Fev
24
2017

Reitores de federais de todo o país se reúnem no Rio em defesa da autonomia universitária

Seminário promovido pela Andifes foi também ato de desagravo ao reitor Roberto Leher, da UFRJ, e a todas as universidades que estejam sendo alvos de ações do Ministério Público por expressar opinião

DA REDAÇÃO DA ADUFF

“Nos últimos tempos, os ataques à autonomia universitária se intensificaram pelo agravamento da crise econômica e política vigente no Brasil. Várias instituições federais de ensino, entre elas a UFRJ, UFG, Ufes e UFRN têm sofrido intervenções do Ministério Público Federal (MPF) e de diferentes procuradorias. Por isso, a participação das ifes no debate destas questões é extremamente necessária”, ressaltou a presidente da Andifes e reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ângela Maria Paiva Cruz, na abertura do seminário “As prerrogativas da autonomia universitária”, promovido pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais e Ensino Superior, no dia 20 de fevereiro, na Casa da Ciência, no campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O evento também foi um ato de desagravo em nome da autonomia universitária e da liberdade de expressão ao reitor da UFRJ, Roberto Leher, e a então presidente do Centro Acadêmico de Engenharia da universidade, Thais Zacharia, que estão sendo processados pela Procuradoria da República por suposta prática de improbidade administrativa devido à realização do evento “UFRJ em Defesa dos Direitos Sociais, Políticos e Democráticos”, em março de 2016. A representação do Ministério Público Federal está na 21ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro, que tenta caracterizar o evento como “político-partidário”.

A reitoria divulgou uma nota em que afirmava que a “a judicialização, pretendida pela ação do Sr. Procurador Fábio Aragão, confude, deliberadamente, a defesa da democracia e o gozo da autonomia universitária constitucional com ação partidária”. O artigo 207 da Constituição Federal assegura que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.

Durante o seminário, o reitor da UFRJ disse que ainda há muito a ser debatido sobre a materialidade da autonomia universitária, ressaltou a peculiaridade do atual contexto de “anormalidade institucional” no Brasil e problematizou as restrições orçamentárias que inviabilizam, na prática, a autonomia das universidades. “Para além dessas questões, o crime de opinião ou delito de pensamento obviamente nos preocupa não como um elemento de contenda específica, mas como elemento que é constitutivo da universidade. Devemos lembrar que nossas instituições viveram momentos muito difíceis em função da existência do pressuposto de que é possível haver delito de opinião dentro das instituições universitárias. Lembremos o caso da UNB que entre 1964 e 1965 perdeu 80% dos seus professores por motivo distintos de delitos de pensamento, leituras inarpropriadas, linhas teóricas inapropriadas”, ressaltou Roberto Leher.

Convidada a fazer uma fala no seminário, a estudante Thais Zacharia resgatou a figura de Mário Prata, que dá nome ao Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade. Mário Prata também era estudante de Engenharia e foi perseguido e assassinado durante a ditadura civil-militar no Brasil, na luta pela democracia, pela autonomia da universidade e contra o fechamento de seus diretórios e centros e acadêmicos.

“Há muito tempo a autonomia universitária vem sendo ferida para atender a um projeto de sucateamento e privatização das universidades, como foi o caso de tentativa de implementação da Ebserh em nossos hospitais universitárias, em 2013, e como é o caso da situação atual de estrangulamento do nosso orçamento, que não nos permite garantir os serviços básicos dentro da universidade, como o pagamento de água, luz, o pagamento dos terceirizados, a expansão da assistência estudantil e tantas outras coisas que a gente não consegue dar conta nesse cenário. Mário Prata é um exemplo e me faz ter esperança. Os ataques, como é o caso deste processo do Ministério Público Federal contra o nosso reitor, são tentativas de nos desestabilizar e desestabilizar a todos que ousam defender a democracia e a educação pública e gratuita. Precisamos nos unificar em defesa do caráter público da educação”, frizou a estudante.

No seminário, a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, manifestou solidariedade ao reitor da UFRJ e à estudante e ressaltou a importância de resgatar os valores e dimensões da autonomia universitária. “É urgente, necessário e imprescindível retomar aquele debate que fazíamos na época da redemocratização e esmiuçar o conceito da autonomia didático-científica, da autonomia administrativa e também a autonomia de financiamento, que até hoje não alcançamos”.

A professora também contou a situação em que vive na Federal de São Paulo, onde atua como reitora “pro tempore”, ou temporária. Soraya venceu a reeleição para reitoria da Unifesp em novembro de 2016, mas ainda não foi nomeada para o cargo pelo presidente ilegítimo Michel Temer. Primeira mulher a ocupar o posto, ela ganhou nos três segmentos – docentes, técnicos e estudantes, mas sua nomeação está parada no Ministério da Educação (MEC). “É de suma importância que nós, como Andifes, reafirmemos que nossa comunidade tem o poder e o direito de decidir, temos consciência e responsabilidade para tal. Esse deve ser o nosso objetivo; rejeitar qualquer interferência e ingerência de qualquer governo na universidade, em busca da construção de autonomia universitária plena”, finalizou.

A reitora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Maria Valéria Costa Correia, parabenizou a iniciativa coletiva de realização do seminário da Andifes no Rio de Janeiro, “cenário importante da luta em defesa das universidades públicas brasileiras e da própria existência das universidades estaduais” e caracterizou o que acontece na UFRJ como “agressão frontante ao princípio da autonomia, para além do debate da autonomia administrativa, financeira, didático-científica”.

“O que será da universidade se a gente não discutir o que se passa no seu entorno? Se não discutirmos, por exemplo, a PEC 55 que ameaça a própria existência da universidade para os próximos anos? Não somos uma redoma de vidro: é dever da universidade se pronunciar e ser o berço dos grandes debates. Não tem sentido a gente existir enquanto instituição educadora e formadora se não nos colocarmos criticamente e produzirmos pesquisa e conhecimento que contribuam para a sociedade. E é exatamente por isso que o princípio da autonomia universitária tem que estar colado ao princípio de gratuidade, que também está assegurado pela Constituição brasileira”, defendeu.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Lara Abib
Fotos: Seminário ocorrido na UFRJ: desagravo e autonomia – Luiz Fernando Nabuco