“Sob a justificativa de ser responsável e pragmática, a Reitoria impõe cortes que sufocam atividades fundamentais da UFF e inviabilizam ações voltadas à comunidade, como o pré-vestibular comunitário. Nós da ADUFF nos solidarizamos com a manifestação organizada pelo DCE, porque essa luta é de todos que vivem a UFF e fazem a UFF viver”, destacou o professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF, Thiago Rodrigues, que integra a diretoria da Aduff-SSind e estava presente no ato, realizado na segunda-feira (26).
Em manifestação que saiu do campus do Gragoatá e percorreu as ruas de Niterói até à Reitoria da UFF, as e os estudantes da instituição denunciaram que a Portaria 65.548 foi publicada na calada da noite do dia 19 de junho, sem nenhum diálogo com estudantes e trabalhadores da Universidade e sem ser pauta das reuniões do Conselho Universitário, órgão deliberativo da instituição.
A Portaria tem vigência de seis meses, podendo ser prorrogada ou revogada “de acordo com as condições orçamentárias”. Leia aqui a Portaria 65.548 na íntegra.
'Toque de Recolher'
O Ato Administrativo, assinado pelo reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, estabelece, entre outras medidas, a suspensão da “realização de eventos e atividades acadêmicas que demandem o uso das instalações a partir das 17 horas ou nos finais de semana e feriados, exceto os relacionados às atividades curriculares obrigatórias e outros que justifiquem o caráter excepcional”.
Para o movimento estudantil, “a medida mais se parece com um toque de recolher”. Integrante do Diretório Acadêmico de Ciências Sociais da UFF, a estudante Leticia Rodrigues verbaliza a preocupação com as consequências da Portaria, reforça a luta pela sua revogação completa e aponta que as e os estudantes do turno da noite, em grande parte trabalhadores, serão os mais afetados.
“A Portaria causará evasão enorme nos cursos superiores, principalmente os noturnos. Ela para todas as atividades depois das 17h, literalmente é um toque de recolher. Assembleias, reuniões, atividade complementares, de extensão, como os cursinhos populares que funcionam no espaço da UFF, eventos culturais, treinos e jogos entre atléticas. Estudantes trabalhadores não vão ter acesso a essas atividades por 6 meses, fora que é uma portaria aprovada de cima para baixo, que pegou todo mundo desprevenido”, disse no ato.
Para Letícia, a medida é um ataque contra o direito de entrar, permanecer e assim se formar na Universidade. “O ato de hoje mostra, principalmente, a importância da mobilização do movimento estudantil. Estamos na luta pelo passe livre universitário, que está parado, numa conjuntura que as e os estudantes estão tendo que escolher entre comer ou pagar passagem para estar em sala de aula, com o retorno do Brasil no Mapa da Fome. A portaria da UFF agrava essa situação, não podemos permitir”, reforçou.
Universidade fragilizada
O mesmo artigo (Art. 2º) que suspende atividades na universidade após às 17h também suspende o “atendimento de transporte para viagens fora das sedes dos campi da UFF” e a “realização de aditivos contratuais que importem em aumento de valores nos contratos de: a) obras e serviços de engenharia; b) aquisição de bens; c) prestação de serviços, inclusive de locação de imóveis, de veículos e equipamentos, salvo quando emergenciais para manutenção de determinada unidade.
Para o DCE-UFF Fernando Santa Cruz, esse ponto evidencia que as demandas relativas à acessibilidade e inclusão, que já vinham sendo pautadas pelo movimento estudantil não poderão ser levadas a cabo. “Chão irregular, elevador que não funciona, banheiros que não comportam estudantes PcD são exemplos de uma estrutura não acessível que, a partir da nova portaria, não poderá passar por obras que melhorem as condições dos estudantes da universidade”, diz o manifesto lido pelos estudantes, ao chegarem no prédio da Reitoria da UFF.
No ato as e os estudantes também relataram que uma viagem de campo do curso de Geografia foi cancelada, na semana passada, a partir do respaldo da Portaria 65.548 e que viagens para congressos estudantis poderão não ter mais o apoio da universidade, já que gasto com eventos e transportes no geral, principalmente extracurriculares, também estão vetados por, no mínimo, seis meses.
“Esse movimento tem implicações políticas objetivas e institui um tipo antidemocrático de controle de todas as atividades e eventos que podem ocorrer nos espaços da UFF. Além disso, esse regime de excepcionalidade arbitrária se aplica também a viagens, podendo ficar à mercê da Reitoria a aprovação ou não da ida dos estudantes a encontros nacionais de seus cursos, por exemplo”, destaca o DCE-UFF, em nota.
Durante o ato, o estudante do curso de História, Miguel, do Coletivo Faísca Revolucionária, também demostrou preocupação com os direitos dos trabalhadores terceirizados da Universidade.
“A Portaria é bem clara quando fala que pretende adotar medidas junto às empresas contratadas, com o objetivo de reduzir o preço originalmente contratado e/ou renunciar a aplicação da cláusula de reajuste. Bom, a questão é que costuma sobrar para os trabalhadores dessas empresas, quando não é demissão, o aumento da sobrecarga de trabalho que já é imensa nessa universidade. O número de trabalhadores no bandejão, por exemplo, caiu quase pela metade depois da pandemia”, alertou.
Conselho Universitário não foi informado sobre possibilidade de Portaria
Na manifestação, o movimento estudantil também questionou o porquê de o Conselho Universitário da UFF não ter sido informado sobre a possibilidade da publicação da Portaria. Além da luta pela revogação completa do Ato Administrativo, as e os estudantes reiteraram a reivindicação pelo retorno presencial das reuniões do CUV.
“O Conselho Universitário não foi informado da possibilidade da portaria. Pelo contrário, nas últimas sessões do Conselho Universitário, estudantes, professores e servidores exigiram o detalhamento da situação orçamentária da UFF e o reitor optou por ignorar o pedido (...). Desde a pandemia, os conselhos passaram a se dar por chamadas online e mesmo com a volta das atividades presenciais no ano passado, o CUV manteve-se no modelo online sem nenhuma justificativa coerente, debilitando a democracia universitária. Exigimos a volta presencial do Conselho Universitário”, reforçou o manifesto, lido no ato por integrantes da direção do DCE-UFF.
O que a Reitoria diz
O reitor da UFF, professor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, não se encontrava na Reitoria, no dia do ato dos estudantes. Como as portas do prédio foram fechadas para barrar o acesso do movimento estudantil ao interior da sede da Administração, a Pró-reitora de Assuntos Estudantis (PROAES), Alessandra Siqueira Barreto e o Pró-reitor de Planejamento, Julio de Abreu, desceram para conversar com as e os estudantes, em manifestação.
Em nota oficial no site da UFF, a Administração Central da Universidade justifica a publicação da portaria “em razão do atual cenário orçamentário” da UFF, “com medidas de racionalização, contenção e monitoramento de despesas das unidades acadêmicas e administrativas.
“Tivemos o cuidado e a preocupação de envolver os diferentes gestores da universidade, não apenas para anunciar a necessidade de alguns ajustes, como também para ouvir atentamente a demanda das áreas e pensar conjuntamente em soluções. A situação orçamentária das universidades infelizmente é uma pauta recorrente no nosso país. Por mais que o último repasse do Governo Federal, em abril deste ano, tenha sido um importante avanço, o déficit orçamentário da UFF vem desde 2014. O nosso trabalho, a partir de então, é o de criar estratégias e articular parcerias para que a universidade cumpra o seu papel na sociedade, que é o de oferecer ensino de excelência, desenvolver pesquisa de ponta e ser uma ponte de conhecimento e inovação com a comunidade. A nossa expectativa é que, a partir dessa tomada de decisão, possamos equilibrar as finanças e evitar gastos extras neste segundo semestre. Soma-se a isso, o nosso desejo de que o Governo Federal continue atuante e preocupado com o ensino superior público”, afirmou o reitor, em nota que pode ser lida na íntegra aqui.
Na manifestação, estudantes afirmaram que a luta pela revogação da portaria vai prosseguir.
Da Redação da Aduff | por Lara Abib
Fotos: Luiz Fernando Nabuco