Fev
02
2016

Liminar que suspende votação por email não impede debate na UFF e nos conselhos

Aduff-SSind e os setores da comunidade acadêmica que contestam a transformação do Huap em filial da Ebserh defendem debates amplos, democráticos e plurais abertos a estudantes, professores, técnicos-administrativos e à população atendida pelo SUS

DA REDAÇÃO DA ADUFF

A liminar da Justiça Federal que anula o valor formal e legal da consulta por email sobre a cessão do Hospital Universitário Antonio Pedro à Ebserh não proíbe debates sobre o assunto. Tampouco cerceia decisões consonantes com o regimento do Conselho Deliberativo da unidade ou do Conselho Universitário (CUV).

A ação judicial foi movida pelo Jurídico da Aduff-SSind por solicitação de um grupo de conselheiros, contrariados com a decisão da direção do hospital de definir a adesão ou não à Ebserh por votação eletrônica. Esse mecanismo não está previsto no regimento interno do conselho e nem foi objeto de quaisquer debates nas sessões do CD do Huap.

A Aduff-SSind, diretórios acadêmicos e coletivos de estudantes e o sindicato dos técnicos-administrativos vêm defendendo a realização de debates amplos, plurais e públicos sobre o tema. Que transcorram não só em torno da possível adesão a essa empresa, mas da busca de saídas e alternativas que considerem a valorização da gestão pública e do servidor. Essa cobrança dos sindicatos se intensificou a partir do anunciado agravamento da crise no hospital, no final do ano passado, e da nítida investida da Reitoria a favor da Ebserh.

A decisão do juiz José Carlos da Silva Garcia, da 5ª Vara Federal de Niterói, não deixa dúvidas que a desconsideração da votação irregular por email não significa quaisquer cerceamentos ao debate e ao funcionamento dos conselhos. “Está caracterizada nos autos da realização de votação eletrônica via e-mail que, ao menos em juízo preliminar, não parece contemplada no Regimento Interno, de acordo com o que consta de fls. 33 a 38 dos autos, do qual se depreende, em princípio, a necessidade de reuniões presenciais dos seus membros, com quóruns de instalação e deliberação (arts. 10, § 3.°, e 11)”, diz trecho inicial da decisão do juiz, que ressalta que a conclusão sobre isso só será possível após o domínio de mais informações do caso pelo juízo. Contudo, o magistrado decidiu, por precaução, pela suspensão dos efeitos da decisão do Conselho Deliberativo do Huap, tomada por via digital. “A presente liminar não implica qualquer limitação ao exercício regular das competências e poderes do Conselho Universitário da UFF: cuida-se apenas de, ao menos por ora, indicar-se àquele Colegiado Superior que, aparentemente e nos limites próprios do exame da liminar requerida, a deliberação tomada pelo colegiado do Huap não atenderia às exigências formais do seu regimento, e que, ainda que possa informalmente demonstrar uma razoável maioria em sua composição favorável a tal contratação, esta maioria não deve, até o presente momento, ser tomada como se formal e válida fosse”, prossegue.

Defesa da democracia na UFF

A tentativa da direção do Huap e da Reitoria de aprovar a transformação do hospital universitário em uma filial da empresa estatal de direito privado pela internet ou por meio de uma reunião fora das dependências da universidade e de portas fechadas desagradou não apenas às direções sindicais e estudantis. A rejeição a esses mecanismos ecoou na universidade e ampliou o movimento, no qual ganhou, é natural, um peso maior a defesa da democracia interna na UFF.

A Reitoria e a direção do Huap, no entanto, tentam, já há algum tempo, fomentar o que seria uma ‘guerra de informações e versões’ dentro da UFF – embora fujam de qualquer debate ao vivo e transparente. Com frequência, fazem referências pejorativas às entidades sindicais, tentando associá-las a movimentos violentos e antidemocráticos.

É o que se observa, por exemplo, em nota recente assinada por um grupo de integrantes do Conselho Deliberativo do Huap, entre eles Tarcísio Rivello, diretor-geral do hospital há mais de dez anos, e prontamente divulgado no site oficial da UFF pela Reitoria. A nota reproduz a ideia de que o funcionamento dos conselhos estaria sendo cerceado e, consequentemente, a democracia. O curioso é que omite a decisão judicial, que diz o contrário, e não faz referências ao fato de que até o momento a Reitoria ou a direção do hospital não possui um único exemplo de debate ou audiência pública convocada por eles, com espaço para posições divergentes se expressarem. Posições e visões diferentes que existem inclusive dentro desses conselhos.

Em algumas palestras direcionadas a grupos específicos e não divulgadas previamente, a Reitoria ou a direção do Huap abriram espaço para o presidente da Ebserh, que não pertence aos quadros da universidade, ‘vender’ as qualidades de sua empresa, mas não o faz para quem tem outra percepção e análise do assunto – foi assim no Conselho do Huap e nas reuniões com diretores de unidade, por exemplo.

Esse quadro se repete nos meios de comunicação oficiais – ou nem tão oficiais assim – controlados pela administração central. Apesar de toda a potencialidade de instrumentos como um portal na internet, não há espaço ali para o posicionamento crítico à adesão à empresa, criada por medida provisória pelo presidente Lula no último dia de seu governo, véspera das comemorações de ano novo.

O jornal impresso da Reitoria também abordou o assunto, mas igualmente se limitou a promover supostos aspectos positivos de uma eventual adesão à Ebserh. Nem uma palavra sobre os problemas enfrentados por hospitais universitários de outros estados que já foram cedidos à Ebserh, mas seguem vendo o quadro de funcionamento se agravar. É o caso, por exemplo, do HU da Universidade Federal do Ceará, onde a própria superintendência daquela filial da Ebserh divulgou nota comunicando a suspensão de até 50% das cirurgias eletivas e de outros serviços.

Há ainda um panfleto frente e verso mal identificado, assinado genericamente como UFF, que circula pela universidade em grande quantidade e se dedica unicamente a defender a empresa – que, embora estatal, é de direito privado e tem fins lucrativos. Impresso em papel colorido de alta qualidade, não identifica que setor da universidade foi responsável por ele (a indícios que foi a Reitoria, mas não há confirmação disso) e muito menos com que recursos foi produzido – da universidade ou da empresa. Esta, aliás, é uma pergunta que está no ar e que ganha contornos mais relevantes ainda quando se sabe que, por conta dos cortes orçamentários impostos pelo governo, alguns cursos estão sendo obrigados a informar à comunidade universitária que faltará papel higiênico nos banheiros.

Também não se sabe qual raciocínio levou a se produzir um material supostamente oficial da universidade, ambiente dedicado ao estudo e à reflexão, sem espaço para que outras compreensões a respeito desse tema pudessem se manifestar.

Muitos se perguntam o que faz a direção central da universidade falar em democracia quando tenta pautar um ‘debate’ de uma nota só, utilizando os meios e recursos oficiais da universidade – sem que isso tenha passado por qualquer discussão ou deliberação do CUV ou de outro conselho deliberativo da UFF.

Também provoca indagações entender o que levou a Reitoria e a direção do Huap, que em entrevistas recentes ao Jornal da Aduff se recusaram a falar sobre a Ebserh, alegando não ter posição sobre o assunto, a se tornarem em poucos meses as maiores defensoras da cessão do hospital e de sua aprovação às pressas e sem debate. Isso quando até eles reconhecem, opinião compartilhada por todos os lados dessa história, que se está diante de uma decisão de relevância ímpar para o futuro do Hospital Universitário Antonio Pedro e da própria Universidade Federal Fluminense.