Set
04
2018

Museu Nacional custava 11 segundos da dívida pública, diz professora da UFRJ

Ato leva milhares à Cinelândia em solidariedade ao Museu Nacional e contra cortes de verbas e EC 95 

Milhares de pessoas na Cinelândia, na segunda-feira (3),dia seguinte ao incêndio Milhares de pessoas na Cinelândia, na segunda-feira (3),dia seguinte ao incêndio / Luiz Fernando Nabuco/Aduff

DA REDAÇÃO DA ADUFF

“Não há como não estar abatida e triste; não só por ser da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas por morar nesse Estado e nesse país que viu encandecer o quinto maior museu de História e de História Natural do planeta – o que não é pouco”, disse Sara Granemann, professora e pesquisadora UFRJ, durante o ato que lotou a Cinelândia na tarde de segunda-feira (3), para lamentar e protestar pelo descaso federal com o Museu Nacional (MN) e com as demais instituições de ensino e pesquisa brasileiras. 

Fundado em 1818 e localizado na Quinta da Boa Vista, o Museu Nacional – subordinado à UFRJ – completou 200 anos resistindo ao sucateamento que tem sido imposto pelos governantes às diferentes instituições públicas de ensino e de fomento à pesquisa no país. Não só o prédio bicentenário, mas também boa parte do rico acervo de 20 milhões de peças – históricas, paleontológicas e arqueológicas – se perderam em enormes labaredas que os bombeiros mal conseguiam conter por falta de água no domingo (1°). Quase a totalidade do patrimônio histórico e imaterial do mais antigo museu do país se perdeu. Algumas peças resistiram e estão sendo recuperadas, em meio às cinzas e aos escombros, pelos trabalhadores da UFRJ. Há esperanças de que ossos de dinossauro e outras peças valiosas guardadas em armários possam ter se salvado por terem sido abrigadas numa caixa. Uma delas talvez seja o fóssil de Luzia, que tem cerca de 11,5 mil anos. 

Descaso

Trabalhadores de diferentes ocupações, estudantes, representantes de movimentos sociais e sindicais, entre eles a Aduff-SSind, estiveram presentes na manifestação no Centro do Rio que entoou palavras de ordem contra o governo de Michel Temer (MDB) – um dos mais impopulares presidentes de todos os tempos e considerado por muitos como um dos responsáveis por aprofundar ainda mais a política de estrangulamento às instituições públicas de pesquisa e às universidades. 

Temer é o pai da Emenda Constitucional 95 – a do teto dos gastos – que congela por 20 anos os gastos públicos em políticas sociais, saúde e educação e já produz efeitos irreversíveis. 

“A EC 95, aquela que foi chamada de PEC da Morte, faz do ajuste econômico um ajuste permanente. O Orçamento do Museu Nacional custa 11 segundos da dívida. Cada segundo de pagamento da dívida corresponde a cerca de R$ 35mil; o Museu Nacional custa 11 segundos, porque o que ele tem recebido é R$348 mil”, disse Sara Granemann. Para ela, esse dado expressa o valor que os governantes do país dão à Cultura, à Educação, aos direitos e às políticas sociais. “O que é central para o governo é a transferência dessa grandiosidade de recursos públicos formados pela classe trabalhadora, entregues ao Estado e que são transferidos para os capitais”, complementou a docente.

A professora Graça Reis, do Colégio de Aplicação da UFRJ, também lamentou a perda inestimável de parte significativa da História, Ciência e Cultura do país. “Estamos muito tristes. A cada dia temos um sonho sendo destruído um pouco. Ontem, num fogo só, lá se foram 200 anos desse sonho”, lamentou, contando que o episódio havia repercutido entre os alunos do CAp, também consternados. 

Para a docente Elizabeth Barbosa, da UFF em Rio das Ostras e diretora da Aduff, está em curso um projeto de sucateamento das universidades e os incêndios que aconteceram em curto intervalo temporal na UFRJ são resultados de políticas de estrangulamento de recursos e má gestão de sucessivos governos. Beth refere-se ao Palácio Universitário (2011); à Faculdade de Letras (2012); à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e à Escola de Belas Artes (2016); à Reitoria (2016) e ao Alojamento (2017). “Estão colocando fogo na maior universidade do país. Associo esse processo aos cortes no orçamento, já que as verbas que chegam são insuficientes - ainda mais considerando todo o patrimônio da UFRJ”, lamentou a dirigente sindical. 

 

Queima simbólica

O Museu Nacional costumava receber centenas de pessoas aos finais de semana. Cercado por vasta natureza, também era uma opção a mais para o lazer de muitas famílias, sobretudo as do Centro e as da Zona Norte do RJ, devido ao fácil acesso à Quinta da Boa Vista por transportes públicos. “O incêndio desse Museu, nesse contexto político, foi muito simbólico, principalmente em meio a tantos cortes em direitos do povo, em gente morrendo em fila de hospital, em meio a tanto descaso com o povo, com o que é do povo. Esse museu era do povo e o povo está queimando junto com ele”, disse a professora Letícia Nascimento, que atua na rede pública, bastante emocionada.

 

De acordo com Dan Gabriel D´Onofre Cordeiro, o incêndio aconteceu num momento em que a comunidade cientifica reivindica maiores recursos para a área de Educação, Ciência e Tecnologia (C&T). Segundo o docente, o Museu Nacional surgiu com o intuito de pensar a soberania nacional e estimular a produção de ciência e a construção da memória no país. “Estamos justamente de frente ao acirramento dessa destruição, desse pacto social em prol de se pensar em C&T”, disse. “Como sindicato, temos debate sobre o tema e seguiremos denunciando as consequências dessa política de austeridade”, disse o professor, que integra o Departamento de Economia Doméstica e Hotelaria da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e é o primeiro secretário da Regional Rio de Janeiro do Andes-SN. 

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

Milhares de pessoas na Cinelândia, na segunda-feira (3),dia seguinte ao incêndio Milhares de pessoas na Cinelândia, na segunda-feira (3),dia seguinte ao incêndio / Luiz Fernando Nabuco/Aduff

Additional Info

  • compartilhar: