Set
19
2023

Andes-SN analisa a campanha salarial e a negociação com o governo

Texto da Diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes (Andes-SN) e do Setor das Instituições Federais de Ensino Superior subsidia assembleias da campanha salarial

A Campanha Salarial 2024 e o funcionamento da Mesa Nacional de Negociação Permanente

Com a vitória eleitoral de Lula em 2022 e a instalação de seu governo em 2023 (Lula-3), ampliaram-se as expectativas no seio dos movimentos sociais acerca da retomada de negociações de suas pautas de reivindicações que permaneceram sem quaisquer avanços durante o governo Bolsonaro. Com o movimento sindical no âmbito do funcionalismo público federal não foi diferente; a expectativa elevou-se consideravelmente, apesar das contradições já reconhecidas em um governo de frente ampla.

Assim, logo nos primeiros dias de governo, este setor apresentou suas reivindicações e, a partir da mobilização das entidades representativas dos(as) trabalhadores(as) do serviço público federal e das centrais sindicais, foi possível a abertura de negociação no início de 2023, o que desembocou na assinatura do Termo de Acordo no 01/2023 entre o governo federal e a bancada sindical representativa do setor (Fonasefe/Fonacate e Centrais Sindicais), no dia 24 de março de 2023. Este acordo garantiu o reajuste emergencial de 9% (nove por cento), que incidiu sobre a estrutura remuneratória permanente dos cargos efetivos de servidore(a)s federais civis e reajustou o valor do auxílio alimentação em R$ 200,00 (duzentos reais). O reajuste emergencial recompôs parte das perdas salariais referentes ao governo Bolsonaro, que se aproximava de 27%. No termo de acordo no 1/2023, consta que até o mês de maio de 2023, o governo federal encaminharia a proposta de funcionamento da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) e um calendário de negociação dos demais itens da pauta. Consta também o compromisso do governo de retirar da Câmara Federal a PEC no 32/2020, de iniciativa do governo Bolsonaro, que objetiva impor uma contrarreforma administrativa que, se aprovada, provocará um desmonte substancial nos serviços públicos e no aparelho do Estado, além de colocar fim na estabilidade dos servidores públicos e mercantilizar direitos essenciais à classe trabalhadora. Antes de assinar o termo de acordo, as entidades sindicais, inclusive o ANDES-SN, manifestaram ao governo que concordariam com o reajuste emergencial, mas não abririam mão de negociar as perdas salariais históricas, acumuladas ao longo dos anos. Por isso, a campanha salarial de 2024, articulada pelo Fonasefe, Fonacate e Centrais Sindicais, demonstra os percentuais de perdas salariais acumuladas entre julho de 2010 e junho de 2023, o que corresponde a 53,17% para um grupo de servidores e 39,92% para outro grupo. Como já indicamos na Circular no 279/2023 de 22 de agosto, o(a)s docentes da base do ANDES-SN tiveram perdas salariais cuja variação fica mais próxima ao percentual de 39,92%, o que nos coloca no segundo grupo de servidores(as). Essas perdas foram calculadas tendo como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como parâmetro inflacionário. Tal índice, além de ser o considerado pelo governo para projetar a inflação na Lei de Diretrizes Orçamentárias, é também o que considera uma cesta básica no valor de até 40 salários mínimos para aferir a variação de preços e, consequentemente, a inflação de um determinado período. O valor desta cesta básica é mais próximo da malha salarial do conjunto do funcionalismo público federal, dos três poderes da União. Isto justifica sua utilização.

A estrutura da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) apresentada pelo governo foi aprovada pela bancada sindical e seu protocolo de funcionamento foi estabelecido por meio da portaria SGPRT/MGI no 3.634, de 13 de julho de 2023. A organização e funcionamento da MNNP obedece à seguinte estrutura: a) uma mesa central - na qual serão debatidas as reivindicações gerais referentes ao funcionalismo público federal, de natureza econômica (recomposição salarial e equiparação dos benefícios assistenciais com os demais poderes da União) e não econômica (como a revogação das medidas legais-normativas prejudiciais) que tenham sido construídas de forma consensual pela bancada sindical; b) mesa específica e temporária - cuja competência será negociar as pautas específicas, apresentadas pela bancada sindical representativa das carreiras, que possuam impacto orçamentário; e c) mesa setorial - que tratará de reivindicações isentas de impacto orçamentário, que tenham sido apresentadas pelas bancadas sindicais de setores particulares (Saúde, Educação, etc).

Com base nessa estrutura e protocolo de funcionamento, no dia 11 de julho de 2023 foi apresentada uma pauta de reivindicação pela bancada sindical, contendo a proposta de recomposição salarial acima mencionada e a equiparação de benefícios, além do pedido de revogação de mais de 20 instrumentos normativos (grande parte deles dos governos Temer e Bolsonaro) que contêm normas que retiram direitos ou prejudicam a classe trabalhadora, a exemplo da EC no 103/2019 da contrarreforma da previdência social; o Decreto 10.620/2020, que transfere das fundações e autarquias públicas a competência de concessão de aposentadorias e pensões para o INSS, dentre outras. Até o dia 15 de setembro de 2023, ocorreram quatro reuniões desta mesa central de negociação. Porém, todas, sem quaisquer avanços substanciais. Na prática, nenhum item da pauta foi atendido, ainda que o governo tenha sinalizado acordo em torno de dois pontos: liberação de dirigentes sindicais para mandato classista, com ônus para o governo; e controle pelos sindicatos das consignações em folha referente às contribuições sindicais. As mesas específicas temporárias seguem a mesma lógica e ritmo; das 60 mesas solicitadas, apenas cinco foram instaladas até o dia 15 de setembro (ANM, FUNAI, MEC/TAE, MEC/Docente e Segurança Pública). Dentre essas, a mesa da Educação para debater carreira docente foi instalada no dia 04 de setembro, após cobrança e pressão do ANDES - Sindicato Nacional, conforme reconhecido pelo próprio governo, nessa primeira reunião. O Projeto de Carreira aprovado no 30º Congresso em Uberlândia no ano de 2011 foi a proposta apresentada pelo ANDES-SN na mesa de negociação. Todavia, até agora, houve apenas esta reunião em que se definiu a metodologia para os passos seguintes. Na oportunidade foi pautada pelo ANDES-SN e pelo Sinasefe a revogação da Instrução Normativa no 66/2022, que cria entraves ao processo de progressão e promoção funcional – item sobre o qual o governo assumiu o compromisso de dar retorno com brevidade, mas não o fez até a data de hoje. As mesas setoriais não foram instaladas até o momento, mesmo que muitas entidades, como o ANDES-SN, já tenham feito reiteradas solicitações. Cabe ressaltar que essas mesas são fundamentais para, por exemplo, se avançar na revogação de medidas como a portaria 983/2020, que impacta as professoras e professores das IFES, especialmente os(as) EBTT.

Diante disso, é preciso dizer que esse processo de negociação, embora inovador no serviço público brasileiro, tem sido limitado e até desrespeitoso para com os servidores públicos federais. Foi instalado, gerou expectativa, mas não avançou no atendimento das reivindicações. Algumas de suas limitações decorrem da conjuntura e das características da atual gestão, uma conjuntura marcada pela intensa disputa do fundo público por parte de setores burgueses (banqueiros, rentistas, agentes do agronegócio, industriais etc.) com grande representação nas estruturas de poder, seja na composição do governo, seja no âmbito do Congresso Nacional. A atual composição governamental, com presença cada vez mais frequente de agentes do chamado Centrão, favorece os setores da burguesia nesta disputa. Ademais, as amarras e estratégias da extrema direita neofascista que deu sustentação aos governos Temer e Bolsonaro continuam presentes na atualidade e perpassam o governo Lula-3. Por um lado, as amarras impostas pelas contrarreformas da previdência social, trabalhista, da educação, entre outras, são preservadas pelo atual governo. Por outro, se encontram aquelas que traduzem austeridade contra os interesses da classe trabalhadora, a exemplo das políticas de teto de gastos que limita investimentos públicos e favorece o grande capital (antes a EC 95/2016, agora o novo Arcabouço Fiscal). Ou ainda, as negociatas pela disputa de fatias do fundo público e cargos na administração pública em troca de votos no parlamento para favorecer propostas governamentais. Tudo isso em detrimento de políticas sociais e direitos que possam atender às necessidades e demandas da classe trabalhadora. É notório o engajamento direto de ministérios importantes, como o da Fazenda e do Planejamento para validar tais políticas, mostrando que o governo tenta enfrentar suas contradições com o atendimento da pauta central da burguesia de confisco do fundo público, enquanto os ganhos para a classe trabalhadora se revelam aquém do necessário. Isto aponta para nossa classe que o caminho da mobilização é a saída para enfrentar os dilemas da conjuntura.

A aprovação do chamado “novo arcabouço fiscal” em agosto de 2023, uma estratégia de austeridade fiscal que agradou imensamente os setores da burguesia, impõe grandes limites às negociações em torno de reivindicações dos(as) servidores(as) públicos(as) federais, e de outros setores da classe trabalhadora, pois condiciona os investimentos a 70% da receita, no limite entre 0,6 e 2,5% para novos investimentos. Isso pode ser visto como uma das grandes contradições do governo Lula-3, que se elegeu no contraponto à candidatura Bolsonaro, que representaria a continuidade do ultraneoliberalismo e a ameaça à democracia. Ou seja, o atual governo dá seguimento à política neoliberal de austeridade fiscal que vinha sendo adotada pelos governos anteriores, desde a década de 1990, com aprofundamento exorbitante sobretudo nos governos Temer e Bolsonaro. O novo arcabouço fiscal é a dura expressão da austeridade sobre a classe trabalhadora, no atual governo. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 (PLDO/2024) e o Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2024 (PLOA/2024) foram elaborados pelo governo, obedecendo as regras limitadoras do novo arcabouço fiscal. Cabe lembrar que acabamos de sair de uma pandemia que matou mais de 700 mil pessoas. A demanda tem sido por mais serviços públicos, ou seja, mais saúde, mais educação, mais habitação, mais investimentos, mais servidores(as). Então, é inaceitável qualquer medida que limite o atendimento dos direitos da classe trabalhadora. O racismo, a misoginia, a LGBTfobia, o capacitismo, a violência, a fome, o desemprego que se aprofundaram no último período não podem ser enfrentados segundo lógica do capital financeiro. 

Estas e outras contradições que marcam o atual governo repercutem diretamente no processo de negociação em curso, como se pode notar ao considerarmos que o governo:

● Instalou a mesa central nacional de negociação permanente (MNNP), desde 11 de julho, mas não avançou na negociação da pauta;

● Reconhece a campanha salarial de 2024, debate as reivindicações, mas não fez reserva de recursos suficientes no projeto de lei orçamentária para 2024 (PLOA/2024) que assegure a recomposição salarial e equiparação dos benefícios;

● Criticou travas que existiam na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano de 2023, mas as preservou no PLDO/2024, a exemplo dos impedimentos de equiparação de benefícios com outros Poderes e de retroatividade de recomposição salarial de perdas anteriores à aprovação do PLDO/2024;

● Afirma ter compromisso com a MNNP, mas a proposta colocada na mesa de negociação, até agora, de reservar 1,5 bilhão de reais para gasto com pessoal é absurda e desrespeitosa, uma vez que, se realmente efetivada, no conjunto dos gastos com os servidores públicos, se houver recomposição salarial, será inferior ao percentual de 1%;

● Comprometeu-se em retirar a PEC 32 do Congresso, no termo de acordo no 01 de março de 2023, mas não fez nenhum movimento neste sentido. Além disso, baixou a IN/MGI/ no 24, de 31 de julho de 2023, que regulamentou o Decreto nº 11.072/2022, do governo Bolsonaro, sem qualquer diálogo com os SPF, medida que reforça a perspectiva gerencialista e produtivista na administração pública;

● Faz críticas aos governos Temer e Bolsonaro, mas mantém até agora todo o conjunto de legislação e normas restritivas de direito desses governos, que constam da pauta de reivindicações do Fonasefe;

● Divulga a realização de concurso unificado, com abertura de 8 mil vagas, mas não atendeu à reivindicação do Fonasefe de revogar os Decretos que inibem a realização de concursos (Decretos no 9262/2018 e 10.185/2019) e nem debateu o tema com a bancada sindical;

● Afirma reconhecer a necessidade de correção de distorções das carreiras, mas não reservou no PLOA/2024 recursos suficientes para fazer tais correções. Os recursos disponíveis no anexo 5 do PLOA/2024 são da ordem de R$ 423 milhões, o que não permite as correções de sequer uma das carreiras em debate;

● Organiza a MNNP com a presença de entidades do serviço público e centrais sindicais, mas as discussões sobre mudanças pontuais na contrarreforma trabalhista e na reforma sindical estão sendo feitas somente com as centrais;

● Propõe, na metodologia da MNNP, as mesas de negociação setoriais (cujas reivindicações não têm impacto orçamentário), mas não as instala nem responde às pautas específicas dos setores, a exemplo da carta no 340/2023 do ANDES-SN, solicitando abertura desta mesa;

● Sinaliza a defesa da democracia e autonomia para as universidades públicas, mas mantém os interventores nomeados por Bolsonaro. Das 25 instituições que sofreram intervenções de Bolsonaro, 15 ainda vivem a situação de não ter seus dirigentes eleitos empossados pelo novo governo.

Por essas e outras contradições e limitações no processo de negociação, é preciso fortalecer a Campanha Salarial 2024, intensificando a mobilização, explicitando para a base da categoria que a campanha salarial em curso tem como objetivo a recomposição salarial das perdas, que deve ter início em 2024. Portanto, se não houver acordo de recomposição salarial neste ano de 2023, e/ou disponibilidade orçamentária no PLOA/2024, não haverá reajuste no próximo ano. Da mesma forma, é preciso articular a campanha salarial com a luta contra a PEC 32 e qualquer contrarreforma administrativa que utilize seus princípios e diretrizes; contra o arcabouço fiscal e a política tributária que mantém impostos regressivos e favorece o grande capital em detrimento da classe trabalhadora; além de combinar com pautas específicas, não econômicas, dando ênfase aos pontos do Revogaço que têm grande relevância para a categoria, como:

● Revogação da PEC 103/2016;

● Revogação do Decreto 10.620/2021, que transfere para o INSS a responsabilidade, concepção e manutenção das aposentadorias e pensões dos servidores/as de autarquias e fundações;

● Fim da contribuição de aposentados para a seguridade social;

● Democracia e autonomia universitária: fim da lista tríplice e garantia da paridade, no mínimo, e que a escolha comece e se encerre nas instituições;

● Revogação da IN no 66 de 2022, de modo a assegurar progressões múltiplas, e que progressões e promoções funcionais tenham efeitos financeiros a partir da data em que os requisitos sejam adquiridos e não da data de conclusão do processo administrativo; dentre outros. 

Assim, temos apontado uma agenda de mobilização que possibilite continuar construindo a unidade no âmbito dos fóruns dos SPF, de modo que esses fóruns fortaleçam a pressão contra o governo e também junto aos(às) parlamentares, e se mobilizem para construir atividades com a participação da base, que potencializem tais pressões contra o governo. Ao mesmo tempo, é preciso ampliar o debate na base da categoria sobre temas como o arcabouço fiscal e suas implicações nas políticas sociais e na campanha salarial dos servidores(as) públicos(as). É necessário também continuar a elaboração de materiais audiovisuais sobre a temática, além da realização de debates nas seções sindicais sobre esses temas. Para ampliar o debate acerca da mesa de negociação sobre carreiras, estamos apontando a realização de uma reunião conjunta entre as coordenações do setor das IFES e do GT Carreira, de modo a planejar novas atividades sobre o assunto.

No que se refere à agenda de mobilização, o ANDES- SN participou da plenária hibrida dos servidores(as) públicos(as), realizada no dia 16 de setembro de 2023, e defendeu uma agenda de lutas que inclui uma série de atividades, desde debates, atos públicos em Brasília e nos estados, passeatas e vigílias no MGI, apontando para o aprofundamento da radicalidade a partir da construção de paralisações e, se mantida a postura do governo, fortalecer a partir da base, como horizonte da luta, a construção da greve no setor. Assim, o calendário de lutas indicado pelo ANDES-SN e ampliado na referida plenária contempla uma nova jornada de lutas para o período entre 02 e 07 de outubro de 2023. Essa semana de lutas deve ser precedida por uma rodada de assembleias e reunião do setor das IFES/ANDES-SN.

A seguir, o calendário:

01.10. Reunião do Setor IFES em Brasília - importante que o máximo de pessoas participantes da reunião possa permanecer em Brasília para fortalecer a jornada de lutas.

02.10. Live sobre o impacto do arcabouço fiscal nas políticas sociais e na valorização dos serviços e servidores públicos, com transmissão a partir da sede do ANDES – SN, à 17h (horário de Brasília), garantindo a presença das Seções que enviarem seus representantes;

03.10. Dia Nacional de Luta pela Soberania Nacional e Defesa dos Serviços Públicos. Fortalecer as mobilizações deste dia nacionalmente, com paralisações;

04.10. Vigília no MGI pela inclusão dos servidores no orçamento e negociação já! Além disso, deve haver mobilizações de pressão aos parlamentares;

05.10. Continuidade das atividades do dia anterior e buscar realização de audiência pública contra a PEC 32;

07.10. Plenária presencial dos servidores públicos federais em Brasília, em que será debatida a possibilidade de greve no setor.

Nossa compreensão é a de que a defesa dos direitos da classe trabalhadora só é possível com a garantia de um serviço público forte, com plena qualidade e gratuito. É nesse sentido que a mobilização das e dos servidores (as) é passo fundamental nessa conjuntura. Não há educação, universidades, institutos federais, escolas de aplicação e CEFETs sem servidores! É fundamental o envolvimento de toda a diretoria do ANDES-SN, de suas seções sindicais e sua base nesta luta em torno da campanha salarial de 2024 dos servidores(as) federais, em defesa dos direitos sociais e dos serviços públicos e contra PEC 32. Essa luta é de todos(as)! Esta luta é do ANDES-SN!

Brasília, 16.09.23.

Coordenação do Setor das Federais e da Diretoria do Andes-SN

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