Mar
11
2021

Lira 'esticou' votação por 2h a espera de votos para governo aprovar 'gatilho' contra servidor na Câmara

 Manobra do presidente da Câmara, que se recusou a encerrar votação de destaque na PEC Emergencial até que o governo conseguisse 'virar' votos, manteve gatilhos que atacam serviços públicos e congelam salários e benefícios de servidores

Painel da votação do destaque que retirava os 'gatilhos' fiscais do texto Painel da votação do destaque que retirava os 'gatilhos' fiscais do texto / Pablo Valadares - Agência Câmara

Imagine uma partida de futebol de um torneio no qual seu time reagiu e está ganhando, mas o juiz decide não encerrá-la até que o adversário vire o jogo. Foi algo assim que ocorreu durante a votação de um destaque fundamental para os servidores públicos na apreciação da PEC Emergencial. A ajuda do 'árbitro' impediu que a luta nacional do funcionalismo contra a PEC 186 e a 'reforma' Administrativa, da qual a Aduff-SSind e o Andes-SN participam, obtivesse significativa vitória na tarde da quarta-feira, dia 10 de março de 2021, na Câmara dos Deputados.

A sessão transcorria de forma híbrida - com parte dos parlamentares no Plenário e outra se manifestando remotamente. No contexto presencial, os grupinhos de parlamentares que se formavam para confabular, enquanto a interminável votação se estendia, demonstravam que o governo de Jair Bolsonaro não tinha, naquele momento, os votos necessários para aprovar os 'gatilhos' da PEC 186. Esses dispositivos são acionados em determinados quadros fiscais e congelam salários, benefícios, progressões e promoções; restringem concursos públicos aos destinados à reposição de cargos vagos e proíbem novas contratações e investimentos nos serviços públicos.

Sem a decisiva e questionável atuação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo provavelmente não teria conseguido aprová-los e um dos aspectos mais questionados da proposta de emenda constitucional teria sido derrubado. Eleito presidente da Câmara com apoio de Bolsonaro e sob acusações de compra de votos de deputados, Lira manteve um destaque apresentado pelo PT, e abraçado por toda a oposição e por setores do Centrão, em regime de votação por duas horas, até que o governo conseguisse negociar e 'virar' votos de deputados de sua própria base. 

Resultado apertado 

Não teve disfarce. O próprio deputado Arthur Lira reconheceu que não encerrava a votação porque o governo buscava um acordo. Não mencionou que essa negociação não envolvia o conjunto dos partidos e bancadas da Câmara. Mas apenas integrantes da recém-conformada base de apoio parlamentar de Bolsonaro, principalmente os que se dizem aliados dos agentes públicos das forças de segurança. O presidente da Casa admitia, portanto, que segurava a votação de forma muito além do habitual para favorecer um dos lados da disputa.

Quando finalmente ela foi concluída, o painel registrou 319 votos contra o destaque, 181 a favor e três abstenções, totalizando 503 votos. São necessários 308 para que textos destacados sejam mantidos - portanto, apesar do controverso 'acordo' anunciado, apertados 11 votos além do mínimo necessário mantiveram os 'gatilhos' que 'congelam' salários e podem levar à redução de serviços públicos em todas as áreas, inclusive na saúde pública e na educação, hoje diretamente envolvidas no combate à covid-19. Deputados ligados às forças de segurança foram responsabilizados pela oposição pela derrota dos servidores. 

A votação do destaque começou às 13h27min e foi concluída às 15h22min. Mesmo após 498 deputados já terem votado, Lira se recusou a concluí-la ao longo de mais de uma hora. Enquanto o painel não é aberto para expor o resultado, os parlamentares podem mudar o voto. Líderes governistas iam à tribuna pedir aos deputados que aguardassem, enquanto se articulava o possível acordo. 

O líder do governo, deputado Ricardo Barros, disse, 33 minutos antes da votação ser finalizada, que o governo havia aceitado retirar os itens que impedem as promoções e progressões nas carreiras quando o gatilho for acionado. Deputados governistas passaram, então, a se revezar na tribuna para insistir que os colegas alterassem seus votos e aprovassem os gatilhos contra os servidores. Parlamentares da oposição cobravam insistentemente para que Lira abrisse o painel e encerrasse a votação. Também alertavam que o recuo governista não eliminava os ataques aos servidores, inclusive policiais e bombeiros. 

O 'acordo' que o governo anunciou com sua própria base prevê que essa alteração no texto, restrita às promoções e progressòes, aconteça no segundo turno. Não houve negociação com a oposição e mesmo alguns parlamentares governistas foram à tribuna dizer que não haviam firmado acordo algum.

Com o prolongamento indefinido da votação, o presidente da Câmara concedeu a palavra a muitos parlamentares da oposição - alguns falaram mais de cinco vezes. Afirmavam que o que se estava votando com a PEC 186 atinge os servidores, todos os serviços públicos, inclusive áreas como saúde e educação, beneficia apenas banqueiros e aprofunda a recessão. Em contrapartida à rejeição de medidas como os gatilhos, propunham ao Congresso aprovar o imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição e jamais regulamentado. Também defendiam que o auxílio emergencial, que foi inserido pelo governo na PEC 186, seja instituído por fora desta matéria e em valores maiores do que os R$ 250,00 que Bolsonaro vem anunciando.

Primeiro e segundo turnos

Pelo texto aprovado na PEC Emergencial, que já passou pelo Senado, as medidas que atingem os serviços públicos são acionadas quando as despesas obrigatórias correspondem a 95% das despesas totais, no caso dos poderes e órgãos federais, ou 95% da receita, no caso de estados e municípios. Deputados governistas alegavam que, no que se refere aos municípios e estados, esse gatilho não é automático, mas uma opção que o chefe do Executivo pode ou não acionar. No entanto, caso opte por não acioná-lo, o ente da federação fica impedido de buscar apoio financeiro ou renegociar suas dívidas.

O texto-base da PEC 186 passou pelo primeiro turno de votação na madrugada da quarta-feira (10). Os destaques começaram a ser apreciados na manhã do mesmo dia. O governo foi derrotado na votação de um deles, referente à vinculação de receitas de uma série de fundos sociais. A desvinculação foi excluída do texto porque a base governista obteve 302 votos, seis a menos que os necessários para mantê-lo. Isso ocorreu pouco antes da esticada votação dos 'gatilhos'.

O primeiro turno foi concluído no início da madrugada da quinta-feira (11), logo após o governo conseguir derrubar o último destaque da oposição, proposto pelo PDT. Ele eliminava o limite de R$ 44 bilhões fixado para as novas parcelas do Auxílio Emergencial. O Palácio do Planalto obteve 337 votos e manteve o texto.

A intenção do presidente da Câmara era votar o segundo turno ainda na quarta-feira, o que não ocorreu. Lira convocou nova sessão para as 10 horas desta quinta (11). O governo tem pressa em concluir a votação e tentar conter a sua base aliada, principalmente os parlamentares próximos às categorias da segurança pública. Pelo menos parte dos servidores destas categorias, tratadas pelo governo como aliadas, veem no que está sendo votado uma traição de Bolsonaro.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho

Painel da votação do destaque que retirava os 'gatilhos' fiscais do texto Painel da votação do destaque que retirava os 'gatilhos' fiscais do texto / Pablo Valadares - Agência Câmara

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