Jun
19
2024

Carta à comunidade acadêmica da UFF: Contra as intervenções da reitoria na greve unificada e em defesa do direito ao protesto

Veja a íntegra da Carta do Comando Unificado de Greve da UFF - que reúne os comandos da Aduff, Sintuff e DCE - à comunidade acadêmica da UFF: Contra as intervenções da reitoria na greve unificada e em defesa do direito ao protesto

A greve na UFF assume hoje um caráter unificado, com a coordenação de ações entre estudantes, técnico-administrativos e docentes. Convergimos na avaliação de que essa greve é legítima e necessária e de que as pautas em torno de uma educação pública, gratuita e de qualidade são urgentes.

A greve foi aprovada em assembleias por meio de um processo democrático e com ampla participação dos segmentos. No entanto, desde o começo da greve, nos deparamos com uma postura dúbia da reitoria. Em nota lançada no site da universidade no dia 30 de abril, a atual administração afirma reconhecer nossas demandas e a legitimidade da greve. Ao mesmo tempo, traz ideias como a de que a greve “implica tanto direitos quanto responsabilidades” e a de que existe o direito de fazer greve e o de não fazer greve, em pé de igualdade. 

Esse discurso, embora pareça imparcial, busca esvaziar a greve de seu sentido confrontacional e disruptivo, isto é, faz parecer que a greve é uma brincadeira em que participa quem quer e que não pode ir longe demais. Ao contrário, a greve é um instrumento histórico de luta e pressão que só funciona com a produção de incômodos, ainda que limites devam ser definidos, de maneira consciente, por quem a organiza. Ou seja, aquela nota dava indícios de que teríamos uma movimentação institucional contra a greve, ainda que dissimulada.

No dia 2 de maio, nova nota da reitoria sobre a greve expressava seu “compromisso inabalável com os valores democráticos e o respeito aos direitos individuais e coletivos”. Novamente, uma aparente imparcialidade. Esse segundo pronunciamento, porém, foi mais explícito e repudiou a “tentativa de impedir a livre circulação nos campi”, numa clara alusão a iniciativas em curso, como as ocupações de prédios. 

Na verdade, essa nota surgiu como resposta da administração à denúncia feita pelos movimentos grevistas sobre uma desocupação violenta. O texto inclusive questiona se a denúncia publicizada estaria de acordo com a “verdade factual”. Nesse momento a reitoria dá um passo adiante e se contrapõe às mobilizações grevistas, instaurando um clima de medo e de possíveis retaliações.

O clima de medo autorizado pela reitoria se materializou posteriormente em falas no Conselho Universitário (CUV) do dia 8 de maio, com a sugestão de que a administração se valesse de meios institucionais para enfrentar movimentos de ocupação. De forma mais ou menos explícita, seguiu-se uma tentativa de caracterizar a mobilização política dentro da universidade como violenta. É preciso frisar: a acusação de que um movimento é violento se mostra historicamente como uma estratégia de criminalização do protesto. Além disso, a remissão ao “direito de ir e vir”, evocada nessas falas, é um instrumento retórico recorrente de atores reacionários que se opõem a táticas de luta como as manifestações de rua. Em conjunto, essas tentativas de deslegitimação do movimento grevista se concretizam como um ataque para promover o seu esvaziamento.

Do mesmo modo, foi com vistas a esvaziar politicamente a greve da UFF que a administração se adiantou e apresentou, via Pró-reitoria de Graduação (ProGrad), uma proposta relativa ao calendário no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx) do dia 15 de maio. Essa iniciativa foi uma reação à demanda do movimento unificado de greve pela suspensão do calendário. A proposta da reitoria lança mão de uma série de iniciativas que, na prática, tornam o semestre 2024/1 optativo e funcionam como uma contenção aos incômodos imediatos da greve, ao passo que produzem dois calendários distintos dentro de um mesmo semestre. Vale ressaltar que a suspensão do calendário da UFF já foi realizada em greves anteriores, especialmente na greve nacional de 2012, o que significa que é uma decisão da atual gestão não apoiar o movimento grevista de 2024.

Em realidade, essa proposta se soma a uma série de medidas demagógicas lançadas pela reitoria em semestres anteriores como forma de propagar uma suposta inclusão democrática enquanto atenta contra os princípios pedagógicos das disciplinas. Novamente, a preocupação não é pedagógica, e sim política. Em nota publicada no dia 16 de maio, a administração defende sua proposição como forma de “preservar garantias fundamentais para a permanência dos estudantes e para a garantia dos direitos de docentes e técnicos na universidade”, deixando subentendido que o pleito grevista atenta contra a permanência de estudantes e o direito de “não greve” de técnicos e docentes. Com essa campanha feita pelos meios institucionais, a medida terminou aprovada pelo CEPEx no dia 29 de maio.

Em 5 de junho, mais um ataque ao movimento grevista partiu dos conselhos superiores: o CUV aprovou a moção “Pela democracia e contra a violência, pela paz no campus”. O título inofensivo esconde um conteúdo beligerante. Essa monção identifica o crescimento da intolerância e da violência entre a comunidade acadêmica da UFF (que trata como “campus”). 

Dessa vez, a imparcialidade é sustentada por pouco tempo, e logo aparecem aqueles que são efetivamente considerados intransigentes e violentos: os grevistas dos três segmentos. O texto caracteriza como “atos de violência” a ocupação de unidades de ensino e a “distorção de fatos”, coadunando com o discurso da reitoria de que o movimento grevista unificado é agressivo e falta com a verdade. Como notado por um conselheiro na ocasião, essa monção nada mais é do que uma tentativa de criminalização do protesto. Assim como nos casos anteriores, dilui o ataque ao movimento grevista em um alegado reconhecimento da justeza de nossas demandas e legitimidade da greve.

Escrevemos essa nota como forma de evidenciar à comunidade acadêmica que há um movimento coordenado da reitoria pela desmobilização da greve, com tentativas de desmoralização, boicote e criminalização. Encadear esses acontecimentos nos ajuda a perceber que a fachada democrática da atual administração contrasta em muito com sua posição, essa sim agressiva, de ataque ao movimento grevista. Permanecemos abertos ao diálogo, como estivemos desde o início, conscientes de que soluções podem e devem ser encontradas na interação entre os segmentos e a gestão. 

Mas não aceitaremos que essa postura insidiosa continue e conte com o nosso silêncio. Demandamos que a reitoria, por todos os seus instrumentos diretos e indiretos, cesse os ataques ao movimento grevista. Por fim, conclamamos aos e às colegas de todos os segmentos que se somem à construção dessa greve, que é justa e legítima - e que, a despeito das tentativas da administração de descredibilizá-la, segue forte, tanto na UFF quanto nacionalmente - para que possamos conquistar uma universidade mais forte e mais inclusiva. Seguimos na luta!

Comando Unificado de Greve da UFF

Niterói, 17 de Junho de 2024

 

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