Mar
11
2024

A luta por cotas para trans na graduação é fundamental e a UFF está atrasada nesse debate, dizem estudantes

Estudantes trans afirmam que a política de cotas abre portas e reverbera na vida de pessoas marginalizadas; porém, alertam, precisa estar associada à condições para que se permaneça na universidade 

As estudantes ouvidas pela reportagem da Aduff não têm dúvidas sobre o papel fundamental que a política de cotas representa para populações marginalizadas. Consideram uma vitória a Reitoria da UFF ter concordado em instalar uma comissão para tratar desta demanda para estudantes trans, porém alertam que a UFF está muito atrasada nesse debate.

“São três demandas as que temos: cota na graduação, permanência e quantificação de dados sobre a realidade trans dentro da Universidade”, resume a estudante da UFF Ariela Nascimento,que cursa Ciências Sociais (Licenciatura), é professora e integra o Diretório Central dos Estudantes (DCE Fernando Santa Cruz), ocupando uma cadeira específica para a população trans.

Ariela afirma que os integrantes da Rede Trans da Universidade Federal Fluminense, coletivo formado a partir da organização de discentes, entendem a importância dessa reivindicação. “Os nossos que estão do lado de fora, estão ainda lutando para acessar a universidade”, diz. 

A estudante de Ciências Sociais considera que as pessoas trans assumiram um protagonismo dentro da universidade a partir das reivindicações do grupo. No entanto, acredita que a luta ultrapassa os muros da instituição e é uma luta de todas, todos e todes: “É um movimento que nasce fora das academias brasileiras, que tem que estar em constante diálogo com o movimento trans universitário que hoje vem se organizando pra poder ter avanços na nossa sociedade”, constata.

Segundo ela, a Rede Trans assume posições políticas por inclusão, mas não o faz porque compreende que as pessoas trans e travestis são minoria dentro da universidade, e sim porque existe um movimento que ultrapassa os muros da UFF e se coloca na luta de forma simultânea.

“É uma responsabilidade muito grande a gente fazer qualquer movimentação que seja pensando nos nossos que estão lá fora. Existe um movimento estadual e nacional que vem debatendo isso, falando de cotas e de permanência dentro da universidade. São duas pautas que andam muito juntas e que não podem ser debatidas de maneira isolada”, explica Ariela, apontando que a Rede Trans é uma construção coletiva que conta com apoio de diversas outras entidades.

A questão das cotas, diz, é emergencial e a UFF está muito atrasada nesse debate. Ela afirma que somente duas universidades brasileiras possuem cotas para pessoas trans e travestis na graduação, sendo elas a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal de Santa Catarina. “Ter só duas universidades em todas as capitais brasileira com cota na graduação [mostra] a importância de demandar para que isso aconteça rapidamente em outras universidades, para que a gente consiga tirar as nossas e os nossos da margem dessa sociedade”, considera.

Além disso, afirma que a Reitoria da UFF poderia se responsabilizar pela coleta e sistematização de dados sobre as pessoas trans e travestis na Universidade, inclusive para compreender as intersecções de classe e de raça.

Articulação 

Enquanto não há cotas para trans e travestis na graduação, já existem programas de pós-graduação na UFF que as oferecem. Para a estudante Gabe Moreira, graduanda em Serviço Social, isso é um grande avanço. Entretanto, defende que se vá além para viabilizar, de fato, uma inclusão. “Onde estão as pessoas trans e travestis na graduação?”, questiona a discente, que integra o diretório acadêmico do curso, e da pasta do DCE destinada à população LGBTQIA+.

De acordo com Gabe, que acompanha o colegiado de curso e de unidade quanto à representação discente, apesar de existir reserva de vagas para pessoas trans e travestis na pós-graduação de Serviço Social, nenhuma pessoa se inscreveu para essa reserva de vagas.

“Temos feito essa articulação. Levamos para uma assembleia estudantil puxada pelo DCE, onde a gente aprovou com o conjunto de estudantes, para além da Rede Trans e para além do DCE, um acordo político para levar a pauta das cotas trans para a audiência pública com o reitor”, disse. 

Promessa de GT

Ela se refere à primeira Audiência Pública entre estudantes e o reitor da Universidade, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, depois de reeleito. Ocorrida ao final de 2023, contou com a presença do pró-reitor de Planejamento, Julio Andrade, e da pró-reitora de Assuntos Estudantis, Alessandra Barreto, e teve como tema: “Orçamento e Assistência Estudantil”.

Fazia quase um ano que estudantes solicitavam tal audiência pública, que somente aconteceu após mobilização discente no dia 13 de novembro -- ocasião em que vários alunos e alunas sofreram agressões da segurança patrimonial, no prédio da Reitoria, em Icaraí (Niterói). Estudantes que integram a Rede Trans desejavam apresentar uma carta ao reitor para sensibilizá-lo acerca da reivindicação por cota para trans. 

“Para a gente conseguir conversar com o reitor e apresentar uma carta pra ele, ele tem que mandar bater em quinze estudantes trans? Tem que agredir 40 estudantes que querem conversar com ele? Existe ali um entrave político”, afirma Lua Braga. 

Na dita audiência, o reitor se comprometeu a criar um Grupo de Trabalho (GT) para debater e implementar cotas na graduação para as pessoas trans e travestis na Universidade.  

“Essa frase que a gente usa que as cotas abrem portas é muito real, porque essa política muda o quadro e reverbera em melhores condições de trabalho para as pessoas”, defende Gabe. “Ter conseguido o comprometimento político da Reitoria, na audiência pública, para formar um GT para pensar cotas trans na graduação da Universidade é reflexo das articulações que temos feito. Agora é materializar”, diz Gabe Moreira. 

'Vontade política'

De acordo com a estudante do Serviço Social, a burocracia é um entrave à entrada e à permanência de sujeitos marginalizados na Universidade. Porém, com interesse político, observa Gabi, é possível reverter tal perspectiva. 

Para Ariela, além da burocracia, outros dois aspectos precisam ser considerados nessa discussão: interesse e disposição política. “Não dá só para a gente responsabilizar a burocracia sem entender que também existe a disposição política; quando há disposição e interesse político, a gente consegue manobrar um pouco dessas instâncias burocráticas que foram criadas e pensadas justamente para controle social”, afirma. 

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Fotos de Luiz Fernando Nabuco 

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