Funcionária pública há 15 anos, Sophia Domingos Pereira foi repentinamente afastada da direção da Escola Muncipal Maria Theresa N. Garcia, em Angra dos Reis, cargo que assumiu no início de 2023, após ser pessoalmente convidada a exercê-lo, pelo secretário de Educação do município, Paulo Fortunato. O caso aconteceu em agosto do ano passado, após Sophia ser vítima de perseguição ao ter sua transexualidade exposta.
De acordo com a professora, a exoneração do cargo de diretora da escola foi “justificada” pelo secretário de Educação do município como uma forma de “preservar a imagem” do prefeito bolsonarista de Angra dos Reis, Fernando Jordão (MDB).
Em reunião com Sophia, Fortunato também afirmou que “ela deu mole” ao ter fotos pessoais vestindo roupas femininas vazadas nas redes sociais. Até então, a professora não havia assumido sua transexualidade em público.
Ironicamente, as fotos privadas da diretora foram retiradas de seu computador pessoal, apenas levado à escola após inúmeros comunicados à secretaria de que o da escola não estava funcionando e precisava de manutenção.
Impossibilitada de cumprir seu trabalho e comprometida com sua função, Sophia disponibilizou seu próprio equipamento à escola. Mais tarde, um funcionário faria mau uso do acesso ao computador, invadindo uma pasta pessoal e copiando as fotos da pedagoga.
“Ainda é delicado falar de algo que me machuca muito. Foi nesse período de sexta passada para cá que a história ganhou projeção. A todo momento ficar narrando a história é motivo de muita dor, de muito sofrimento, porque é um crime que machuca a essência do ser humano, ser julgada pela sua identidade, pelo que se é. É uma situação que não desejo para ninguém, ao mesmo tempo que dar projeção ao caso serve de lição e inibe outras práticas transfóbicas. É a crença de que a punição desencoraja novos crimes de transfobia que faz com que eu não me cale”, destaca Sophia, que fez um boletim de ocorrência por conta dos vazamentos das fotos e que irá formalizar ação contra a prefeitura para recorrer judicialmente da exoneração do cargo de direção, pedindo reparação pela transfobia e pelos danos causados a ela.
A Prefeitura de Angra dos Reis também é alvo de uma ação no Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) por um caso de transfobia, movida pela deputada estudual Dani Balbi (PCdoB).
Para Sophia, se a situação já seria absurda numa escola particular, vivê-la numa escola pública, municipal, é ainda mais ultrajante. “Qual é a concepção de educação de um município que afirma que uma pessoa trans não pode ocupar um cargo de direção na escola porque pega mal para o prefeito? A visão que tiveram de mim é a visão que devem ter de estudantes trans. Não nos querem nos bancos escolares, nos querem marginalizadas”, protesta.
A funcionária publica reforça que o convite para ser diretora da escola veio pessoalmente do secretário de Educação do município, que gostava bastante do seu trabalho quando, antes da sua transição, ocupava a direção geral na Escola Municipal de EJA Alberto da Veiga Guignard.
Diretoria da Aduff reforça repudio à transfobia e presta solidariedade à Sophia
“Ao tomar conhecimento do caso de transfobia ocorrido em Angra dos Reis, a diretoria da Aduff-SSind imediatamente entrou em contato com Sophia para prestar apoio e solidariedade à nossa ex-aluna, hoje professora da rede municipal de Angra”, destaca Rodrigo Torquato, professor da UFF de Angra dos Reis, que integra a diretoria da seção sindical do Andes-SN na Universidade.
O docente reforça que a entidade repudia e combate qualquer tipo de violação dos direitos adquiridos pela classe trabalhadora e ressalta que o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que transfobia é crime, consubstanciada no artigo 20 da Lei do Racismo 7.716/89.
“Nós, da diretoria da Aduff, esperamos que o caso seja investigado com rigor e se verificada e confirmada a veracidade dos fatos e da denúncia, que sejam atribuídas as devidas sanções a todos os envolvidos neste crime”, reitera.
Torquato ainda frisa que a UFF de Angra dos Reis foi criada a partir de um curso de extensão, ainda no início da década de 90, cuja proposta fundamental era a de lutar contra qualquer tipo de autoritarismo.
“Saíamos de uma ditadura no nosso país e foi iniciado em Angra dos Reis um curso de Pedagogia com a perspectiva de lutar por uma universidade publica, gratuita e popular, que pudesse formar estudantes que lutassem pelas liberdades e pelos direitos sociais. A professora Sophia é resultado desse projeto de educação pública da UFF em Angra dos Reis. Defendê-la é defender esse projeto”, finaliza.
Na manhã da próxima quinta-feira (29), coletivo trans de Angra dos Reis e movimentos sociais organizam ato em repúdio à transfobia e à exoneração de Sophia, com concentração em frente à Secretária de Educação do município.
Da Redação da Aduff | por Lara Abib