Mar
12
2024

Em Niterói, 8M expõe contradições de uma cidade que só teve 17 mulheres no legislativo em 200 anos

Reportagem da Aduff conversou com manifestantes que participaram da atividade que entregou mensagem à população sobre as lutas do Dia das Mulheres

“Nas ruas pela vida das mulheres e direitos reprodutivos” é o título do boletim distribuído aos passantes, em frente à Estação das Barcas, em Niterói, durante a tarde de 8 de Março – Dia Internacional de Luta das Mulheres. 

O boletim explicita as reivindicações que norteiam a luta por melhores condições de vida para as mulheres na cidade metropolitana do Rio de Janeiro: direito ao aborto legal e seguro; maior representação feminina nas instancias decisórias e políticas; garantia de vagas nas creches e escolas municipais para as crianças; fornecimento regular e eficiente de luz e de água; fim do machismo, racismo e lgbtfobia. 

Niterói possui pouco mais de 480 mil habitantes. Tem ainda um dos melhores percentuais, no Rio e no Brasil, do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – o que não impede a desigualdade, a violência e a falta de políticas públicas satisfatórias para a população em geral e, mais ainda, para as mulheres.

Talvez seja um reflexo do legislativo masculino e conservador, já que em 200 anos de existência, apenas 17 mulheres ocuparam assento naquele espaço, de acordo dados da organização do 8M Niterói. “Na eleição municipal de 2016, dos 700 concorrentes, apenas 235 se declararam como mulheres e, destas, duas conseguiram ocupar um cargo no parlamento”, afirma o boletim panfletado pelas manifestantes na cidade. Elas eram estudantes, técnicas-administrativas e docentes da UFF – entre as últimas, diretoras da Aduff.

De acordo com Patrícia Santiago, assistente em Administração na UFF, dos 21 cargos para vereadores em Niterói, atualmente, somente um é ocupado por uma vereadora, uma mulher trans. “Isso representa o ambiente machista e conservador que vivemos”, considerou.

“Em 2024, ano de eleição, fazemos também um chamado às mulheres para que votem em candidatas de luta, mulheres trabalhadoras, que tão presentes nas manifestações, nas greves; e que, principalmente, sejam mulheres que defendam o feminismo classista, anticapacitista, antirracista, e antilgbtfóbico”, disse Patrícia. 

8M Niterói denuncia privatização da Educação 

De acordo com Patrícia Santiago, é urgente e necessário denunciar o sucateamento da Educação na cidade. 

“Temos pontuado a falta de creches e o fato de aproximadamente três mil crianças estarem fora da escola. Seja na educação infantil ou na fundamental, a Prefeitura oferece como solução um programa chamado “Escola Parceira”, que é uma forma de privatização da educação. As crianças são alocadas e matriculadas em escolas particulares da nossa cidade a partir de convênios entre essas escolas e a prefeitura”, disse Patrícia.

Para ela e para as demais integrantes do 8M, é imperativa a defesa de uma educação que seja 100% pública, gratuita e de qualidade.

Água tratada e luz para todas

Outras reivindicações do 8M em Niterói dizem respeito às soluções eficazes para ausência de fornecimento de luz e de abastecimento de água, principalmente nas periferias.

A organização do 8M denuncia o quanto a falta de energia elétrica e de água altera a rotina das mulheres, em especial, por serem elas, maioria das vezes, as principais responsáveis pelo cuidado com o lar e a família.

“A falta de água tratada na torneira tem comprometido a saúde de muitas e dos seus, quando ainda mais grave diante da precarização do serviço de saúde em Niterói”, diz o boletim produzido pelas organizadoras do 8M. 

Aborto legal e seguro: pelo direito de decidir

Para Bernarda Thailania Gomes, coordenadora de Administração e Finanças do Sintuff - Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFF, 8M é dia de luta e de denúncia. “O 8M não é um dia de flores, é um dia de luta para manter os direitos que nós já conquistamos até aqui e conquistar novos direitos”, defendeu.

Entre eles está o direito ao aborto legal e seguro. Ela lamenta o fato de a prática não ser amplamente legalizada no Brasil. “Penaliza principalmente as mulheres pobres e negras, porque quem tem dinheiro pode pagar um aborto. Essa é a realidade, é a criminalização dos corpos negros, de mulheres negras. É tirar o nosso direito ao nosso corpo, é tirar o nosso direito de decidir”, disse.

De acordo com a sindicalista, o índice de mulheres que morrem por fazer aborto de forma insegura é altíssimo no Brasil e não há política que realmente ampare essas mulheres. “Muitas mulheres, quando precisam de ajuda, são negligenciadas, humilhadas e denunciadas”, diz.  

Outro tema que é de extrema relevância, segundo Bernarda, é o combate ao assédio. “O número de mulheres que são assediadas e violentadas é crescente e o Brasil é um dos campeões da violência contra a mulher. O número de feminicídio vem aumentando muito ao longo dos anos, pois os nossos corpos são sexualizados e explorados. Além disso, ainda nos tiram o direito de decidir, o direito ao nosso próprio corpo, os que são mais violados e assassinados”, disse Bernarda.

'Um dia de luta e reflexão'

Para a professora Gelta Xavier, da Faculdade de Educação da UFF e ex-dirigente da Aduff-SSind, o 8M é uma data de luta, mas também de reflexão sobre a sociedade e as transformações no mundo pelas quais deve-se lutar ao longo da vida. "O 8 de Março acaba sendo a data para onde convergem as reflexões, a avaliação do que nos cabe como mulheres, o que nós fizemos para acrescentar", disse, ao dar uma pausa na panfletagem em frente às Barcas. 

Mencionou que é mãe de duas filhas mulheres e um filho homem e que esse debate precisa se dar nas ruas, nas lutas da classe trabalhadora e, também, dentro de casa. Para a professora da UFF, é preciso defender com orgulho os direitos das mulheres serem quem desejarem ser, do direito ao prazer à luta pela igualdade no trabalho, pelo fim de toda e qualquer violência tão presente numa sociedade machista e capitalista.

Pluralidade do 8M

Letícia Rodrigues, estudante em Licenciatura em Ciências Sociais na UFF, sinalizou a importância e abrangência do 8M depois de anos de governo alinhado à extrema direita. “Acho que esse 8M é muito significativo, depois dos anos de governo Bolsonaro; é uma retomada em outra conjuntura”, afirmou.

De acordo com ela, as pautas feministas são importantes porque incidem na realidade cotidiana de todas. “Vamos falar sobre o preço do pão, da passagem, mas vamos falar ainda sobre a falta de políticas públicas para as mulheres”, disse.

Para a estudante, o 8M é uma força contra o machismo, o racismo, o capacitismo, a lgbtfobia e outros tipos de violência. Está no cerne das lutas antiproibicionistas e antimanicomiais. “É sobre as mulheres que cuidam de todo mundo e também sobre as mulheres lésbicas, trans, travestis”, lembrou a jovem que integra o Diretório Acadêmico de Ciências Sociais da UFF, o DACS, e que já esteve diretora de Assistência Estudantil na União Estadual dos Estudantes. 

Colega de Letícia, a graduanda Ariela Nascimento considera que o 8M é mais que uma data de celebração às mulheres. “O que se vê hoje é um movimento muito consolidado que defende a vida das mulheres em diversas áreas de atuação política”, afirmou.

Segundo a estudante, que é uma mulher trans, não é possível, na atualidade, discutir e pensar o 8M sem a presença e a pluralidade que envolve o ser mulher. “O 8M que defendemos e acreditamos demarca um compromisso com a luta feminista que também coloque na centralidade a vida de mulheres trans e travestis, das mulheres negras e pobres”, complementou.

Mulheres negligenciadas pelo poder público em Niterói

Para Maria Cecília Castro, professora do Colégio Universitário Geraldo Reis (Coluni/UFF) e presidente da Aduff-SSind, a vida das mulheres tem sido negligenciada em Niterói. “Temos medo, medo da violência, dos abusos e dos estupros”, diz.

De acordo com ela, a cidade, que tem um dos maiores custos de vida no país e elevada arrecadação de impostos, vem se mostrando insegura às mulheres. “Queremos o direito à vida de todas: trans, negras, com deficiência. E não só às mulheres, mas também aos filhos e às filhas dessas mulheres”, defende.

Segundo a presidente da Aduff, os direitos à educação, à saúde e à qualidade de vida estão ameaçados, conforme denunciam sistematicamente os sindicatos e outras organizações sociais e populares.

“Gostaríamos que o 8M fosse um dia de alegria e de festa, mas ainda é preciso ser um dia de luta. E vamos continuar nas ruas, reivindicando nosso direito à cidade, nosso direito às políticas públicas. Queremos uma devolutiva do Estado, daquilo que contribuímos e do que é nosso direito”, disse Maria Cecília, que é moradora de Niterói.

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Fotos: Luiz Fernando Nabuco

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