Jul
03
2025

"UFRJ cresceu ancorada em um modelo profundamente tecnocrático", considera Rafael Vieira

A Ditadura e as Universidades Públicas do Rio de Janeiro" foi o tema do debate, realizado dia 25 de junho, no campus da UFF em Niterói. A atividade foi organizada pela diretoria da Aduff e pelo Grupo de Trabalho em História do Movimento Docente (GTHMD) da seção sindical. Contou com a participação de Ana Beatriz de Oliveira (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ); Rafael Brandão (Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ); Rafael Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ); Rodrigo Castelo (Universidade Federal Estado do Rio de Janeiro - Unirio) e Wanderson Melo (Universidade Federal Fluminense - UFF), professores e especialistas no tema. Foi mediada por Joana D'Arc Ferraz, dirigente do sindicato de docentes da UFF e coordenadora do GTHMD local.

"Embora a UFRJ seja uma das universidades mais duramente atingidas pela ditadura, os caminhos de pesquisa lá dentro são muito particulares", disse Rafael Vieira, que hoje é docente da Escola de Serviço Social e, há alguns anos, foi professor do Instituto de Educação da UFF em Angra dos Reis. 

"Atualmente, só temos notícias de documentação de três Assessorias de Segurança e Informação que são relativamente mais completas: a da da UNB, a UFMG e a da UFF. Não temos informações sobre o paradeiro dos documentos da ASI/UFRJ. Não sabemos se eles estão depositados em algum fundo que não conhecemos até hoje ou se foram destruídos, como aconteceu em algumas Universidades. E não saber o que aconteceu é bastante revelador de como se deu a dinâmica institucional de preservação desses arquivos e sobre a política para se pesquisar sobre esse período histórico", complementou. 

Ele criticou o fato de o Brasil não ter responsabilizado aqueles que cometeram inúmeros crimes em nome da ditadura, como também o país ter permitido que tais pessoas seguissem embrenhadas na estrutura do Estado, circulando e atuando em muitos espaços de poder, inclusive na universidade. "Não estamos lidando meramente com uma questão do passado", afirmou. 

De acordo com Rafael, ainda há muito a ser conhecido em relação ao impacto da ditadura na vida da UFRJ, pois as pesquisas disponíveis até o momento retrataram horizontes muito particulares. "Geralmente, são focadas em figuras representativas, como o caso de Josué de Castro, de Plinio Sussekind, de Marina São Paulo de Vasconcelos – que foram professores perseguidos e cassados – ou em alguns estudantes desaparecidos. Ou foca em algumas unidades particulares, como é o caso da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), ou na figura do catedrático da História, Eremildo Luiz Vianna”.

Na era de Eremildo Vianna, o atual IFCS-UFRJ era tão controlado que havia agentes do exército armados nos corredores, no dia a dia da vida acadêmica. Isso teria levado outras pessoas a buscarem, por exemplo, o ICHF-UFF. "Não é que não houvesse ditadura na Universidade Federal Fluminense; havia sim. A UFF não era uma ilha de liberdade. Mas o controle cotidiano tinha uma configuração distinta do que havia na UFRJ", ponderou.

Segundo o professor, é possível afirmar que o projeto da ditadura foi duramente implementado, marcando a história das universidades no Brasil. Rafael Vieira criticou a interpretação do historiador Rodrigo Patto Sá Motta do conceito de "modernização conservadora. Segundo ele, para Motta, a modernização seria o pólo positivo atrelado à mudança (expansão de campi universitários, criação de novos laboratórios, expansão do sistema de pós-graduação) e o aspecto negativo seria a repressão. 

"Meu ponto fundamental é que ele interpreta acriticamente o que é esse processo de expansão vivido pelas universidades brasileiras durante a ditadura. Ele não interpreta de que maneira as universidades estavam atreladas a um processo de extremamente amplo e complexo de transformação da realidade. Entre outros elementos, a formação da força de trabalho especializada que ia operar de forma subalterna e dependente as transformações globais pelas quais o capitalismo passava nos anos 60 e 70, incorporando uma fração das classes médias urbanas, em geral brancas", disse.

Para Rafael Vieira, a UFRJ cresceu nesse contexto, porém ancorada em um modelo profundamente tecnocrático. "A repressão vem a cabo desse projeto. É duro admitir, mas ele triunfa. E, hoje, hegemonicamente, a Universidade está atrelada a esse processo. Não é à toa que a UFRJ é escolhida como o lugar do Sesquicentenário da Independência, quando ditador Emílio Garrastazu Médici, em 1972, foi reinaugurar o campus do Fundão", falou.

Foi naquela ocasião, inclusive, segundo o pesquisador, que Médici recebeu o título de Doutor Honoris Causa, proposto pela Maria Lenk – a nadadora que era, então, diretora da Faculdade de Educação Física da UFRJ e foi bastante ligada ao regime. 

"A repressão não surge do nada; ela está atrelada a uma economia política da violência, implementada durante a ditadura, para por em curso um projeto de transformações do capitalismo brasileiro que se efetiva durante esses anos. A Universidades estão atreladas a esse processo", defendeu o pesquisador. 

Clique aqui para assistir a apresentação de Rafael Vieira no debate "A Ditadura e as Universidades Públicas do Rio de Janeiro" 

Da Redação da Aduff
Foto: Aline Pereira