Abr
26
2024

Atividade de mobilização para greve critica modelo em que 33 milhões passam fome no 'país do agronegócio'

Evento integrou as atividades da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) e de mobilização da greve docente na UFF, que terá início a partir da segunda-feira, dia 29 de abril

No ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemora quatro décadas de existência e atuação relevante pela terra, pela Reforma Agrária e pela luta de classes no Brasil, ocorreu o debate "Questão Agrária, Climática e Ambiental no Brasil", na Universidade Federal Fluminense, na noite de 25 de abril. 

Na ocasião, Gustavo Seferian (presidente do Andes-SN e professor da Universidade Federal de Minas Gerais) e Paulo Alentejano (docente da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que representou o MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) participaram da roda de conversa organizada pela direção e pelo Grupo de Trabalho em Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) da Aduff.

O evento integrou as atividades da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) e de mobilização da greve docente na UFF, que terá início a partir da segunda-feira, dia 29 de abril.

Paulo Alentejano enfatizou a questão agrária, considerada tema estrutural que precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira, denunciando a hegemonia do agronegócio e a criminalização do MST por grupos financeiros ligados ao setor. 

"Agronegócio é uma palavra nova para designar algo que é novo e velho", disse Paulo. Como novidade, segundo ele, se apresenta como resultado de articulação profunda entre agricultura e indústria, que data dos anos 1970 e foi financiado pelo Estado brasileiro; além de estar no cerne da liderança do capital financeiro, catapultada por mecanismos como a 'lei do agro', que permitem investimento em títulos e letras de câmbio do setor. 

"Tirando essas duas novidades, o agronegócio é o velho. É o velho por ser herdeiro do latifúndio, que deriva das sesmarias - do período inicial da colonização; é velho porque promove e reproduz a monocultura, introduzida nas origens do período colonial, que se perpetua no Brasil enquanto lógica produtiva. É velho porque prioriza a agroexportação em detrimento da produção de alimento e porque faz a superexploração do trabalho - lá atrás com a escravidão, e hoje com mecanismos diversos, ainda com denúncias de escravidão e com a presença de boias-frias e outros em precárias condições em áreas rurais. O agronegócio é o velho porque promove a devastação ambiental do território brasileiro e seus biomas", disse Paulo. 

De acordo com o professor, o agronegócio reproduz a violência como marca para garantir a expansão do setor no território brasileiro. "O agronegócio herda e intensifica esses processos antigos, com aumento da concentração fundiária e expansão da lógica da monocultura - soja, eucalipto, cana, entre outros. A diversidade produtiva e ambiental desaparecem", criticou.

Segundo Paulo, é por isso que a disponibilidade de alimentos básicos diminuiu para a população brasileira. Citou pesquisa que, há dois anos, identificou aumento de insegurança alimentar no país, com 33 milhões de brasileiros passando fome. Além das consequências da pandemia e da redução de políticas sociais, há que se considerar, como dito por Paulo, o efeito do modelo agrícola, do agronegócio.

Veja aqui trecho da fala de Paulo, que denuncia a concentração fundiária no país, apontando ainda a dimensão racial e desigual entre negros e brancos.

Origem sindical está ligada à luta agrária e ambiental    

Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN iniciou a intervenção lembrando que, naquela noite de 25 de abril, há 50 anos, portugueses celebravam o final da ditadura salazarista no país com a Revolução dos Cravos. Avaliou ainda a importância de colônias em ultramar, sobretudo na África, como epicentro da luta contra os colonizadores. Celebrou as contribuições de Amílcar Cabral – agrônomo, teórico marxista e africano – apontando a importância da questão agrária como um processo de luta social para a libertação do jugo colonial português. 

"Olhar para a Revolução dos Cravos sem perceber o que foi o processo de luta de camponeses e camponesas na África e a problematização da questão agrária no continente africano é passar ao largo de um dos seus principais pontos de erupção e também de enfrentamento. Então, em memória da Revolução dos Cravos, deixo aqui esse marco que também se assenta na discussão agrária e ambiental", afirmou Gustavo.     

De acordo com ele, é preciso que os docentes reflitam sobre a crise de civilização histórica posta no tempo presente, que ultrapassa a crise de produção capitalista, industrial, moderna e ocidental, mas também se insere em todas as dimensões de um modo de vida - econômicas, políticas, institucionais, morais e da reprodução da vida social. 

Segundo Gustavo, tal crise civilizacional apresenta ainda uma dimensão ecológica, que coloca em risco a perpetuação da humanidade. "Há um senso de urgência e necessidade de enfrentarmos, em todas as dimensões da nossa luta social, a questão ambiental e climática", afirmou. 

Para ele, o movimento social de trabalhadores e trabalhadoras, desde o surgimento na Europa, no contexto da modernidade capitalista, há cerca de três séculos, tinha conexão indissociável com o tema ambiental. "É balela a discussão de que é de 50 anos para cá ou de 20 anos ou desde que a Sabrina Fernandes começou a fazer vídeos, que a questão relacionada ao meio ambiente e à luta das e dos socialistas em nosso tem uma conexão direta e sociável com o temário ambiental", argumentou.

De acordo com Gustavo, a questão agrária, ambiental e o processo de auto-organização dos lutadores e lutadoras na modernidade estão diretamente relacionados, não só na Europa Ocidental, mas em outras partes do planeta, a exemplo do Brasil.

"A partir das nossas próprias experiências históricas, os sindicatos no Brasil têm os seus primeiros marcos de existência no campo e não na cidade. No desenvolvimento desigual e combinado do modo de produção capitalista, o assalariamento, a contratação da força de trabalho livre em um país de proeminência agrícola qual era o Brasil da virada do século 19 para o 20, vai proporcionar que as formas como concebemos de luta social e organização se deem precocemente no Brasil no campo", considerou.

O presidente do Andes-SN também mencionou o fato de a regulamentação dos sindicatos terem se dado primeiro a partir da organização dos trabalhadores no campo. Clique aqui para assistir momento da fala de Gustavo Seferian, ao apontar que o 'novo sindicalismo' indicado por historiadores e sociólogos têm origem no campo e nas florestas.

Universidade aberta aos movimentos populares

Conforme a mediadora do evento, Jacqueline Botelho – professora da ESS/UFF e dirigente da Aduff-SSind – o debate sobre a Universidade Pública está diretamente relacionado à luta dos movimentos populares. "Não construímos a Universidade Pública sem movimento popular, sem a luta social estar presente neste espaço. Hoje e sempre abrimos espaço para os movimentos populares ocuparem a Universidade e convidamos a comunidade acadêmica a se somar à luta, nas ruas", disse.

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

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