Mar
17
2017

Ao levar multidões às ruas, 15M expõe impopularidade das ‘reformas’ de Temer

Mobilização que levou centenas de milhares às ruas nos protestos de 15 de março derruba discurso do governo de que a população é a favor das ‘reformas’ da Previdência e Trabalhista
DA REDAÇÃO DA ADUFF
Pode haver controvérsia nos números. Precisões em eventos assim são sempre pouco prováveis. Mas as imagens comprovam que o dia nacional de protestos e paralisações contra a ‘reforma’ da Previdência reuniu multidões nas capitais do país e mesmo em muitas outras cidades. É seguro dizer que centenas de milhares foram às ruas, na quarta-feira (15), em manifestações chamadas por todas as centrais sindicais, frentes políticas, sindicatos, movimentos sociais e organizações da juventude. A expressiva adesão às paralisações em muitos setores, a participação de várias categorias, com destaque para setores da educação e da área de transportes, e as dimensões dos protestos podem dar um impulso à mobilização unificada em construção para barrar a ‘reforma’ da Previdência.
Os dois maiores atos ocorreram em São Paulo e no Rio. Na capital paulista, as estimativas geram em torno das centenas de milhares – as avaliações em geral oscilam entre 200 mil e 300 mil pessoas na av. Paulista no 15M. No Rio, manifestantes estimaram que cerca de 100 mil tomaram as ruas. Outros cálculos, mais tímidos, indicam que algo entre 40 mil e 60 mil estiveram na av. Presidente Vargas, a principal do Centro da capital fluminense – o que não deixa de ser muita gente e é suficiente para colocar a passeata contra a ‘reforma’ da Previdência provavelmente no topo dos protestos já realizados no Estado do Rio desde os gigantescos atos de junho de 2013.
Seja como for, ocorreram manifestações maiúsculas pelo país afora, as maiores já realizadas desde que o presidente Michel Temer (PMDB) assumiu o governo, em meados do ano passado. E que demonstram que além da insatisfação ser grande, a reação por parte das categorias profissionais e da população em geral já ganha corpo e envergadura que o governo e o Congresso Nacional não têm como desprezar.
A impressão que fica é que a frase, muito usada na campanha, “Reaja ou trabalhe até morrer” parece estar sendo assimilada por muitos. “A gente está vivendo uma situação dramática, nunca vi um ataque como esse em toda a minha vida”, disse, à reportagem, o servidor federal Fernando Camacho, enquanto aguardava com colegas a saída da passeata que caminharia da Candelária à Central do Brasil, percurso de quase dois quilômetros no centro da cidade.  “Não tem nada perdido, as pessoas estão vendo que essa reforma têm uma relação direta com a vida delas e podem reagir”, observou o servidor.
Meios de comunicação
Parte considerável dos meios de comunicação empresariais boicotou ou minimizou os protestos. O portal de notícias de maior acesso do país – o UOL, ligado à “Folha de São Paulo” – não trazia nenhuma referência em sua página de abertura nas primeiras horas da manhã desta quinta-feira (16). Mas até isso parece sinalizar que o impacto da mobilização foi grande e levou temor a setores do empresariado das comunicações favoráveis às ‘reformas’ previdenciária e trabalhista. “Os protestos foram significativos e o governo não terá como ignorá-los”, disse a jornalista Renata Lo Prete, na noite da quarta-feira.
A demonstração de força dos movimentos que se opõem à Proposta de Emenda Constitucional 287, apontada por eles como algo próximo ao fim do acesso do trabalhador brasileiro à aposentadoria, ocorre no momento em que o Palácio do Planalto já dá sinais de dificuldades para aprovar o projeto. Na véspera, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chamou jornalistas para apresentar números que tentam comprovar que a seguridade social, e não apenas a Previdência, possui um déficit bilionário em suas contas.
Evidentemente porque o Planalto avaliou não haver outra saída, Meirelles, o homem forte da economia, acabou deixando transparecer que o governo acusou o golpe e teve que se contrapor aos que argumentam que os números do déficit são fabricados. O discurso que contesta o rombo alardeado pelo governo ganhou força nas últimas semanas com uma série de debates e estudos divulgados por meio de notícias e vídeos que circulam nas redes sociais. Reflexo de um movimento que consegue superar a exclusão total das vozes destoantes dos ‘especialistas’ favoráveis à reforma nos meios de comunicação comerciais, como as TVs Globo, SBT e Record.
Propaganda
Para coroar o êxito das manifestações e piorar o humor da cúpula do questionado governo Temer, o dia mal começava na quarta-feira (15) quando circulou a notícia de que a Justiça Federal em Porto Alegre (RS) havia determinado a suspensão da propaganda oficial do governo favorável à PEC 287. A decisão foi tomada com base em ação movida por um grupo de sindicatos gaúchos.
Para além disso, todo esse longo 15 de março transcorreu em meio à divulgação dos primeiros nomes de autoridades que constam na lista que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal por suposto envolvimento na corrupção investigada pela Operação Lava-Jato. Com ministros e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), confirmados, a lista atinge em cheio o governo do presidente Michel Temer e a cúpula de políticos encarregados de comandar a aprovação das ‘reformas’ no Congresso Nacional.
Defesa da greve geral
Embora já desse sinais na véspera de que seria uma data forte de mobilizações, o chamado 15M surpreendeu. Foi além das previsões otimistas. E tornou mais palpável outro lema divulgado em cartazes que convocavam as manifestações: “Ou param as reformas ou paramos o país”. A defesa de organizar uma greve geral para enfrentar tais projetos ganha mais consistência e ares de ser factível.
A questão é que alguns setores sindicais demonstram resistência em chamar a greve geral. Há ainda que se definir os próximos passos conjuntos desse calendário de mobilização. O Fórum Nacional dos Servidores (Fonasefe) e centrais sindicais haviam apontado uma marcha a Brasília para 28 de março, data inicialmente prevista pela cúpula da Câmara para votar o relatório da PEC 287 no primeiro turno em Plenário. No dia 28, porém, o parecer não terá sido apreciado sequer na comissão especial que trata do assunto – e isso, aliás, não deixa de ser uma vitória do movimento contra a proposta. Não está definido, ainda, o que se fará com relação à marcha e à própria data de mobilizações.
Chega-se, portanto, e de certa forma precocemente, a um momento cujos desdobramentos podem ter enorme peso para o desfecho dessa luta. Ficou evidente, após o 15M, que nada está previamente definido. O sucesso dos protestos tende a desencadear novas reações do governo – mesmo que Temer insista em aparentar ignorá-los e mantenha o seu discurso, desamparado da realidade, de que a sociedade brasileira está convencida de que as ‘reformas’ são necessárias. Algo, aliás, que repetiu na quarta-feira (15), enquanto as ruas gritavam o contrário, a uma plateia de empresários.
Não chegará a ser uma surpresa se crescer internamente no governo a ideia de um texto alternativo, com recuos mais ou menos pontuais, na proposta de emenda constitucional que tramita na comissão especial. Nesse aspecto, há desencontros entre as direções dos movimentos que se opõem à reforma – sobre a correção ou não de tentar ‘melhorar’ uma proposta cuja essência é a retirada de direitos. O Fonasefe, fórum que reúne as entidades sindicais nacionais dos servidores federais, tem posição contrária a emendas, assim como o Andes-SN e a CSP-Conlutas. Mas há setores, como algumas centrais sindicais e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que defendem que se trabalhe para aprovar alterações no texto.
O primeiro ato unificado, convocado por todas as centrais e um leque de setores inédito até aqui nesta campanha, deu um recado sem dúvida vigoroso ao governo. Agora, esse movimento precisa crescer caso queira de fato aglutinar forçar para enfrentar e quem sabe barrar as ‘reformas’ de Temer. Não é tarefa fácil, todos sabem. Mas é algo que as ruas sinalizaram, neste 15 de março de 2017, não ser impossível.
DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho