Jun
17
2024

Rejeição nas ruas, nas redes e na mídia expõe gravidade do projeto que equipara aborto a homícidio

Aduff e Andes-SN participam da mobilização das mulheres contra retrocesso e que ganhou expressão nacional pela rejeição do projeto de lei que teve urgência aprovada na Câmara

 

Manifestação na Cinelândia, na quinta-feira, dia 13 de junho de 2024, contra o projeto que equipara o aborto a homicídio Manifestação na Cinelândia, na quinta-feira, dia 13 de junho de 2024, contra o projeto que equipara o aborto a homicídio / Arquivo Pessoal

Numa rápida reação à ameaça de aprovação sumária do projeto, os movimentos feministas, com apoio de entidades populares e sindicais, pautaram a denúncia do Projeto de Lei 1904/2024, definido como um gravíssimo retrocesso, que o fez ser denominado por opositores de 'projeto dos estupradores'. 

A Aduff-SSind ajudou a divulgar a convocação das manifestações e participou dos protestos, que ganharam peso nas redes sociais e nas mídias e já surtem efeitos, com o governo federal sendo obrigado a se posicionar contra e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarando que, caso passe na Câmara, o projeto terá um trâmite mais lento no Senado.

Os atos realizados no Rio, Brasília e outros estados foram convocados às pressas, diante do que foi apontado pelo movimento como uma manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Em 24 segundos, o parlamentar do Centrão aprovou no Plenário a urgência para a tramitação do projeto, em votação simbólica. Ele alega que havia acordado isso com líderes partidários, no que é contestado por alguns setores contrários à proposta.

Ao contrário das nominais, nas votações simbólicas os votos não ficam consignados, o que de certa forma blinda deputados de desgastes e pressão de suas bases. Os projetos que tramitam em regime de urgência podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar pelas comissões da Câmara.

As primeiras manifestações ocorreram já no dia seguinte à não debatida votação da urgência. Na Cinelândia, no Centro do Rio, centenas de mulheres se reuniram, na noite de quinta-feira, 13 de junho de 2024. Manifestaram o repúdio à proposta, que acrescenta artigos ao Código Penal, equiparando o aborto realizado após 22 semanas de gestação a homicídio. 

Com o mote "Criança Não é Mãe", denunciaram o que definiram como ‘bancada do estupro’: a lista de deputados e deputadas que subscrevem o projeto de lei que equivale o aborto ao crime de homicídio. 

A mudança ganhou forte repercussão, agravada pelo fato de poder levar mulheres que tenham engravidado após sofrer violência sexual a penas de até 20 anos de prisão por interromper a gestação decorrente de um crime. A específicação vale também para quem realizar ou auxiliar no procedimento que leve à interrupção da gravidez. 

O texto é de autoria do deputado evangélico Sóstones Cavalcante (PL/RJ), conta com a assinatura de 32 deputados e ganhou repercussão a partir da movimentação do presidente da Câmara, Arthur Lira, para votá-lo com urgência.

“É de uma misoginia, uma hipocrisia muito grande esse PL. Pra onde estamos caminhando? Pro Conto da Aia?”, questionou Mônica Mitkiewicz, que trabalha com projetos socioambientais, durante o ato no Rio. Referia-se à série que mostra um futuro distópico, no qual as mulheres vivem sob extrema opressão.

O posicionamento do governo em torno do tema, numa semana de certa forma conturbada politicamente para o Planalto, também foi alvo de críticas - isto porque não houve uma orientação das lideranças governistas para contestar o encaminhamento e se opor à urgência pretendida por Lira. “Como disse a Simone de Beauvoir, todas as vezes que a gente tem uma crise política, os direitos das mulheres são os primeiros a serem rifados”, disse a produtora cultural Letícia Gelabert, presente na manifestação na Cinelândia.

Retrocesso


Mulheres da comunidade acadêmica da UFF participaram do ato na Cinelândia - foto: Aquilo Pessoal

Atualmente, o Código Penal prevê detenção de um a três anos para a mulher que aborta; reclusão de um a quatro anos para o médico ou outra pessoa que provoque aborto com o consentimento da gestante; e reclusão de três a dez anos para quem provoque aborto sem o consentimento da gestante. 

Caso o PL seja aprovado, as penas serão de seis a 20 anos após 22 semanas de gestação, inclusive nos casos de estupro. “Às vezes, a menina é violentada antes da primeira menstruação e quando ela descobre que está grávida, já está no terceiro, quarto mês de gestação. E isso [a continuação da gestação] pode matar essa criança”, exemplifica a também produtora cultural Carol Xavier, que considera a proposta um completo retrocesso.

Para Kênia Miranda, diretora licenciada da Aduff-SSind, os atos que ocorreram na semana passada são parte de lutas feministas e antirracistas que vêm sendo fundamentais para se contrapor ao conservadorismo e práticas fascistas - que tentam promover um "gravíssimo ataque ao direito ao aborto legal e seguro".

Ela observa que, no Brasil, cerca de 60% dos casos de violência sexual são cometidos contra meninas menores de 14 anos. "Serão, portanto, as mais atacadas por este projeto da extrema direita. Não à toa, é chamado de 'PL dos estupradores', a imagem das Aias, do Conto da Aia, é símbolo da resistência à política da extrema direita que quer conter os direitos já tão frágeis das mulheres", disse. 

É por conta disso - meninas com até 14 anos formarem a maioria das vítimas de estupradores - que o  mote da campanha é “Criança Não é Mãe”, referindo-se a quem tende a ser mais atingida pela eventual mudança na lei por levar mais tempo para constatar a gravidez e buscar ajuda.

As urgentes manifestações da semana passada iniciam uma mobilização que busca impedir que isso aconteça e que o que já se conquistou retroceda. "Não aceitaremos retrocessos e esta luta é mais uma centelha em nossa luta não só pela derrota do PL 1904, que criminaliza ainda mais o aborto, mas da ampliação ao direito ao aborto em nosso país, a exemplo de tantos países", defendeu Kênia.

Íntegra do PL 1904/2024 - no site da Câmara dos Deputados https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2425262&filename=Tramitacao-PL%201904/2024


Da Redação da Aduff
Por Hélcio Lourenço Filho

Manifestação na Cinelândia, na quinta-feira, dia 13 de junho de 2024, contra o projeto que equipara o aborto a homicídio Manifestação na Cinelândia, na quinta-feira, dia 13 de junho de 2024, contra o projeto que equipara o aborto a homicídio / Arquivo Pessoal

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