Nov
17
2023

Articulação entre pesquisadores, discentes e sindicato otimizou aplicação da lei de cotas em concurso docente na UFF

Próximo ao dia da Consciência Negra, Imprensa da Aduff recupera ação conjunta que resultou em alteração no edital do concurso docente de 2021. Das 81 vagas, 16 foram reservadas aos candidatos negros; experiência da Universidade Federal Fluminense inspira município de Niterói a garantir maior diversidade nos certames

Momento em que docentes da UFF participam de ato no Centro do Rio e empunham as bandeiras da Aduff-SSind. A preta traz o pássaro Sankofa – um dos Adinkras de países da África Ocidental – que tem a cabeça voltada para trás e as patas para a frente. Momento em que docentes da UFF participam de ato no Centro do Rio e empunham as bandeiras da Aduff-SSind. A preta traz o pássaro Sankofa – um dos Adinkras de países da África Ocidental – que tem a cabeça voltada para trás e as patas para a frente. / Luiz Fernando Nabuco

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas negras representam 56% da população no país – sustentado por anos de escravidão e por políticas que negaram direitos aos afrodescendentes. Embora ainda seja longo o percurso para que haja de fato oportunidades iguais para todos no Brasil, as políticas de ações afirmativas demandadas pelo povo negro buscam reparar, na medida do possível, séculos de dominação e de exclusão racial dos mais variados espaços sociais e de poder. 

No mês em que se celebra a Consciência Negra – dia 20, data da morte de Zumbi, líder do Quilombo de Palmares e sinônimo de resistência – é preciso lembrar a articulação entre a Associação de Docentes da Universidade Federal Fluminense, professores e estudantes da instituição pela plena aplicação da Lei 12.990/2014 na UFF. 

A referida legislação garante reserva de 20% das vagas para candidatos negros em concursos públicos no âmbito da administração pública federal, quando o número em ofertas for igual ou superior a três vagas. No entanto, até o ano de 2021, a UFF subutilizou a aplicação da lei ao ofertá-la por área de conhecimento, mesmo quando a universidade lançava editais que somavam mais de 50 vagas para toda a instituição, como aponta artigo dos pesquisadores Ana Claudia Cruz da Silva (Antropologia); Douglas Guimarães Leite (Direito); Flávia Rios (Sociologia) e Juliana Vinuto (Antropologia). Os dois primeiros docentes foram dirigentes da Aduff-SSind, na gestão 2018-2020. [Tenha acesso ao artigo completo aqui]

De acordo com os docentes acima, entre 2014 e 2019, a UFF ofertou 352 vagas para servidores, sendo 345 para ampla concorrência e somente sete reservadas nos editais. A situação, no entanto, mudou a partir do diálogo com a administração central da universidade, encaminhado em 2019 pela diretoria da Aduff, estudantes e pesquisadores. Após ouvir as críticas, o reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega constituiu um Grupo de Trabalho para debater a aplicação da lei 12.990 de forma mais efetiva. Assim, o edital de dezembro de 2020 estabeleceu alterações ao que havia sido praticado até então. 

Segundo Douglas Leite, em 2021, a UFF adotou nos concursos docentes o procedimento de aglutinação das vagas em um único edital, definindo critérios de alocação com preferência para candidatos que concorriam na modalidade de reserva de vagas. Das 81 vagas, 16 eram destinadas aos candidatos pretos e pardos no certame. "Nos departamentos a que tocassem as vagas reservadas, o candidato preto ou pardo teria preferência de classificação caso obtivesse a nota mínima para aprovação", conta o professor da Faculdade de Direito. 

Para Flávia Rios, é importante que a comunidade tenha conhecimento sobre essa ação conjunta entre docentes, discentes e sindicato no que se refere à Lei 12.990. "É um avanço grande porque permitiu a presença de pessoas pretas e pardas no interior da Universidade Federal Fluminense - não só no concurso que se realizou em 2021, como também nos próximos concursos, que justamente vão garantir maior diversificação e diversidade na Universidade; ou seja, quebrando com uma lógica de reprodução de certos perfis sociais e de exclusão de pessoas negras nos lugares e na posição de docência. Isso para nós é uma grande conquista", defendeu a docente. 

Comissão de heteroidentificação

A partir de 2021 foi instituída na UFF a primeira comissão de heteroidentificação em um concurso docente. E, como explica Douglas Leite, esse grupo de professores que trabalhou na discussão que levou à alteração na aplicação da lei de cotas no edital desse concurso tem acompanhado as mudanças promovidas desde então na universidade, inclusive apoiando os procedimentos de sindicância abertos pela administração central em resposta às denúncias de mau uso das cotas raciais. 

"Com a consolidação do processo de heteroidentificação nos concursos para docentes, servidores administrativos e discentes, esse quadro está atualmente sob controle. É nas pós-graduações, que, por normativa institucional, recentemente passaram a contar com reserva de vagas para pretos/pardos, indígenas e pessoas com deficiência, que se encontra o desafio de montagem das comissões de heteroidentificação de acordo com as demandas de entrada de cada curso", afirma o professor. 

Segundo Douglas Leite, a UFF tem atualmente trabalhado a revisão dos regulamentos internos aplicáveis às políticas de ações afirmativas, no âmbito da Assessoria de Ações Afirmativas Diversidade e Equidade (Afide), com o apoio de uma nova Coordenadoria de Equidade e Inclusão, criada na  Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes).

Da UFF para Niterói

A pesquisa, o debate e a experiência de melhor aplicação da lei de cotas na UFF também têm contribuído com ações no município de Niterói. Os docentes Douglas Leite e Flávia Rios coordenam o projeto GIRA (Gestão Municipal de Igualdade Racial). Financiado pela administração da cidade, ele desenvolve metodologia de monitoramento, diagnóstico e fomento da Gestão Pública de Políticas Raciais em Niterói, no que se refere à implementação de duas políticas centrais desta pauta: aplicação da Lei 10.639/2003 na Rede de Ensino Municipal e da Lei 3.110/2014 (reserva de vagas) no mercado de trabalho do serviço público municipal.

Neste ano, foi criado o Comitê de Monitoramento das Políticas de Cotas Raciais, a partir de uma iniciativa do GIRA. "O primeiro concurso sob a vigência da lei de cotas raciais no serviço público de Niterói, realizado em 2021 na FeSaúde, foi acompanhado pelo GIRA, que participou de inúmeras etapas de sua organização administrativa e que recolheu dados para análise de seu modelo e de seus resultados. O Comitê é um resultado direto da necessidade de monitorar a aplicação da reserva de vagas, de avaliar seus resultados e de consolidar a política no município", explica Douglas.

Revisão da Lei de Cotas para estudantes

Instituída em 2012, a Lei 12.711 garante a reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos federais para alunos de escolas públicas de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Último dia 13, o direito foi estendido aos quilombolas, conforme sansão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que faz a primeira revisão da legislação. Também foi alterada a renda per capita, que passou de um salário mínimo e meio para até um salário mínimo. 

A professora Flávia Rios saúda a revisão da lei. "É muito importante que o Brasil faça a renovação da Lei de Cotas para o ingresso de estudantes pretos, pardos, indígenas e com o acréscimo dos quilombolas - inovação muito importante da reserva de vagas. A revisão fez com que tivesse um recorte de renda ainda mais ajustado, visando o público que tem menos condições econômicas e que deseja ingressar no sistema universitário", considerou.

Da Redação da Aduff
Foto Luiz Fernando Nabuco/Aduff 

Momento em que docentes da UFF participam de ato no Centro do Rio e empunham as bandeiras da Aduff-SSind. A preta traz o pássaro Sankofa – um dos Adinkras de países da África Ocidental – que tem a cabeça voltada para trás e as patas para a frente. Momento em que docentes da UFF participam de ato no Centro do Rio e empunham as bandeiras da Aduff-SSind. A preta traz o pássaro Sankofa – um dos Adinkras de países da África Ocidental – que tem a cabeça voltada para trás e as patas para a frente. / Luiz Fernando Nabuco

Additional Info

  • compartilhar: