ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - ADUFF - SEÇÃO SINDICAL DO ANDES - SINDICATO NACIONAL
Assunto: Parecer sobre proposta de Código de Conduta Ética da Universidade Federal Fluminense.
A Diretoria da ADUFF solicita parecer jurídico quanto à proposta de Código de Conduta Ética no âmbito da Universidade Federal Fluminense, apresentada pela Administração Central da UFF e a ser submetida à apreciação do Conselho Universitário.
Motivou a solicitação de parecer sobre essa matéria a realização de Audiência Pública, em 16 de outubro, na qual a Administração Central apresentou o texto sugerido para análise da comunidade universitária. Vale notar, desde já, que a forma de realização desta Audiência Pública e da condução dos debates por parte da Gestão já tem sido objeto de críticas por parte das categorias docente e de técnico-administrativos, seja no que diz respeito à existência de poucos espaços de efetivo diálogo, bem como pelas próprias restrições e dificuldades de acesso à referida audiência em ambiente online.
Importante também registrar que a categoria docente e seu sindicato têm buscado tratar do assunto e ampliar o debate, em paralelo às ações da Administração Central, seja via GT Carreira, seja por meio de reuniões ampliadas dos três segmentos da Universidade.
Antes mesmo de adentrar no mérito do texto apresentado, é essencial destacar a importância de um amplo e verdadeiro debate com toda a comunidade universitária, alcançando os três segmentos, de forma dialógica, permitindo-se, em tempo hábil e por meios e mecanismos eficientes, o levantamento de dúvidas, o esclarecimento de pontos controversos e, principalmente, a apresentação e acolhida de sugestões.
O estabelecimento de um Código de Conduta Ética para a Universidade Federal Fluminense é salutar e importante. Contudo, sua normatização não pode ocorrer de forma impositiva, como simples “homologação” ou “aval” de um texto formulado unilateralmente, sem um amplo debate e sem possibilidade de apresentar questionamentos e sugestões.
Ainda que o Conselho Universitário seja o locus competente para apreciar a proposta de resolução relativa ao tema, isso não impede nem minimiza a relevância de uma discussão profunda e ampla com toda a comunidade universitária, docentes, servidores técnico-administrativos e alunos.
É justamente a centralidade de um tema tão relevante – a Conduta Ética dos agentes públicos na UFF – que não apenas recomenda, mas exige, um trabalho atento, exaustivo e amplo, sem atropelos e imposições.
Feito esse breve preâmbulo, passamos à análise preliminar do texto apresentado até o momento.
1. Proposta de Código de Conduta Ética na UFF: pontos de atenção e sugestões de alteração
A partir da Audiência Pública realizada em 16 de outubro, esta Assessoria Jurídica, por meio da Diretoria da ADUFF, teve acesso à minuta de texto sugerido para constituir o Código de Conduta Ética da UFF, a ser normatizado, salvo melhor juízo, via Resolução do Conselho Universitário.
Em primeiro lugar, vale registrar que a instituição de um Código de Ética interno à UFF, embora não seja indispensável para seu funcionamento, é importante e oportuna. A edição de Resolução sobre o tema, posto genericamente, atende as regras legais e regulamentares sobre o assunto, não violando, a princípio e do ponto de vista formal, a legalidade.
A Universidade integra o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo, relevante mecanismo de governança, e já conta com sua Comissão de Ética instituída e em funcionamento. Falta, contudo, um regramento interno próprio que possa dar conta das especificidades das atividades e serviços realizados nesta universidade.
Nesse sentido, inclusive, o preâmbulo do texto proposto apresenta, corretamente, o vasto conjunto de normas legais e regulamentares que afetam a Conduta Ética no âmbito do Poder Público e da Administração Federal. Perpassa não apenas os regramentos específicos do Sistema de Gestão da Ética, como regras pontuais, tais como relativas a nepotismo, conflito de interesses e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
A iniciativa, portanto, é salutar. Necessário conferir, porém, se o texto sugerido atende, no mérito e em seu conteúdo, às exigências
legais e regulamentares, sem violar outras disposições legais e constitucionais e sem afrontar ou restringir direitos dos servidores e dos cidadãos.
A partir de agora, nesta análise apenas preliminar, iremos pontuar alguns aspectos inicialmente identificados como duvidosos, passíveis de questionamento ou controvérsia, ambíguos, defasados ou impertinentes, e que possam ser suprimidos ou ter sua redação modificada. Vale dizer que essa primeira análise não descarta a possibilidade de, ao longo dos indispensáveis debates sobre o texto, identificarem-se outras disposições que podem ser alteradas.
Ainda assim, esta Assessoria Jurídica apresenta algumas sugestões e observações em relação ao texto proposto, para que sejam avaliadas por esta Seção Sindical e pela categoria, diligenciando junto à Administração Central, à Comissão de Ética e ao Conselho Universitário para realizarem as alterações pertinentes.
Vejamos:
1) Desde o artigo 1º, o texto emprega a nomenclatura “funcionário público” para se referir aos sujeitos de direitos e obrigações do Código de Conduta Ética. O termo é preferível à expressão “servidor público”, exatamente por ser mais abrangente e por poder incluir outros agentes que não aqueles ocupantes de cargos públicos.
Contudo, também é possível a adoção da nomenclatura “agente público”, por ser ainda mais abrangente, por corresponder ao uso da doutrina administrativa mais contemporânea e por também estar presente no Decreto 6.029 de 2007, que institui o Sistema de Gestão de Ética do Poder Executivo Federal.
2) O parágrafo 2º do artigo 5º apresenta dispositivo temerário ou mesmo ilegal por conta de sua generalidade e ambiguidade quando menciona que "fatos e atos verificados na conduta cotidiana da vida privada" terão uma relação de influência no "conceito de sua vida funcional". Sugere-se, portanto, a supressão do parágrafo.
A disposição é perniciosa pois acaba permitindo, de maneira genérica, sem especificação, limite ou restrição, que a vida privada do agente público, independentemente de sua esfera ou dimensão, seja considerada como um parâmetro ou critério para avaliar sua conduta ética no exercício da função pública.
A conexão entre os dois parágrafos (1º e 2º) é deletéria ao sugerir o exato oposto do que significa o profissionalismo no exercício da função, o que seja, que a vida cotidiana e privada da pessoa é medida de “ser profissional”.
Ora, o exercício profissional da atividade decorre, por imperativo lógico, precisamente de existir uma separação entre as ações da pessoa que se referem a sua profissão e aquelas que se referem a sua vida privada. Ao criar ambiguidades nessas diferenças, o texto sugerido revela grave risco de, justamente, a análise da conduta ética não ser direcionada à atividade profissional, ao trabalho, mas abranger também a vida privada e pessoal do agente público.
Isso, no limite, dá ensejo a que preconceitos de diversos tipos sejam utilizados para perseguir e censurar servidores em função de quem eles são, como se identificam ou o que fazem fora do trabalho. Dito claramente: abre-se um espaço inadmissível para que ocorram perseguições de cunho político, ideológico, racial, religioso ou relativas à sexualidade e identidade de gênero.
Esta Assessoria Jurídica entende que tal disposição pode encontrar óbices de legalidade e constitucionalidade, inclusive na via judicial. Razão pela qual se sugere a supressão do dispositivo.
3) O inciso VI do art. 6º busca assegurar a preservação da informação sigilosa ou com restrição de acesso, porém não trata sobre as informações pessoais, protegidas nos termos da Lei Geral de Proteção de dados. Assim, sugere-se a seguinte redação:
VI - apresentar, de forma completa e tempestiva, aos órgãos de controle e à população, qualquer informação ou prestação de contas, assegurando a preservação da informação sigilosa, pessoal ou com restrição de acesso, nos termos da legislação em vigor;
4) O inciso XI do art. 6º estabelece como conduta a ser observada resistir às pressões de “superiores hierárquicos, de contratantes, de dirigentes de entidades de classe, de representantes de grupos de interesse”, dentre outros que visem à obtenção de favores ou vantagens. Embora a relação nominal de pessoas ou categorias não seja, em si, negativa, é de se reconhecer a impossibilidade de uma relação exaustiva e integral de todos os potenciais atores ou agentes que buscam benefícios indevidos.
Nesse contexto, entendemos que não há prejuízos em modificar a redação do dispositivo, de modo a centrar atenção na ação que se deve evitar e não nos atores e agentes, que, como dito, podem ser diversos e não arrolados. Para fins de aperfeiçoamento da redação, sugere-se o seguinte:
XI – resistir às pressões de qualquer pessoa ou organização que vise obter favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las aos setores competentes;
5) O inciso XII do art. 6º apresenta referência expressa impertinente ao “exercício do direito de greve”. Não há perda de sentido ou eficácia da regra caso suprimida a referida expressão, inclusive por estar contido no dispositivo a referência aos serviços essenciais.
Ao contrário, manter o “direito de greve” no mencionado inciso representa um risco relevante de transmutar o controle da Conduta Ética do agente público em um mecanismo de perseguição de servidores grevistas e de violação ao direito de greve. Sugere-se alteração pontual, sem perda de sentido e eficácia do dever instituído, com a seguinte redação:
XI – zelar pelas exigências específicas da defesa da vida, da segurança coletiva e serviços essenciais;
6) O parágrafo 2ª do art. 6º informa que são considerados serviços essenciais também aqueles regulados pelo art. 3º-J, §1º, da Lei 13.979/2020. Ocorre que, salvo melhor juízo, a referida legislação encontra-se, quanto a este dispositivo, com sua eficácia exaurida.
Isso porque a Lei 13.979/2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia da Covid-19. Consequentemente, os “profissionais considerados essenciais ao controle de doenças e à manutenção da ordem pública” durante a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus somente o serão, por evidente, enquanto durar a r. emergência de saúde pública. Como tal situação emergencial já se encerrou, a eficácia da disposição legal em questão encontra-se exaurida.
Persistem, contudo, como serviços essenciais aqueles indicados na Lei 7.783/1989. Nesse aspecto, cumpre ponderar que a referida legislação foi editada com referência ao setor privado, cabendo a observância do entendimento do Supremo Tribunal Federal para sua aplicação no setor público. Por esta razão, sugere-se a supressão da referência legislativa e a adoção da seguinte redação:
§ 2º - Para efeitos deste Código de Conduta Ética, considera-se serviços essenciais aqueles regulados pelo Art. 10 da Lei Nº 7.783/1989 no que couber, segundo decisão do STF, tendo em vista que essa Lei foi instituída para os sindicatos com representação no setor privado.
7) Embora, para o momento, não tenhamos sugestão de alteração de texto, o inciso XX do art. 7º é um ponto de atenção. Ele estabelece como conduta inadequada do funcionário público “utilizar logomarca ou qualquer imagem oficial do órgão ou entidade em que exerça suas atribuições ao emitir comentários em redes sociais, ainda que em conta particular, atingindo negativamente a imagem do respectivo órgão ou entidade perante a sociedade”.
No mesmo sentido, dispõe o inciso V do art. 8º como uma das condutas esperadas “não prejudicar deliberadamente, no ambiente de trabalho ou fora dele, por qualquer meio, a honra e a imagem da instituição ou a reputação de seus funcionários públicos”.
Dois são os aspectos que merecem atenção: o uso de logomarca ou imagem oficial e o que pode ser considerado como atingir negativamente a imagem do órgão ou entidade ou prejudicar a honra, imagem ou reputação da instituição ou de seus funcionários.
É de reconhecer, com razão, o descabimento, por meio próprio e em conta particular, que o agente público produza conteúdo utilizando a logomarca ou imagem oficial da entidade. Dito de outro modo: é inadequado o uso das imagens institucionais em postagem própria em redes sociais privadas do funcionário, sem relação com trabalho ou com a vida universitária.
Situação diversa, porém, é quando o agente público postar “comentário” em rede social institucional, na qual, justamente pelo fato de ser institucional, sejam utilizadas logomarca ou imagens da entidade pública. Aqui, o fato relevante é que, embora o agente tenha domínio sobre o conteúdo de seu comentário, ele não tem gerência sobre a página institucional/conta institucional em rede social na qual o comentário é feito. Assim, a mera existência de logomarca não pode ser considerada como elemento essencial da “inadequação” da conduta.
Feito esse esclarecimento, o segundo aspecto é o que se mostra mais delicado, qual seja, definir o que vem a ser “atingir negativamente a imagem”. Por certo, não é correto inferir que toda e qualquer crítica possa ser considerada como inadequada. Há fatos que podem atingir negativamente a imagem da universidade de maneira justa.
Por exemplo: digamos que seja levado a cabo uma investigação relativa a crimes contra a Administração Pública decorrentes de atos de gestão, que essa investigação esteja lastreada em provas robustas e cabais e que tais fatos encontram repercussão nos meios de comunicação. Evidente que comentários vários relacionados a um episódio como esse poderão “atingir negativamente” a imagem da universidade, mas isso seria decorrência das práticas criminosas ocorridas, relevadas pela investigação. Não haveria, portanto, em situações limites como essa, um efeito autônomo e independente de meros comentários em redes sociais.
Além do que é contraditória aos diversos preceitos legais, alguns citados e reproduzidos nesta minuta de Código de Ética, no sentido de que é dever de todos os servidores denunciar atos ilegais praticados no âmbito da administração pública e em especial na UFF.
Claro, contudo, que essa é uma situação limite, absolutamente diferente de comentários abusivos, xingamentos, palavras de baixo calão e atitudes semelhantes, que podem estar presentes em comentários em redes sociais, e que extrapolam todo limite da crítica justa ou da discussão saudável, plural e democrática que é constitutiva do ambiente universitário.
Ou seja, embora esta Assessoria Jurídica não tenha, para o momento, nenhuma sugestão de redação para o dispositivo referido, fica registrado se tratar de um ponto de atenção, cujos limites objetivos e aplicação no caso concreto podem ensejar eventuais ilegalidades.
8) A minuta apresentada contém um erro de numeração, com dois artigos 7ºs, repercutindo em toda numeração subsequente.
9) Para adequação da nomenclatura empregada no Código e considerar a abrangência almejada, sugere-se substituir a expressão “servidores públicos” contida no art. 9º por “funcionários públicos” ou “agentes públicos”, assim:
Art 9º. Os funcionários (ou agentes) públicos que exerçam funções de confiança e os cargos em comissão, função comissionada ou emprego de livre contratação que coordene, supervisione ou que seja chefia imediata de outros funcionários públicos deve:
10) Embora relevante, a seção VII do Código, que trata sobre o comportamento no ambiente virtual e remoto, apresenta algumas disposições pouco específicas ou contendo ambiguidades ou, ainda, fugindo da dimensão de trabalho e atividades relacionadas à universidade, que merecem maior atenção e, assim, aperfeiçoamento de redação. A primeira delas é o art. 22, que não especifica o fato essencial do Código de Conduta da UFF ter relação com as ações em ambiente virtual relacionadas ao meio e convívio universitário.
Ou seja, a generalidade do dispositivo, caso não alterado, poderá ensejar risco de indevida invasão na esfera individual e privada do uso que o cidadão faz dos meios e ferramentas de informação e comunicação. A falta de especificação, a exemplo in contrario do conteúdo excedente do §2º do art. 5º, pode dar vazão a que a vida pessoal do agente público seja abusivamente monitorada como forma de controle, de perseguição e censura por razões alheias e não relacionadas ao trabalho ou à vida universitária.
Sugere-se, nesse sentido, pequeno acréscimo na redação do art. 22, caput e parágrafo único:
Art. 22. Sempre que o funcionário público se identificar ou puder ser identificado como vinculado sob qualquer modalidade de direito a Universidade Federal Fluminense, os dispositivos deste Código aplicam-se ao ambiente virtual e remoto relacionados ao exercício do trabalho.
Parágrafo único. Considera-se ambiente virtual, os canais de comunicação mediados por tecnologia, que reúnem pessoas em torno de assuntos, objetivos, interesses e afinidades comuns relacionados ao exercício do trabalho. Nesse conceito incluem-se redes sociais, sites de relacionamento, de publicação de fotos e vídeos, fóruns, listas de discussão, blogs e microblogs, bem como outros canais considerados similares ou que venham a surgir no contexto das mídias digitais e estejam relacionados ao exercício do trabalho ou à comunidade universitária.
11) O inciso I do art. 23 estabelece como conduta esperada do funcionário público no exercício do trabalho em ambiente remoto estar disponível nos horários ajustados. Entende-se oportuno o acréscimo de breve especificação, em respeito e atenção à jornada de trabalho legalmente estabelecida. Sugere-se:
I - estar disponível nos horários ajustados, sempre compatíveis a sua jornada de trabalho legalmente estabelecida, e comprometido com as metas e entregas pactuadas;
12) Quanto às disposições que tratam de assédio moral, sugerem-se duas alterações de texto. A primeira, no caput do art. 34, suprimindo-se a expressão “de forma repetitiva e prolongada”. Isso porque, a depender do caso e situação concreta específica, um único episódio humilhante, vexatório e constrangedor no trabalho pode ser classificado como assédio moral.
Embora tipicamente, para a maioria das situações, o usual é que a configuração de assédio moral seja reconhecida a partir de ações repetidas ou prolongada, esse não é um requisito indispensável para configuração do tipo jurídico. Ou seja, é perfeitamente possível que um único fato grave, não repetido e não prolongado, seja, também, um evento de assédio moral. Sugere-se, portanto, a seguinte redação:
Art. 34. O assédio moral caracteriza-se pela exposição abusiva de pessoas a situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras no ambiente de trabalho ou no exercício de suas atividades, atingindo a dignidade ou integridade física e psíquica do funcionário público.
13) Ainda quanto ao assédio moral, sugere-se a supressão do parágrafo único do art. 34, que visa excetuar uma série de atos de gestão do crivo e análise factual referente à ocorrência de situações de assédio. Tal dispositivo parece pretender “blindar” chefias à medida que retira do contexto de assédio situações que, a depender da realidade do caso concreto, podem, sim, configurar abusos.
Ora, não raro são justamente as práticas relacionadas no r. parágrafo que tornam cada vez mais tortuosa a relação laboral e, em algumas situações, levam ao adoecimento do servidor. É justamente o aumento despropositado e desproporcional do volume de trabalho, a atribuição e delegação excessiva e injustificada de tarefas (quando não de tarefas inúteis) e a criação de mecanismos abusivos (eletrônicos ou não) de controle irregular do funcionário público que configuram muitos dos elementos fáticos concretos pelos quais o assédio moral acontece na prática.
Retirar, em absoluto, a possibilidade de sequer se considerar tais quesitos como assédio é, no limite, permitir e institucionalizar formas de abuso moral do servidor. É dizer, ao abusador, qual caminho ele deve seguir para não ser punido.
Esta Assessoria Jurídica entende que tal disposição pode encontrar óbices de legalidade e constitucionalidade, inclusive na via judicial. Preferível, portanto, que a análise se dê nos eventuais casos concretos, razão pela qual se sugere a supressão do dispositivo.
14) Para fins de adequação com a nomenclatura presente na legislação e regulamentos vigentes sugere-se mudança de redação no §1º do art. 38, elucidando as partes legítimas para formular denúncia, reclamação ou comunicação de violação ética.
§ 1º Qualquer cidadão, agente público, pessoa jurídica de direito privado, associação ou entidade de classe ou usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela Universidade Federal Fluminense é parte legítima para formular denúncia, reclamação ou comunicação de fato, por meio da Ouvidoria da UFF, nos termos da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, e do Decreto nº 9.492, de 5 de setembro de 2018, por meio de portais on-line de atendimento ao usuário, como o portal Fala.BR ou por quaisquer outros canais estabelecidos pela Comissão de Ética da Universidade Federal Fluminense em seu regimento interno.
15) O parágrafo 5º do art. 38 informa que a penalidade de censura ética “gerará impedimentos posteriores para assumir funções gratificadas e promoções a cargos futuros”, conforme estaria previsto no Decreto 1.711/1994. Ocorre que referido Decreto, que instituiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, salvo melhor juízo, não contém previsão dessa natureza.
Ou seja, os “impedimentos” decorrentes da sanção de censura indicados na proposta não decorrem do que está expressamente previsto no Decreto 1.711/94 e alterações posteriores. Trata-se, ao que parece, de uma verdadeira inovação normativa desta proposta de resolução, de uma virtual penalidade autônoma e sem previsão legal.
Além disso, os próprios termos redigidos não são claros, apresentam ambiguidade, sobretudo ao se referir a “promoções a cargos futuros”. O que estaria compreendido nesse texto? O que são essas “promoções”? Isso alcançaria as progressões e promoções legais previstas para a carreira docente? O docente ficaria “impedido” de progredir independentemente de sua avaliação? E por quanto tempo?
Ora, sem encontrar previsão na lei, tais “impedimentos” não devem constar no texto da resolução que irá instituir o Código de Conduta Ética da UFF. Do contrário, abre-se a possibilidade de questionamento da legalidade e constitucionalidade da normativa junto ao Poder Judiciário.
Recomenda-se, portanto, que o trecho “a qual gerará impedimentos posteriores para assumir funções gratificadas e promoções a cargos futuros, conforme previsto pelo Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, instituído pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994” seja suprimido do §5º do art. 38 do Código.
16) O texto proposto não apresenta nenhuma sistemática de recurso das decisões da Comissão de Ética, como também não apresenta qualquer regra de natureza processual/procedimental que elucide como as comunicações e denúncias serão tratadas e como se darão, concretamente, as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo, nem como serão evitadas decisões potencialmente arbitrárias, errôneas, mal-informadas ou tendenciosas.
A ausência de regras procedimentais mínimas é absolutamente temerária, colocando em risco a segurança jurídica. E, quando a isso se combina a instituição de “impedimentos” que, aparentemente, não encontram base legal, colocam-se também em risco os direitos funcionais dos servidores em particular e o respeito à legalidade para os agentes públicos e cidadãos em geral.
17) Por fim, em que pese a Resolução proposta seja de competência do Conselho Universitário, o art. 43 prevê que os casos omissos serão decididos pela Comissão de Ética.
Relevante, quanto a isso, um aprofundamento do debate, inclusive de forma combinada ao esclarecimento das regras procedimentais e da possibilidade de recursos das decisões, para que, além do saneamento de omissões por parte da Comissão de Ética, seja amadurecida a possibilidade de acionamento do próprio órgão competente para editar o regulamento, o Conselho Universitário.
Vale Registrar que a minuta encontra grave problema de técnica redacional, tendo em vista que é extremamente repetitivo no uso de alguns
termos, como “respeito ao cidadão, integridade, profissionalismo, urbanidade, lisura, transparência, cooperação e lealdade à Instituição”, inclusive criando capítulos especiais para servidores em geral e outro para ocupantes de cargos comissionados ou chefias, como se tivessem deveres e obrigações diferentes, porém se tornando repetitivas quando os compromissos com a ética no serviço público.
O texto é repetitivo, o que o torna exaustivo em sua leitura e dificulta a sua compreensão para os leigos da área jurídica, é confuso nos pontos principais que fogem à obviedade do que é o comportamento ético, que é de conhecimento de todos, assim se pressupõe no ordenamento jurídico brasileiro e, por fim, ao invés de ser educativo, como se propõe, é assustadora e temerária a forma como ele pode vir a ser usado, como código de intimidação e perseguição política no âmbito da UFF.
Assim, o debate é fundamental e correções são necessárias.
2. Conclusões
Em suma, a partir do exame das questões acima e de uma análise inicial da proposta, é possível depreender que:
a) a instituição de Código de Conduta Ética interno à UFF é salutar, atende às disposições legais e regulamentares vigentes, inclusive já contando a Universidade com Comissão de Ética em funcionamento;
b) a minuta apresentada, contudo, merece uma discussão mais ampla e aprofundada, em caráter verdadeiramente dialógico, em que seja possível a apresentação e acolhida de sugestões, contando com a participação dos três segmentos em sua discussão e aperfeiçoamento, previamente à análise pelo Conselho Universitário; e
c) sugere-se atenção e aprofundamento dos 17 itens indicados neste parecer, entre propostas de alteração de texto e observações.
Por esse momento, é o que temos a anotar.
Carlos Alberto Boechat
Júlio Canello
OAB/RJ 64.900 OAB/RJ 167.453
Boechat e Wagner Advogados Associados