Jan
03
2017

Após mobilização de servidores da Fiocruz, Temer decide nomear candidata mais votada

Para trabalhadores da Fundação e Direção da Aduff-SSind, governo ignorou autonomia institucional.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Aline Pereira
Foto:  Reprodução de Internet

Após mobilização da comunidade técnica, científica e acadêmica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – e em meio às críticas de intelectuais, das agências de pesquisa, dos movimentos sociais e dos sindicais – o governo de Michel Temer (PMDB) voltou atrás e decidiu nomear  à presidência da instituição a candidata vencedora do último pleito, ocorrido ao final de 2016. Nísia Trindade Lima, atual vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, foi eleita com cerca de 60% dos votos para o mandato de 2017-2020. A informação foi veiculada nessa terça-feira (3) à tarde pelo jornal “O Globo”. O estado de mobilização na Fiocruz permaneceu até a publicação desse resultado no Diário Oficial da União, o que aconteceu no dia 4 . Eles também questionam as declarações de Michel Temer, que teria condicionado a nomeação de Nísia à participação da segunda colocada – Tânia Araújo-Jorge, pesquisadora e ex-diretora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) – na nova gestão.

A confirmação do nome de Nísia Lima para a presidência da Fiocruz acontece dias após a reação da comunidade da renomada instituição de pesquisa, que repudiou a indicação da segunda colocada pelo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, para o próximo mandato, ignorando o resultado da consulta direta aos servidores da instituição.

Em assembleia da Associação de Trabalhadores da Fiocruz - Asfoc-SN dessa terça-feira (3) os servidores mantiveram o estado de Assembleia Permanente; deliberam pela realização de Ato Público em defesa da democracia e por abraço simbólico ao Castelo Mourisco, em Manguinhos, na próxima quinta-feira (5); nota pública em defesa da indicação da primeira colocada da lista e a convocação de um Fórum Sindical dos trabalhadores da instituição, que acontece dia 9. Existia ainda a possibilidade de ocupação do Castelo, conforme indicado pela assembleia, caso o Executivo ignorasse a decisão soberana por meio do voto, que contou com a participação de mais de 80% dos servidores da Fundação.

Ameaça à democracia

"Não respeitar a decisão das urnas fere a democracia; é grave intromissão à soberania institucional", disse Milton Ozório Moraes – Coordenador Geral Adjunto da Pós-Graduação da Vice-Presidência de Ensino e Formação em Comunicação – à reportagem da Aduff-SSind, pouco antes de ser noticiado que Temer voltou atrás na nomeação de Nísia. “Existe entendimento de parcela relevante da comunidade, de que não respeitar o resultado das urnas é uma ameaça à democracia institucional, sobretudo porque há 25 anos os governos reconhecem a soberania dos processos eleitorais da Fiocruz”, comentou o pesquisador.

De acordo com Milton, muitos servidores que votaram na candidata derrotada defendem que o governo referende o resultado das urnas, apoiando Nísia Lima à Presidência. Ele afirma que a Fiocruz mantém bom canal de diálogo com o Ministério da Saúde e que, independentemente das orientações políticas, as diversas áreas da Fundação trabalham em parceria com os governos, visando o bem-estar da sociedade. “A Fiocruz é uma instituição de renome e de reputação internacional justamente pela capacidade de dar respostas rápidas às epidemias sanitárias, como o caso do recente surto do zika vírus”, considera Milton, ressaltando a complexidade, diversidade e integração da estrutura da Fundação, referência no campo de pesquisa científica. “A única alternativa, de fato, é apoiar a proposta vencedora no pleito interno - qualquer outra não é viável; não tem capilaridade institucional”, argumentou.

Precedente perigoso às instituições públicas

De acordo com Paulo Henrique Scrivano Garrido, Diretor da Asfoc-SN, a Fiocruz é também referenciada pela sua posição combativa em relação às politicas adotadas pelos sucessivos governos. Por meio do sindicato dos trabalhadores tem se colocado contra a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 55, que limita drasticamente os gastos públicos por duas décadas, afetando principalmente áreas como Saúde e Educação. O sindicato e o corpo de servidores defendem o Sistema Único de Saúde – o mesmo que o Ministro Ricardo Barros, pouco depois de empossado, disse que não cabia no PIB brasileiro e deveria ser redimensionado. (VEJA MAIS: http://aduff.org.br/_novosite/noticias/?noticia_ano=2016&noticia_id=6642).

“Entendemos que não respeitar o resultado das urnas é uma forma de retaliação à Fiocruz, por ser instituição altamente qualificada no campo da pesquisa, mas também por ter posicionamento crítico”, afirmou Paulo.

O dirigente sindical afirma que a Asfoc-SN organizou debates entre os candidatos e que defendeu o processo eleitoral. No entanto, enfatiza que a entidade não apoiou quaisquer um dos concorrentes, não participando de campanha. “Nossa luta, nesse momento, é pelo reconhecimento de um processo democrático e participativo, independentemente de quem foi a vencedora do pleito”, explicou à reportagem da Aduff.

Para Paulo Henrique, levar a segunda candidata à Presidência da Fiocruz, por meio de uma “canetada”, poderia abrir um precedente perigoso não apenas para a Fundação, mas para toda instituição pública, ferindo a autonomia historicamente conquistada. “Esse governo ilegítimo não tem o direito de sobrepor à escolha dos trabalhadores”, disse, afirmando que Temer pretende por em curso processos de intervenção e de indicação de cargos, para assim garantir a aprovação de sua agenda com maior facilidade e subserviência.

Solidariedade da Diretoria da Aduff-SSind

“Esse processo na Fiocruz – que é uma das instituições mais importantes no campo da saúde pública, tanto no plano nacional quanto internacionalmente – acende um alerta para a necessidade de defesa da autonomia e da democracia também nas Universidades”, afirma Carlos Augusto Aguilar Junior, diretor da Aduff-SSind e professor do Colégio de Aplicação da UFF – Coluni.

De acordo com Carlos, a conturbada conjuntura brasileira evidencia tensões e ruptura democrática muito séria. “Tal episódio coloca em xeque os processos decisórios dentro das instituições públicas, que estão sob mais essa forma de ataque”, argumentou. “A Diretoria da Aduff-SSind tem a democracia como pilar da linha politica. Qualquer ato que atente contra os princípios democráticos vai ser repudiado por nós. Somos solidários aos companheiros da Fiocruz”, complementou.

************* Texto atualizado dia 10/01/2017, acrescida a informação de que houve a publicação do nome de Nísia Lima, como presidente da Fiocruz, no Diário Oficial da União.