofreu e ainda sofre. Mas cada Marcha nos dá ânimo para continuar essa lutar e seguir avançando. É muito importante para nós continuarmos esta luta, é muito importante para nós que moramos na favela poder conversar, poder trazer os jovens, poder trazer os idosos e fazer a discussão da questão racial”, reforçou no ato.

 Da Redação da Aduff, por Lara Abib