Out
20
2022

MEC se tornou "baú inesgotável de problemas", diz docente da UFF

Foco de política ultraconservadora, ideológica e retrógrada, o MEC do governo Bolsonaro ganhou as páginas dos principais jornais do país, entre 2019 e 2022, por questões que ultrapassam os cortes vultuosos no orçamento. 

O Ministério da Educação, nos últimos quase quatro anos, tem sido uma das pastas mais aviltadas pelo governo federal. Foco de política ultraconservadora, ideológica e retrógrada, o MEC ganhou as páginas dos principais jornais do país, entre 2019 e 2022, por questões que ultrapassam os cortes vultuosos no orçamento. Há declarações preconceituosas e afrontas à laicidade do Estado brasileiro por parte dos ministros; tentativas de privatização do ensino público superior; favorecimento à expansão de instituições privadas de ensino; ações que retrocedem quanto à inclusão de negros, indígenas e de pessoas com deficiência; intervenção em reitorias e ataques à autonomia universitária e denúncias de corrupção.

Para o professor Claudio Gurgel, diretor da Aduff, as questões acima revelam o péssimo desempenho do governo Bolsonaro à frente do Ministério, em face do ensino público superior. Quando analisadas pela perspectiva administrativa-financeira, as ações no MEC envolvem o mau uso do dinheiro público e o desvio do dinheiro público das suas finalidades. "Corrupção e má administração caracterizam esse governo. O caso dos pastores [que resultou na exoneração do Milton Ribeiro] é de conhecimento público e representa uma prática que certamente não está fora de toda a corrupção do governo Bolsonaro", avalia o docente do curso de Administração.

Segundo o dirigente da Aduff, é preciso ainda compreender as ações do governo quanto à política pública da educação superior, pelos vieses liberal e ideológico, conservador e reacionário. "A política pública e a gestão liberal do governo Bolsonaro nos levaram ao sufocamento financeiro das universidades, que tiveram perdas de 16 a 20% das suas receitas, quando comparadas as de 2019. Na UFF, o contingenciamento foi de 17% aproximadamente. Já na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, as perdas chegaram a 30%", explicou o professor, lembrando que o orçamento anterior já era insuficiente para as despesas de custeio e de manutenção.

"Não podemos registrar nada de positivo e de abrilhantador que tenha feito pelo MEC em favor das Universidades e da Educação. Quando refletimos sobre a prática do Ministério, lembramo-nos de um baú inesgotável de problemas", considerou Claudio.

Professora da Faculdade de Educação e diretora da Aduff, Gelta Xavier reafirma as observações de Gurgel. Para ela, o governo Bolsonaro apresentou ministros sem qualquer proximidade com o debate educacional. A docente lembrou ainda que o MEC buscou o esvaziamento das disciplinas que trabalham com perspectivas críticas em seus currículos, pois claramente visa à inserção dos estudantes no mercado de trabalho.

Segundo a docente, as práticas no MEC manifestam orientações clientelistas e vinculação das práticas educativas às religiosas-conservadoras, como defendia o filósofo Olavo de Carvalho, falecido em janeiro de 2022. Ele interviu na escolha de ministros, tendo sido reverenciado no MEC, até romper com a família Bolsonaro. “O governo Bolsonaro é um disparate”, define Gelta.

Abaixo, os principais escândalos que envolveram o MEC durante o governo Bolsonaro:

2019

-- Janeiro

* O professor, filósofo e teólogo liberal colombiano e naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez assumiu o Ministério da Educação. Declaradamente defensor de escola, sociedade e governo com partido único, ele prometeu combater o "marxismo cultural", ao qual atribuiu a "agressiva promoção da ideologia de gênero" no ambiente acadêmico.

* Em claro desrespeito à autonomia da comunidade acadêmica, Vélez desconsiderou o resultado da eleição para a direção do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), no Rio de Janeiro, e nomeou para ocupar o cargo o segundo colocado na disputa e na lista tríplice enviada pelo conselho da instituição ao ministério.

-- Fevereiro

* Em entrevista à "Veja", Vélez afirmou que escola deve ensinar brasileiros a não roubar quando viajam, defendeu o fim das cotas nas universidades e a cobrança de mensalidades, além do "rastreamento" do CPF de reitores. Disse ainda que o Andes-SN é uma monstruosidade e que os reitores são eleitos graças aos sindicatos. Pouco tempo depois, disse que a Universidade deveria “ficar reservada para uma elite intelectual”.

* O MEC enviou às escolas um email pedindo que as crianças e educadores sejam perfiladas para cantar o hino nacional e que o momento seja gravado em vídeo e enviado ao governo. A mensagem pedia ainda que fosse reproduzido o slogan ("Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!")  de campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro.

-- Março

* Após disputa entre militares, quadros técnicos e nomes ligados ao filósofo ultraconservador Olavo de Carvalho – mentor da Família Bolsonaro, com quem rompeu pouco antes de morrer (   ), o ministro Ricardo Vélez exonerou nomeações de seis cargos comissionados. Fez ainda 13 alterações no alto escalão do MEC, indicando Iolene Lima, pastora e ex-diretora de colégio orientado por cosmovisão bíblica, para o cargo de secretária-executiva.

* Na contramão do pensamento crítico, o MEC constituiu comissão censora (formada por três homens) para avaliar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, que são formuladas por técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

-- Abril

* Vélez foi substituído pelo economista Abraham Weintraub, de mesmo perfil ideológico. Era secretário-executivo da Casa Civil e, anos antes, executivo no mercado financeiro. Graduado em Ciências Econômicas pela USP e professor da Unifesp. Empenhou-se em uma campanha de difamação dos servidores públicos federais, atingindo, especialmente, os professores universitários, e os estudantes.

* Acusadas de fazer “balbúrdia” por se posicionar contra o bolsonarismo, UFF, UnB e UFBA foram as três instituições públicas de ensino superior estrategicamente penalizadas pelo governo federal em relação à política de contingenciamento de R$ 5,8 bilhões para a Educação.

-- Julho

* O governo lançou o “Future-se”, programa de reestruturação do financiamento do ensino superior público que permitia às Universidades e aos Institutos Federais, recorrer a empresas privadas para obter recursos e ainda contratar professores sem concursos.

* Governo bloqueou R$348 milhões do orçamento do Ministério da Educação foram bloqueados pelo governo federal. Desde o início do ano, Bolsonaro projetou ‘economizar’ R$33,4 bilhões em todo o orçamento público. A Educação foi o setor mais afetado pelo congelamento de verbas públicas, com cerca de R$6,1 bilhões bloqueados.

 

2020

-- Junho

* Weintraub renunciou ao Ministério, mas antes ofendeu os ministros do STF, chamando-os de vagabundos e desejando que fossem presos. Tornou-se suspeito em disseminação de fake news e respondeu a inquérito no STF por declarações racistas contra chineses. No último ato, suspendeu portaria que apontava diretrizes para implementação da política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação de universidades federais, o que, depois, foi revertido.

* Carlos Alberto Decotelli – oficial reserva da Marinha, ex-docente na FGV e na EGN; ex-Presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – teria sido o primeiro ministro negro e o terceiro a ocupar a pasta. No entanto, antes mesmo de ser emposssado, declinou da proposta, após dados falsos no currículo de sua formação acadêmica serem revelados.

--Julho

*Milton Ribeiro é assumiu o MEC. É teólogo e advogado, mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Educação pela USP. Ex-vice reitor da Mackenzie. Diretor Administrativo da Luz para o Caminho, instituição que cuida da área de mídias da Igreja Presbiteriana do Brasil.

--Agosto

* MEC lançou a "nova" Política Nacional de Educação Especial (PNEE), instituída pelo decreto presidencial nº 10.502/2020, que promove o retorno das escolas e das classes especiais como modelo segregador e substitutivo da educação regular, considerada, portanto, um retrocesso.

-- Setembro

* Milton Ribeiro associou a homossexualidade como resultado de “famílias desajustadas”, o que causou reação da comunidade LGBTQIA+, de movimentos sociais e de sindicatos ligados à Educação. 

  

2021

-- Julho

* Em meio à pandemia da covid-19, durante pronunciamento à nação, Milton Ribeiro se portou como negacionista ao conclamar o retorno das aulas presenciais.

-- Agosto

* MEC substituiu procurador-chefe da Unifesp como retaliação ao resultado eleitoral que desagradou Bolsonaro

* Milton Ribeiro foi chamado à Comissão Mista de Orçamento, em audiência pública sobre a situação orçamentária das universidades federais e dos institutos federais de ensino. Ele também foi explicar a defesa de uma universidade para poucos (jovens de elite).

 

2022

-- Março

* Imprensa denuncia que Ribeiro autorizou a produção e distribuição de mil exemplares da Bíblia, com fotos dele e da esposa, dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (envolvidos no escândalo de corrupção no MEC). Aparecia ainda o prefeito da cidade de Salinópolis (PA), Carlos Alberto de Sena Filho (PL), que teria custeado as impressões com dinheiro público para distribuí-las no evento “Melhorias na Educação: Atendimento aos Prefeitos do Estado do Pará”, em julho de 2021.

-- Abril

*Ministro Milton Ribeiro foi exonerado ao ter o nome associado a um suposto  “gabinete paralelo”, comandado por pastores evangélicos. Eles condicionavam à liberação de verbas do FNDE às prefeituras ao pagamento de propinas. A imprensa também noticiou amplamente o vazamento de áudio do Ministro Milton Ribeiro pelo o qual dizia seguir as ordens do presidente Bolsonaro em beneficiar aliados políticos da atual gestão. 

*Victor Godoy Veiga assume o MEC. O 5º Ministro do governo Bolsonaro é engenheiro de redes de comunicação de dados pela UnB e pós-graduado em Altos Estudos em Defesa Nacional na ESG, onde se especializou em Globalização, Justiça e Segurança Humana. É servidor público da carreira de auditor federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) desde 2004 até virar secretário-executivo do MEC em julho de 2020, quando Ribeiro passou a chefiar a pasta. Antes disso, sua experiência profissional não esteve relacionada ao campo da Educação.

 

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Aline Pereira

 

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