Dados do Atlas da Violência de 2023, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontam um aumento de 9,5% na violência física e de 20,4% na violência psicológica contra a população travesti e transexuais no país.
Os números referem-se aos anos 2020 e 2021 e fazem do Brasil líder mundial no ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis, segundo informações da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais). No ano passado, houve um aumento de 10% nos assassinatos de transexuais e travestis, contabilizando 145 mortes, cuja maioria das vítimas eram mulheres trans ou travestis (94%), preta ou parda (72%), e 81% tinham entre 13 e 39 anos.
A violência contra a população LGBTQIA+ no Brasil, em especial pessoas trans e travestis tem muitas nuances. Dois casos recentes envolvem perseguição a duas professoras. Uma delas é Sophia Domingos Pereira, egressa do curso de Pedagogia da UFF e concursada da rede municipal de Angra dos Reis. Após ter a transexualidade exposta, ela foi repentinamente afastada, em fevereiro, da direção da Escola Municipal Maria Theresa N. Garcia, cargo que assumiu no início de 2023, após ser pessoalmente convidada a exercê-lo pelo secretário de Educação do município, Paulo Fortunato.
A outra violência envolve Êmy Virgínia Oliveira da Costa, primeira professora trans do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), que foi exonerada sob denúncias de arbitrariedade em janeiro deste ano. Ela realiza doutorado na Universidad de la República (Uruguai) e, com autorização da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) do IFCE e do colegiado de curso, antecipou suas aulas para poder ausentar-se do país e cumprir suas atividades no programa de pós-graduação. No entanto, a ausência da docente foi utilizada como justificativa para a exoneração.
Se a violência transfóbica afetou Sophia e Êmy, duas pessoas graduadas e estabelecidas, é possível compreender ainda mais a situação de vulnerabilidade da população trans e travesti que é alijada do acesso formal à educação e, consequentemente, ao mercado de trabalho e à aquisição de direitos plenos. Em meio aos entraves, preconceitos que reforçam estigmas e reverberam em exclusão.
No ambiente universitário, a violência também se manifesta. E a luta é pela viabilização do acesso e da permanência da população trans e travesti na graduação e na pós-graduação, considerando ainda os recortes de raça e de classe que atravessam o tema.
A imprensa da Aduff conversou sobre o assunto com três integrantes da Rede Trans da Universidade Federal Fluminense -- coletivo que se formou a partir da organização estudantil de discentes trans de diferentes cursos da instituição, que conta com cerca de 80 pessoas que estudam em Niterói e em outros campi da UFF.
Foram elas: Ariela Nascimento -- estudante de Ciências Sociais (Licenciatura), professora, integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE Fernando Santa Cruz), ocupando uma cadeira específica para a população trans; Gabe Moreira – graduanda em Serviço Social, integrante do diretório acadêmico do curso, do Movimento Juventude Ecossocialista (Juventude Ecoar), e da pasta do DCE destinada à população LGBTQIA+; e Lua Braga -- estudante de Ciências Sociais (Licenciatura), que constrói o Diretório Acadêmico de Ciências Sociais, a União da Juventude Comunista (UJC) e está conselheira no CUV (Conselho Universitário da UFF).
As três entrevistadas foram unânimes ao apontar a falta de acesso à Educação, a serviços de saúde e a direitos para as pessoas travestis, trans e não-binárias. “Temos uma população de pessoas travestis e transexuais no Brasil cujos 56% não terminam o ensino fundamental; 72% não terminam o ensino médio e, portanto, não estão acessando o ensino superior”, disse Lua Braga.
Mencionando dados estatísticos, diz que tal fato contribui para que 90% das mulheres trans e travestis estejam na prostituição em busca de sobrevivência. Lua afirma que há 4 milhões de pessoas trans no Brasil e que apenas 0,02% estão na Universidade. “Temos uma média de 800 pessoas trans nas universidades públicas. Muito bom, que a gente tem 800 pessoas hoje na graduação. Mas quantas dessas conseguem concluir o curso? Quantas vão se formar?”, indaga.
Ela ainda aponta que algumas Universidades oferecem cotas para pessoas trans e travestis na pós, mas diz que essa população não vai acessar esses espaços, porque não concluiu o ensino fundamental e médio.
“É um reflexo de toda a marginalização que a gente sofre”, complementa Gabe Moreira, que informa que, no movimento estudantil, a reivindicação de cotas para trans e travestis na graduação é um imperativo. “Menos de 1% da população trans ocupa a graduação, segundo dados da Antra”, explica Gabe.
Para ela, a Universidade não foi pensada para incluir populações marginalizadas no espaço de produção de conhecimento. E é hora de mudar essa história, defendem Gabe, Ariela e Lua.
Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Fotos de Luiz Fernando Nabuco