Jun
17
2016

Encontro reúne em Brasília mais de dois mil defensores da educação pública

Professores da UFF participam do II Encontro Nacional da Educação em Brasília, que reúne trabalhadores e estudantes de todo o país

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Lara Abib - enviada a Brasília.
Foto: Valcir Araújo

Mais de duas mil pessoas, entre docentes, estudantes, técnicos-administrativos e demais trabalhadores da educação se reuniram na manhã desta sexta (17), na Universidade Nacional de Brasília (UNB), para o debate de abertura do II ENE – Encontro Nacional da Educação.

Com o tema "Por um Projeto Classista e Democrático de Educação, Contra o Ajuste Fiscal e a Dívida Pública", a mesa contou com a participação do estudante chileno José Villarrol, que integra o movimento estudantil no Chile – representando o grupo Juventud en Lucha; Mauro Puerro, da secretaria-executiva da CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular) e do Comitê Nacional em Defesa dos 10%do PIB para a Educação Pública; e Olgaíses Maués, da direção do Andes-SN e do Comitê Organizador do II ENE.

O início da mesa de abertura também foi marcado pela homenagem ao professor Márcio Antônio de Oliveira, referência histórica nas lutas em defesa da educação pública, ex-presidente do Andes-SN e diretor eleito da gestão que assume no próximo Conad (Conselho do Andes-SN), falecido no dia 13 de junho.

A seguir, trechos das exposições de cada um dos debatedores:

JOSÉ VILLARROL
“A luta pela educação é de estudantes e trabalhadores”

“Tenho 22 anos e participo desde os 12 do movimento estudantil, vendo outros estudantes se organizando, aprendendo com as mobilizações. O movimento estudantil chileno completa, em 2016, dez anos de uma luta intensa, que envolve grandes mobilizações, ocupações, resistências, greves estudantis. E isso não pode e não vai acabar. Queremos 10 anos mais! Mas por que tanta mobilização? No início dos anos 70, a ditadura que governou o Chile por quase 20 anos implementou uma série de ajustes neoliberais que transformou e converteu a educação gratuita de livre acesso que vigorava nos anos 60 em mercadoria. Com a chegada da democracia, esse panorama não se alterou, pelo contrário, a privatização da educação chilena aumentou. A maioria das universidades chilenas são empresas universitárias. É claro que esse processo se deu em diversos países, como no Brasil, por exemplo, mas o Chile foi o laboratório do capitalismo na América Latina. É por isso que universidades privadas são sistematicamente ocupadas pelos estudantes, que escolas secundaristas são ocupadas –não só na capital, como em todas as partes do país. É uma luta que requer unidade, porque a luta pela educação não é só dos estudantes, mas de todos os trabalhadores; é uma luta do povo! E é uma luta que deve ser travada de maneira autônoma, através da organização autônoma de estudantes trabalhadores. Não podemos andar de mãos dadas com governos que batem em estudantes, que reprimem e criminalizam a luta pela educação pública no país.”
José Villarrol, que integra o movimento estudantil no Chile – representando o grupo Juventud en Lucha.

MAURO PUERRO
“Temos opiniões diferentes e legítimas, mas temos acordo no ‘Fora Temer’’

Aqui está presente a vanguarda do ativismo brasileiro que luta em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade e laica, violentamente atacada. Aqui se encontram aquelas e aqueles que se irmanam com a juventude e a classe trabalhadora francesa na luta contra a reforma trabalhista e contra a retirada dos direitos na França. Aqui estão os que não  se deixaram cooptar e mantiveram sua autonomia e independência na luta em defesa da educação pública durante os 13 anos do governo do PT. Aqui estão aqueles que se indignaram e levantaram sua voz contra o massacre de Orlando, mas também que levantam sua voz contra o massacre cotidiano nas periferias dos centros brasileiros, principalmente contra a juventude negra, as mulheres e a população LGTBT. É um orgulho estar aqui! Estão aqueles que se inspiraram nos estudantes chilenos e ocuparam e ocupam escolas brasileiras, que dirigem greves duríssimas em seus estados, municípios. Estamos vivendo esse encontro sob um novo governo, o governo ilegítimo de Michel Temer. Penso que temos acordo entre nós; todos estamos aqui pelo "Fora, Temer!". Temos opiniões diferentes, avaliações diversas (...) e são todas opiniões legítimas, opiniões do movimento operário popular e estudantil. Parte da tradição do movimento operário que estamos buscando resgatar é fazer um debate democrático, legítimo e respeitoso entre nós. Mas a unanimidade existe entre nós e é o ‘Fora, Temer!’. Gosto muito de um ditado português que diz que 'os ventos só ajudam o marinheiro que sabe o porto onde quer chegar'. O nosso porto eu resumiria, didaticamente, em quatro objetivos. O primeiro é definir nesse encontro as bases para o projeto classista e democrático de educação pública, gratuita, laica,  de qualidade e socialmente referenciada – que se contraponha ao PNE privatista que foi aprovado. O segundo é transformar o comitê que se formou através da reivindicação justa para os  10% do PIB para a Educação em uma organização de caráter mais forte, mais substancial, quase uma coordenação de entidades que vão ajudar a intervir nas lutas que estão se dando, para enfrentar o isolamento. Este é um encontro somatório de várias entidades e categorias, então teremos que discutir essas questões em diversas instâncias, mas podemos aprovar aqui um chamado para intensificar as lutas e apontar para a construção de uma greve unificada  da educação deste país. Por fim , temos que aprovar neste encontro – porque ele tem força para isso – um chamado para que as centrais sindicais organizem uma greve geral neste país contra o ajuste fiscal, contra as reformas trabalhistas, contra as reformas da Previdência, em defesa da educação pública, em defesa de investimentos nas áreas sociais e pelo ‘Fora Temer’ e pelo fora a todos os corruptos do Congresso. A CSP-Conlutas, que eu represento dentro do Comitê Nacional em Defesa dos 10%do PIB para a Educação, já votou favorável a isso. É nossa tarefa estar nas ruas e construir a resistência!”
Mauro Puerro, da secretaria-executiva da CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), e o Comitê Nacional em Defesa dos 10%do PIB para a Educação Pública.

OLGAÍSES MAUÉS
“Precisamos de unidade para construir um projeto de educação dos trabalhadores”

“A realização deste segundo ENE ocorre em um momento de profunda crise da sociedade brasileira, sem falar da conjuntura internacional, das guerras em curso, dos ataques aos imigrantes e o ataque do domingo passado à boate gay, nos Estados Unidos, matando 49 pessoas, símbolo desse momento desastroso em que vive o mundo como um todo. No Brasil, temos uma inflação de mais de 10%, mais de 10 milhões de desempregados, além de uma profunda crise ética e moral. Temos um governo derrubado oficialmente pelas tais pedaladas fiscais, mas que caiu pela própria incapacidade de levar adiante um projeto que atendesse à classe popular, perdendo apoio dos trabalhadores. O outro governo assume tendo grande parte dos seus ministros sendo acusados de algum tipo de crime, referente a propinas recebidas, desvio de recursos, caixa dois. Em 35 dias do governo ilegítimo de Temer, quatro ministros já caíram. É um momento no qual a corrupção e a falta de seriedade e o desrespeito à coisa pública parecem ter se tornado normais. O governo sem credibilidade enfrenta manifestações quase diárias pedindo "Fora Temer". O Judiciário e o Legislativo também são alvos de extrema desconfiança por parte da população, com acusações até o pescoço por corrupção. O ministro da Educação é um total desconhecido da área e ocupa a pasta pelas negociatas de distribuição de cargos. Em contrapartida, a secretária-executiva do MEC é uma velha conhecida do movimento da educação; ocupou o mesmo cargo durante o governo FHC e foi secretária de Educação dos governos do PSDB no estado de São Paulo. Deverá implementar e aprofundar as politicas privatizantes. Portanto, a onda conservadora que já vinha desde os governos  do PT tende a se aprofundar. A aprovação de algumas medidas drásticas, como por exemplo o PL da Escola Sem Partido, o novo estatuto da família, a negação do nome social às pessoas trans, a implementação da lei do antiterrorismo já aprovado no governo Dilma, a discussão da lei antigreve, a diminuição da idade penal – todas essas são medidas que demonstram o retrocesso que a sociedade brasileira está vivendo. Nesta conjuntura, o II ENE tem que ser o espaço da crítica e da denúncia qualificada a esse projeto, mas também um espaço privilegiado para a construção de um novo projeto. Não é um outro projeto alternativo, é um projeto classista e democrático para a educação. Um projeto que atenda a classe trabalhadora, que conduza e ajude a conduzir o país para uma sociedade socialista. Por isso estamos aqui chamando para a unidade, para a construção desse projeto. A educação que temos hoje é uma educação que ensina a nos conformar. O projeto dos últimos governos foi e é a privatização da educação. Se inicialmente o foco da privatização era o ensino superior, hoje temos toda a educação básica sendo privatizada. É a inversão do que a Constituição Federal diz, 'que o responsável pela educação deve ser o estado brasileiro'. A Lei de Diretrizes Básicas coloca como dever da família; isso faz toda diferença na medida em que a responsabilidade passa do estado para o privado”.
Olgaíses Maués, da direção do Andes-SN e do Comitê Organizador do II ENE.