Na tarde de quarta-feira, 2 de outubro, a professora da Faculdade de Educação da UFF, Gelta Xavier, militante histórica da Aduff-SSind e ex-presidente da entidade, foi ouvida em Comissão de sindicância na Faculdade de Veterinária, em uma etapa de investigação de denúncia por suposta “entrada em sala de aula sem autorização prévia de um docente”.
A atividade de “passagem nas salas”, com panfletagens e conversa com a comunidade universitária, integrava as ações da greve nacional da Educação, construída pelos três segmentos na UFF. A greve docente na universidade foi deflagrada no dia 29 de abril, em assembleia geral descentralizada e simultânea da categoria e encerrada, sob o mesmo rito, no dia 1 de julho de 2024.
Gelta relata que um grupo formado por docentes e técnico(a)s já havia passado em outras salas da Faculdade de Veterinária quando chegou à deste professor. Bateu na porta e pediu licença para entrar. Quando o professor percebeu que o tema era a greve da Educação, pediu, de forma até bastante grosseira, para que se retirassem, o que inclusive a surpreendeu. “Retirei-me”, diz a docente. Esse esclarecimento e outros foram fornecidos à comissão de sindicância, na reunião realizada nesta quarta-feira, 2 de outubro, na Faculdade de Veterinária.
Constituída por três servidores, dois docentes e um técnico, a comissão foi formada após consulta da direção da unidade à Reitoria da UFF sobre como tratar a denúncia recebida. Na audiência com a Comissão, a docente esteve acompanhada pela assessoria jurídica da Aduff.
A advogada Gabriela Fenske, do escritório Boechat e Wagner Advogados Associados, que presta assessoria jurídica para a Aduff, esclarece que há, sim, uma denúncia contra Gelta. Entretanto, no momento, a docente não responde a processo administrativo (sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar).
“A Universidade está realizando os procedimentos preliminares, chamada de sindicância investigatória, para apurar se a denúncia tem materialidade. Ou seja, no momento não há processo instaurado contra a professora Gelta. O trabalho da Comissão é colher relatos e provas acerca do episódio que deu ensejo à denúncia para, a partir disso, elaborar o relatório final, no qual vai opinar ou pelo arquivamento, ou pela instauração de processo contraditório (sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar). Caberá à direção do Instituto, instância competente, decidir se acolhe o relatório da Comissão”, explica.
De acordo com a advogada, a reunião com a comissão foi tranquila, sem qualquer intercorrência. "A professora Gelta relatou à Comissão o que ocorreu no dia e seu depoimento foi tomado a termo", ressaltou. A diretoria e a assessoria jurídica da Aduff seguem acompanhando de perto a questão.
Para Susana Maia, secretária geral da Aduff, “independente da instauração ou não de um processo administrativo, a própria denúncia de uma ação legítima de greve e o encaminhamento dado pela direção da Faculdade e Reitoria revelam uma postura de criminalização das lutas e do movimento sindical que devemos denunciar no interior das universidades”.
Em nota, a gestão eleita da Aduff-SSind denuncia o ato impetrado contra Gelta Xavier e manifesta solidariedade irrestrita e indignação diante de uma situação “que criminaliza a luta, a greve – direito legítimo das(os) trabalhadoras(es) –, o sindicato e a própria docente”.
Para Gelta, é evidente que a criminalização da greve é a principal motivação. “Quem não faz greve, faz sindicância. Vamos seguir lutando! É o que nos cabe!”, afirma.
“Onda de solidariedade”
Do lado de fora da reunião da Comissão de sindicância, diretoras da Aduff e do Sintuff e professoras e professores que integram o movimento docente da universidade prestavam apoio à professora Gelta.
Além de notas e moções de apoio advindos de Colegiados de Cursos e de Departamentos da UFF, nas redes sociais se multiplicam manifestações de solidariedade à docente, aguerrida militante em defesa da universidade, da educação pública e das lutas da classe trabalhadora.
O Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento da Faculdade de Educação da UFF, da qual Gelta faz parte, também se manifestou em apoio à docente, em nota aprovada por aclamação em reunião departamental.
“Defendemos que a universidade é um espaço público de circulação de informações e debates e que tal acusação (longe de corresponder à realidade dos fatos) visa intimidar o movimento sindical na luta por melhores condições de trabalho nas universidades, sendo, portanto, um ataque inaceitável à democracia. Todo apoio à professora Gelta!”, diz trecho do documento.
A história de nossas lutas
Ministrada pela professora Gelta Xavier, “A história de nossas lutas” foi o tema da Aula Magna do curso de Pedagogia da UFF nesta quinta-feira (03). A conferência realizada em dois turnos (às 9h e às 19h), no auditório do Bloco E do campus do Gragoatá, em Niterói, reuniu estudantes, docentes e técnicos-administrativos da Faculdade de Educação e de outras unidades da UFF.
A participação expressiva da comunidade universitária na aula dada por Gelta foi mais uma manifestação de solidariedade recebida pela docente. Vice-coordenador do curso de Pedagogia da UFF, Robson Calça explica que a aula magna já estava prevista muito antes de saberem da sindicância, mas que diante do ocorrido, ganhou outro significado.
“Começamos no semestre passado com essa prática que pretendemos instituir como tradição, de homenagear as e os professores mais antigos por toda a sua contribuição ao curso de Pedagogia e à Faculdade de Educação. É claro que uma atividade como essa vinda logo depois da notícia que todos nós tivemos, de abertura dessa sindicância e da indignação geral que essa notícia causou, fez com que a atividade ganhasse um a mais significado, de reconhecimento das contribuições históricas dessa professora e de solidariedade. De nos colocarmos juntos, de não permitirmos que se individualize a questão, de não aceitarmos calados um caso de perseguição política de uma professora que exerceu seu direito de defender direitos”, afirma Robson.
Na aula, Gelta traçou uma trajetória de sua formação e da história do curso de Pedagogia e da Faculdade de Educação, recuperando a história do movimento docente e das lutas que a categoria vem travando ao longo das últimas décadas. Após a exposição da professora, o espaço foi aberto para a participação dos presentes. No evento, também foram mencionadas todas as moções de apoio recebidas pela docente.
Presente na atividade, a presidente da Aduff-SSind, Maria Cecília de Castro destacou a sua formação como pedagoga e a trajetória como professora de crianças pequenas para ressaltar a importância da formação profissional e política para além da sala de aula.
“A gente não se forma apenas na sala de aula, a gente se forma na luta, ao lado de outras pessoas, ao lado das nossas referências. Foi assim que me formei. Quando cheguei na UFF, em 2014, uma das pessoas que eu tive como referência de luta é a professora Gelta. Gelta inspira todas e todos ao ser uma lutadora incansável e ao afirmar que a gente só vai ter a escola que a gente quer, a universidade que a gente quer e a educação que a gente lutando, pleiteando nas ruas aquilo que deveria ser direito de todas, todes e todos e infelizmente ainda não é”, disse.
Cecília também reiterou o apoio irrestrito da Aduff-SSind.
“Como presidente desse sindicato, gostaria de reafirmar, mais uma vez, que você não está sozinha e estamos totalmente à disposição. Nós sabemos o quanto as políticas neoliberais têm atacado a educação e o quanto, infelizmente, alguns colegas nossos compram essa ideia de que a educação precisa de ‘jeitinho’ da iniciativa privada. Seguiremos na luta por orçamento público para a educação pública e continuaremos em luta pelos nossos direitos, inclusive o da greve. Não vamos recuar e tenho certeza que você, Gelta, também não vai”, finalizou.
CUV rejeitou moção de solidariedade
Em reunião do Conselho Universitário (CUV) do dia 2 de outubro, no mesmo dia em que Gelta falaria à Comissão de sindicância, moção de solidariedade à docente foi proposta pela conselheira e técnica-administrativa, Alessandra Primo, mas rejeitada por 39 votos a 28 a favor na principal instância deliberativa da universidade.
O conselheiro docente Vitor Leonardo Araujo, da Faculdade de Economia, defendeu a moção, refutando o entendimento de que não cabia ao CUV se manifestar sobre o caso antes do término dos trabalhos da comissão. “Tantas e tantas vezes são feitas falas neste Conselho em nome da democracia, em defesa da democracia. Acontece que uma sindicância por perseguição política fragiliza nossa democracia. Se nós estamos comprometidos com a democracia, nós podemos sim nos pronunciar a respeito”, disse.
Conselheiro docente pela Faculdade de Direito da UFF, o professor Wilson Madeira Filho ressaltou no CUV a importância de “combater o lawfare, que é a utilização da lei e dos procedimentos para perseguição política. A universidade deve ser exemplar e não se valer nunca de mecanismos políticos persecutórios. Entendo dessa maneira a moção que está sendo apresentada”, disse.
Integrante da diretoria da Aduff, a professora Susana Maia concorda com ambos os conselheiros e pontua que não se justifica a rejeição da moção de solidariedade no Conselho Universitário.
“O CUV é um espaço que deve se legitimar pela defesa da democracia interna na Universidade, em todas as suas expressões. O ataque às atividades de greve e à militância de docentes, de técnicos(as) e estudantes, como temos assistido nos tempos atuais, é um ataque brutal à democracia da Universidade e à luta pela defesa da universidade pública que historicamente lutamos para construir”, reforça.
Da Redação da Aduff | por Lara Abib