Mar
28
2018

Professoras analisam aumento da precarização do trabalho e formação docente

Debate promovido pela Aduff teve a participação das professoras Olinda Evangelista e Kênia Miranda; impactos da Educação à Distância foram abordados

Professoras analisam aumento da precarização do trabalho e formação docente / Luiz Fernando Nabuco/ Aduff-SSInd

As professoras Olinda Evangelista, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, e Kênia Miranda, da Faculdade de Educação da UFF e da direção da seção sindical, abordaram o tema "Formação e precarização do trabalho docente - desafios e perspectivas", em evento organizado pelo Grupo de Trabalho de Política em Formação Sindical - GTPFS da Aduff-SSind, realizado no campus do Gragoatá na tarde de terça-feira (26).

O debate foi conduzido pela professora Adriana Penna, do INFES-Pádua e da direção da seção sindical, que saudou a iniciativa como um sopro de resistência diante de conjuntura tão conturbada. "A discussão que as pesquisadoras nos trazem são um instrumento de fortalecimento para a nossa luta; o que está por vir não será fácil, mas é preciso fazer esse enfrentamento, sobretudo no que se refere às demandas da Educação Pública", disse a mediadora.

Inicialmente, Kênia Miranda apresentou dados que comprovam a proletarização do papel do docente ao longo dos anos. Ela destacou que, apesar das especificidades distintas ao longo do tempo histórico, há registros que apontam que a reivindicação por melhores condições de trabalho é uma constante na trajetória dos professores desde a Corte Joanina. "A força de trabalho docente é precarizada desde sua origem. No entanto, a precarização ganha novos contornos na conversão da Educação como direito à Educação como mercadoria", disse a pesquisadora. 

De acordo com ela, no mundo do trabalho hoje há uma rápida retirada de direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora ao longo de enfrentamentos históricos. Tal fato pode ser evidenciado pelos números apresentados por Kênia, coletados a partir de pesquisas publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontam mais de 25 milhões de desempregados no país, sobretudo após o processo de flexibilização do emprego sancionado pelo Legislativo e o Executivo em 2017.

Ela citou as demissões que as instituições Estácio de Sá e Universidade Castelo Branco promoveram de uma única vez, sem garantia de aviso prévio e outros direitos aos docentes da rede. "Temos organizado muitas lutas contra as políticas de desmonte da Educação Pública, mas, é preciso admitir que também temos sido derrotados na medida em que a mercantilização avança sobre esse setor", disse a professora, que também é autora do livro "Lutas por educação no Brasil recente: o movimento docente da educação superior" – fruto de sua tese de doutoramento recentemente publicada pela Eduff.

Ao investigar o cenário contemporâneo, Kênia detecta o rápido processo de precarização da categoria, pois ao longo de sucessivos governos, a Educação tem sido cada vez mais atrelada ao mercado financeiro, com professores expostos a condições de total vulnerabilidade em relação à proteção ao trabalho, às necessidades materiais para a realização de suas tarefas – o que tem gerado, inclusive, o adoecimento em massa da categoria. 

Kênia também criticou o aumento dos investimentos públicos nas redes privadas, que, como disse, não aconteceu sem o braço do Estado. O governo disponibilizou esses recursos para financiar uma expansão precarizada e permitir o avanço das empresas privadas nesse “nicho de mercado”.  A docente lembrou que o processo de sucateamento das Universidades Públicas ocorreu ao longo de várias décadas, mas que, apesar de ser reflexo de uma política fomentada por governos anteriores, se aprofundou de forma contundente durante o governo de Michel Temer, que promoveu grande asfixia financeira no setor, inclusive afetando áreas consideradas estratégicas no campo da produção científica no país. “Notícia recente aponta que pesquisadores não poderão ir para a base brasileira na Antártica por falta de recursos públicos”, disse.

“Farsa em andamento”: a EAD e o monopólio empresarial na formação docente

De acordo com Kênia Miranda, um dos vetores dessa política educacional que quantifica o estudante pelo número de matrícula e não pelo potencial de uma formação crítica, está no modelo da EAD - Ensino a Distância - processo que, como ressaltou, contribui para a precarização da força de trabalho. "Na UFF, 37% das matriculas se dão na forma de EAD e nem todos os cursos dessa modalidade são gratuitos", explicou, dialogando com a pesquisa de Olinda Evangelista, sua colega expositora na mesa de debate.

Evangelista integra um grupo na Uoesc que investiga o processo de formação do docente entre os anos de 2003 e 2015: em que locais os professores estudam e adquirem bagagem para atuarem em sala de aula na rede básica. "A formação docente ocorre predominantemente na esfera privada na modalidade EAD; objeto de estudo complexo", ressaltou a pesquisadora, enfatizando que a explosão desse movimento foi impulsionada pelo governo Lula. “Há um processo novo na formação docente, que é a concentração de matrícula e de formação nas instituições financeirizadas. Atualmente, mais de 70% dos professores são formados na esfera privada”, disse Olinda.

A docente apontou crescimento exponencial nas matriculas em EAD, principalmente a partir de 2007, enfatizando que nos últimos anos criou-se sólido monopólio nessa área, tendo a frente o grupo Kroton, que está à frente das marcas Anhanguera e a Unopar. “A Kroton é a maior empresa do mundo em número de matrículas EAD e domina o mercado das seis maiores empresas. Quase 20% desse mercado pertencem a ela, que tem tantas instituições que não conseguimos juntar todas ainda para contar quantas são”, revelou Olinda.

De acordo com a palestrante, os professores que atuam em EAD, em maioria, estão sob o regime precarizado de contratos temporários – o que se dá de forma ainda mais evidenciada em disciplinas e áreas mais penalizadas, como Língua Indígena e Libras, por exemplo. “Trata-se da destruição da população em seus extratos mais empobrecidos ou da classe trabalhadora”, afirmou a pesquisadora. Ela aponta ainda que a maior parte desse corpo docente precarizado é jovem, formado na EAD e sem piso salarial. Além disso, está endividado pelos juros das parcelas do curso de formação superior.

Para Olinda, há uma nova concepção do papel do professor sendo ditada pelas diretrizes empresariais que dirigem a Educação no país, que pregam que esse profissional abandone a reflexão sobre o sentido político do seu trabalho e que seja o protagonista de sua própria alienação. “Existe uma farsa em andamento. Há um discurso de que a Educação tem papel central para o desenvolvimento de um país, mas o que vemos é processo contraditório de degradação central da formação docente e de desqualificação do professor”, disse, denunciando uma gama política que quer alienar esse profissional de seu papel crítico e emancipador.

"Especialmente nesse momento em que o Brasil vive, nossa pesquisa não é só a tentativa de entender o que se passa na formação docente no país, mas também se revela um ato de engajamento e de militância", desabafou.

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco/ Aduff-SSind.

 

Professoras analisam aumento da precarização do trabalho e formação docente / Luiz Fernando Nabuco/ Aduff-SSInd

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