Fundada em 1573, Niterói é uma cidade metropolitana no estado do Rio de Janeiro, que conta com inúmeras belezas naturais, tem aproximadamente 516 mil habitantes e é a menina dos olhos da especulação imobiliária, como evidencia o debate que envolve a nova lei urbanística do município (PL 416/2021).
Após manifestação de setores da sociedade civil, o dito PL teve a votação suspensa na Câmara Municipal e um substitutivo deve ser apresentado em breve.
De acordo com a professora Regina Bienenstein, professora do Programa de Pós-Graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF e representante da Universidade Federal Fluminense no Conselho Municipal de Políticas Urbanas de Niterói (Compur), o PL 416/2021 apresenta graves problemas e não foi amplamente discutido com a população.
"O secretário [de Urbanismo e Mobilidade, Renato Barandier] não chegou a promover uma verdadeira discussão democrática do projeto de lei, realizando audiências e oficinas para discutir apenas seus objetivos e diretrizes. Sem discutir o conteúdo do projeto de lei, o enviou para o Legislativo. Foi o legislativo que publicizou o conteúdo da lei. Nas audiências realizadas pelo Legislativo ficou clara a discordância e restrições sobre as propostas contidas no PL, inclusive por parte do Ministério Público. As críticas do MP se referiam ao conteúdo do PL e também ao rito, resultando na suspensão da votação. A indicação predominante nas audiências públicas era de devolução do PL ao Executivo para que fosse revisado e, de fato, discutido com a população”, explica a professora.
Segundo Regina Bienenstein, há erros nos mapas e retrocessos especialmente no que se refere a questão do problema habitacional no município. No Plano Diretor, por exemplo, favelas foram demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), instrumento que protege esses territórios populares e indicam, pelo menos, a intenção do Executivo de atuar nessas áreas. No PL, algumas foram suprimidas, outras diminuídas. Além disso, parece não haver a necessária articulação entre as secretarias de Urbanismo e a de Habitação, pois não foi considerada a totalidade dos assentamentos populares informais recentemente identificada por essa última.
A professora, arquiteta e urbanista explica ainda que o referido PL também uniformizou o tratamento dados favelas em Niterói, adotando um único padrão para todos os assentamentos populares. "As favelas são diferentes entre si. E, no projeto, permitem construções com 4 pavimentos em todas elas, desconhecendo a diversidade entre elas, ignorando a dinâmica de ocupação do solo nesses territórios, além de indicar o aumento excessivo de gabarito em trechos dos territórios populares, o que deixará as comunidades vulneráveis à especulação imobiliária e à sua expulsão paulatina das regiões mais valorizadas, num processo conhecido como gentrificação", criticou.
De acordo com Regina Bienenstein, o discurso do secretário é o de que Niterói deveria atualizar, reunir e simplificar as leis de uso e de ocupação do solo hoje em vigor, em uma única lei. Segundo a professora, o Secretário reiteradas vezes apontou como problema básico da cidade sua conformação espacial espraiada, o que deve ser corrigido. Assim, a lei propõe regras que tornarão o município mais denso, mais verticalizado e compacto.
"Com a justificativa de simplificação das normas e da necessidade de corrigir esse esgarçamento da cidade para torná-la mais eficiente, a Prefeitura propôs o adensamento e a verticalização ao longo dos principais eixos municipais. Prevê o aumento do gabarito na antiga Avenida Sete, permitindo prédios a menos 200 metros da margem da Lagoa de Piratininga. Mesmo frente à proposta de adensamento com verticalização, não apresentam estudos de impacto na infraestrutura viária já caótica e no meio ambiente, por exemplo no abastecimento de água e no próprio regime de ventilação e insolação", esclarece.
"Quem será beneficiado com verticalização da cidade? Estudiosos apontam para uma crise hídrica na região Leste Metropolitana, hoje mesmo já temos partes da cidade onde o abastecimento é intermitente, o que acontecerá? São também claros os problemas em relação à mobilidade. A cidade aguenta? Se a população de Niterói está estabilizada, como revela estudo da Fundação Getúlio Vargas, para quem serão produzidos os novos prédios e espaços?", indaga Regina Bienenstein.
“É preciso entender a legislação dentro do contexto da proposta de planejamento posta para o município. Niterói tem como principal característica a desigualdade. Estudos da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária do município, no contexto do Plano Municipal de Regularização Fundiária, demonstram que, na cidade de Niterói, cerca de 37% da população mora em favela (não falo de ocupações de imóveis vazios e abandonados, nem da população em situação de rua que cresce cotidianamente). Niterói não tem, historicamente, uma política habitacional. O que vemos acontecer são ações pontuais e a produção de novas unidades habitacionais no escopo de programas federais. Nesse contexto, o planejamento da cidade, desde a década de 1990, vem se firmando no sentido de melhorar a imagem da cidade e assim, atrair investimentos e população que consiga pagar por isso. É o que alguns autores chamam de produção da cidade mercadoria”, considera Regina.
De acordo com ela, a nova proposta urbanística mais uma vez exclui o trabalhador de baixa renda. “Nessa cidade, ele não tem lugar; se não destino verba para construção de novas moradias, se não invisto nas favelas, se não reservo terra vazia nas regiões com infraestrutura, a classe trabalhadora vai para a periferia”, comenta.
Segundo a docente, o novo plano urbanístico tende a aprofundar esses problemas. Apesar de em seus discursos, o secretário de urbanismo argumentar que os prédios a serem construídos poderão se destinar às famílias mais pobres, sabemos que o déficit habitacional está nas faixas de renda mais baixas. Esses trabalhadores certamente não terão renda para comprar apartamento no mercado imobiliário formal, ainda mais agora, depois da pandemia, com o índice de desemprego que enfrentamos. Este é um argumento falso, a nova produção imobiliária não será dirigida para quem precisa de moradia. A tendência é a diminuição da área ocupada pela classe trabalhadora, liberando para o capital imobiliário”, adverte Regina.
Da Redação da Aduff | Por Aline Pereira