Abr
16
2013

“Temos que barrar a Ebserh!”, afirma secretária-geral da ADUFF

Em entrevista ao InformANDES, Cláudia March, secretária-geral da ADUFF, fala sobre a importância da realização de ações conjuntas - entre trabalhadores técnicos-administrativos, docentes das universidades, estudantes e movimentos sociais que representem a população usuária do SUS – para impedir a implementação da Ebserh. “Essas ações devem partir de uma compreensão dos impactos negativos à saúde e educação públicas e de qualidade que afetam a todos esses segmentos”, afirma.
Além dos prejuízos à autonomia universitária e aos usuários dos HU e estudantes, a professora cita ainda os danos aos trabalhadores do setor, e dá como exemplo a situação do Hospital Universitário da UnB (HUB). “Cerca de 700 trabalhadores serão cedidos à Ebserh e administrados pela empresa”, alerta.
“Temos que barrar a Ebserh. Afirmo sempre – hoje é a Ebserh, amanhã vai ser a Ebsere – Empresa Brasileira de Serviços Educacionais! Portanto, é uma luta não só para barrar a privatização dos HU, mas a contrarreforma que privatiza serviços públicos e retira direitos da população trabalhadora”, denuncia Cláudia.
O que é e quais são as atribuições da Eberh?
A Ebserh é uma empresa estatal de direito privado, vinculada ao MEC, criada pela Lei 12.550 (15/12/2011), com a finalidade de “prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública”. Tal finalidade (art. 3 da Lei 12.550) será atingida a partir das competências previstas no art. 4 da mesma Lei, que incluem a administração de unidades hospitalares e a prestação de serviços de apoio às IFES, no ensino, na pesquisa e na extensão. A Empresa desenvolverá suas atividades a partir da cessão de bens e direitos das universidades, assim como dos servidores contratados pelo Regime Jurídico Único e lotados nos Hospitais Universitários. A relação entre Universidades Federais / Hospitais Universitários e a Ebserh se dará mediante estabelecimento de contrato entre as partes.
Cabe ressaltar que, para além das finalidades e competências definidas no Contrato de Gestão entre a Ebserh e a Universidade, que explicitam apenas a prestação de serviços aos usuários do SUS como gratuitas, há a possibilidade de desenvolvimento de um conjunto de atividades passíveis de obtenção de lucro, tal como atividades de ensino, pesquisa, extensão e produção tecnológica, devido à lógica do seu modelo jurídico institucional de direito privado.
Em que aspectos a criação da Ebserh fere o estabelecido na Constituição?
O flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais começa ao atribuir a uma empresa de direito privado, cujo objetivo é de exploração direta de atividade econômica, incluindo a produção de lucro, a gestão de Hospitais Universitários cujas atividades - prestação de serviços públicos de saúde e educação - caracterizam-se como serviços públicos de relevância pública, que não podem ser transformados em atividades econômicas. Essa tem sido uma das bases dos questionamentos jurídicos e legais à Lei 12.550.
A atuação da Ebserh se restringe aos hospitais universitários?

A Lei 12.550 prevê o estabelecimento de contratos também com as denominadas “instituições congêneres”, que seriam “as instituições públicas que desenvolvam atividades de ensino e de pesquisa na área da saúde, e que prestem serviços no âmbito do SUS”, assim como a possibilidade dos estados autorizarem a criação de empresas públicas de serviços hospitalares. É necessário nos conscientizarmos da abrangência da contrarreforma administrativa na saúde e educação, operada a partir da Ebserh e suas subsidiárias, e das empresas similares e de seus impactos da reconfiguração do Estado brasileiro e nos direitos à educação e saúde públicas.
Todas as universidades obrigatoriamente devem aderir à Ebserh?
Não há obrigatoriedade. Entretanto, a pressão e a chantagem exercidas junto às administrações das universidades e dos HU e a extinção da diretoria de Hospitais Universitários do MEC, com a transferência de todas suas atribuições para a Ebserh, antes mesmo da adesão das Universidades, evidencia o quão optativa é a adesão.
Podemos afirmar que a Ebserh é uma forma de privatização dos HU?

Temos denominado de privatização não clássica, dado que não se trata da venda das instituições públicas de saúde e educação, tal como realizado com as empresas estatais e o setor bancário nos governos FHC. Trata-se de estabelecer modelos jurídico-institucionais e relações público-privadas, que permitem a criação de condições legais para o livre fornecimento privado e para o direcionamento das instituições públicas para a esfera privada, a partir de parcerias, contratos e convênios com o setor empresarial, que resultam em mercantilização das funções e atividades públicas e financeirização do fundo público, conforme já destacado por vários pesquisadores da área de educação pública. Tais modelos já são experimentados, de forma ilegal, em várias instituições.
Alguns artigos da Lei no 12.555 afirmam que a atuação da Ebserh deve observar a autonomia universitária. Isso de fato acontecerá?
Ainda que a Lei mencione a autonomia universitária, é flagrante o ataque ao princípio constitucional, desde a não previsão ou obrigação de aprovação pelos Conselhos Superiores das IFES do contrato de adesão à Ebserh até o impacto mais direto sobre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. A análise do Regimento Interno da Empresa confirma as análises iniciais sobre o ataque à autonomia universitária. Todos os cargos são de livre nomeação, sendo que somente o superintendente será selecionado entre os docentes do quadro permanente da Universidade contratante. As demais gerências serão selecionadas por um comitê composto pela Ebserh e pelo superintendente, sem menção à necessidade de vinculação à Instituição Federal de Ensino à qual o Hospital é vinculado.
Entre as competências do Colegiado Executivo das unidades hospitalares, destaco a de propor, implementar e avaliar o planejamento de atividades de assistência, ensino e pesquisa a serem desenvolvidas no âmbito do hospital, em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Ebserh, as orientações da universidade à qual o hospital estiver vinculado e ás políticas de saúde e educação do país. Está explícito no texto que as atividades de ensino, pesquisa e assistência desenvolvidas nos HU serão definidas pelo MEC e pela Ebserh, considerando todos os convênios e contratos que a Empresa está autorizada a estabelecer com os setores público e privado. Tal definição está fora das instâncias deliberativas da Universidade – colegiados superiores, de unidade, de curso e departamentais – e desconsidera os projetos institucionais e político-pedagógicos das Universidades.
Como a criação da Ebserh pode prejudicar o atendimento de usuários do SUS?

Temos afirmado que os prejuízos aos usuários do SUS podem ser resumidos a dois conjuntos de questões. Um primeiro resulta do ressarcimento dos atendimentos prestados aos usuários do SUS que tenham planos privados de saúde. Esse ressarcimento, previsto pela Lei 9.656 de 3 de junho de 1998, que era feito diretamente ao Fundo Público de Saúde, agora será feito à Ebserh, a partir da identificação dos usuários na porta de entrada dos HU, quando utilizarem seus serviços. Como a Ebserh é uma empresa estatal de direito privado com obtenção de lucro, conforme seu art. 8 há a possibilidade concreta de priorização do atendimento aos usuários do SUS que tenham planos privados, pois este resultará na dupla obtenção de recursos, através do repasse do SUS, referente aos atendimentos e aos repasses dos planos de saúde. Não será uma “dupla porta” explícita, mas uma diferenciação em benefício dos usuários SUS que tenham planos de saúde em detrimento dos usuários SUS, gerando um duplo estatuto de usuários e prejuízo aos usuários SUS que não têm planos de saúde.
O segundo prejuízos aos usuários do SUS resultará da mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão. A possibilidade de obtenção de lucro a partir das atividades da Ebserh com a “venda” de serviços de ensino, pesquisa e extensão aprofundará e consolidará o que já ocorre de forma ilegal com as Fundações Privadas ditas de Apoio e a priorização de temas de pesquisa e cursos que atendam ao “mercado” e não às necessidades sociais de saúde dos usuários do SUS. O atendimento dos interesses das indústrias farmacêuticas e de equipamentos de diagnóstico e de terapêutica, que se referenciam na obtenção de lucro, em detrimento do desenvolvimento de projetos de pesquisa de extensão referenciados nas necessidades dos usuários do SUS.
Quais as consequências para os servidores que trabalham nos HU?
O prejuízo é claro e imediato. Trata-se de extinção progressiva de um contingente de cargos públicos federais do Regime Jurídico Único sem precedentes no serviço público federal. A centralidade da flexibilização dos direitos dos trabalhadores do serviço público confirma-se com a publicação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a divulgação de seleção pública para a Ebserh, ou seja, a questão central para a não realização de concursos públicos para o Regime Jurídico Único não era orçamentária. Retoma-se a contratação pela CLT, para as “áreas não exclusivas do Estado”, dando continuidade às proposições de FHC e Bresser Pereira. A cessão dos trabalhadores lotados nos HU para a Empresa redundará em imediato prejuízo.
Como exemplo, citamos o contrato celebrado entre a Ebserh e a UnB, que prevê a cessão de trabalhadores lotados no HU que cita “os deveres, proibições e regime disciplinar” descritos na Lei do RJU, sem citar seus direitos, e o parágrafo segundo da Cláusula Quinta, que prevê que à Ebserh compete a gestão administrativa dos servidores cedidos no que se refere, entre outras atribuições, à “concessão de diárias, passagens e indenização de transporte; redistribuição interna de competências e alocação de pessoal; controle de frequência, de produtividade e de horas extraordinárias de trabalho; programação de escala de trabalho, de recessos, e de plantões; e autorização e programação de férias, licenças e afastamentos, quando for o caso”.
O debate é: qual a relação entre estas atribuições e os direitos dos trabalhadores, que incluem os previstos para o seu PCCS, sem citar a cisão que haverá entre negociação do conjunto dos trabalhadores técnico-administrativos das Universidades e os cedidos à Ebserh.