No ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemora quatro décadas de existência e atuação relevante pela terra, pela Reforma Agrária e pela luta de classes no Brasil, ocorreu o debate "Questão Agrária, Climática e Ambiental no Brasil", na Universidade Federal Fluminense, na noite de 25 de abril.
Na ocasião, Gustavo Seferian (presidente do Andes-SN e professor da Universidade Federal de Minas Gerais) e Paulo Alentejano (docente da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que representou o MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) participaram da roda de conversa organizada pela direção e pelo Grupo de Trabalho em Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) da Aduff.
O evento integrou as atividades da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) e de mobilização da greve docente na UFF, que terá início a partir da segunda-feira, dia 29 de abril.
Paulo Alentejano enfatizou a questão agrária, considerada tema estrutural que precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira, denunciando a hegemonia do agronegócio e a criminalização do MST por grupos financeiros ligados ao setor.
"Agronegócio é uma palavra nova para designar algo que é novo e velho", disse Paulo. Como novidade, segundo ele, se apresenta como resultado de articulação profunda entre agricultura e indústria, que data dos anos 1970 e foi financiado pelo Estado brasileiro; além de estar no cerne da liderança do capital financeiro, catapultada por mecanismos como a 'lei do agro', que permitem investimento em títulos e letras de câmbio do setor.
"Tirando essas duas novidades, o agronegócio é o velho. É o velho por ser herdeiro do latifúndio, que deriva das sesmarias - do período inicial da colonização; é velho porque promove e reproduz a monocultura, introduzida nas origens do período colonial, que se perpetua no Brasil enquanto lógica produtiva. É velho porque prioriza a agroexportação em detrimento da produção de alimento e porque faz a superexploração do trabalho - lá atrás com a escravidão, e hoje com mecanismos diversos, ainda com denúncias de escravidão e com a presença de boias-frias e outros em precárias condições em áreas rurais. O agronegócio é o velho porque promove a devastação ambiental do território brasileiro e seus biomas", disse Paulo.
De acordo com o professor, o agronegócio reproduz a violência como marca para garantir a expansão do setor no território brasileiro. "O agronegócio herda e intensifica esses processos antigos, com aumento da concentração fundiária e expansão da lógica da monocultura - soja, eucalipto, cana, entre outros. A diversidade produtiva e ambiental desaparecem", criticou.
Segundo Paulo, é por isso que a disponibilidade de alimentos básicos diminuiu para a população brasileira. Citou pesquisa que, há dois anos, identificou aumento de insegurança alimentar no país, com 33 milhões de brasileiros passando fome. Além das consequências da pandemia e da redução de políticas sociais, há que se considerar, como dito por Paulo, o efeito do modelo agrícola, do agronegócio.
Veja aqui trecho da fala de Paulo, que denuncia a concentração fundiária no país, apontando ainda a dimensão racial e desigual entre negros e brancos.
Origem sindical está ligada à luta agrária e ambiental
Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN iniciou a intervenção lembrando que, naquela noite de 25 de abril, há 50 anos, portugueses celebravam o final da ditadura salazarista no país com a Revolução dos Cravos. Avaliou ainda a importância de colônias em ultramar, sobretudo na África, como epicentro da luta contra os colonizadores. Celebrou as contribuições de Amílcar Cabral – agrônomo, teórico marxista e africano – apontando a importância da questão agrária como um processo de luta social para a libertação do jugo colonial português.
"Olhar para a Revolução dos Cravos sem perceber o que foi o processo de luta de camponeses e camponesas na África e a problematização da questão agrária no continente africano é passar ao largo de um dos seus principais pontos de erupção e também de enfrentamento. Então, em memória da Revolução dos Cravos, deixo aqui esse marco que também se assenta na discussão agrária e ambiental", afirmou Gustavo.
De acordo com ele, é preciso que os docentes reflitam sobre a crise de civilização histórica posta no tempo presente, que ultrapassa a crise de produção capitalista, industrial, moderna e ocidental, mas também se insere em todas as dimensões de um modo de vida - econômicas, políticas, institucionais, morais e da reprodução da vida social.
Segundo Gustavo, tal crise civilizacional apresenta ainda uma dimensão ecológica, que coloca em risco a perpetuação da humanidade. "Há um senso de urgência e necessidade de enfrentarmos, em todas as dimensões da nossa luta social, a questão ambiental e climática", afirmou.
Para ele, o movimento social de trabalhadores e trabalhadoras, desde o surgimento na Europa, no contexto da modernidade capitalista, há cerca de três séculos, tinha conexão indissociável com o tema ambiental. "É balela a discussão de que é de 50 anos para cá ou de 20 anos ou desde que a Sabrina Fernandes começou a fazer vídeos, que a questão relacionada ao meio ambiente e à luta das e dos socialistas em nosso tem uma conexão direta e sociável com o temário ambiental", argumentou.
De acordo com Gustavo, a questão agrária, ambiental e o processo de auto-organização dos lutadores e lutadoras na modernidade estão diretamente relacionados, não só na Europa Ocidental, mas em outras partes do planeta, a exemplo do Brasil.
"A partir das nossas próprias experiências históricas, os sindicatos no Brasil têm os seus primeiros marcos de existência no campo e não na cidade. No desenvolvimento desigual e combinado do modo de produção capitalista, o assalariamento, a contratação da força de trabalho livre em um país de proeminência agrícola qual era o Brasil da virada do século 19 para o 20, vai proporcionar que as formas como concebemos de luta social e organização se deem precocemente no Brasil no campo", considerou.
O presidente do Andes-SN também mencionou o fato de a regulamentação dos sindicatos terem se dado primeiro a partir da organização dos trabalhadores no campo. Clique aqui para assistir momento da fala de Gustavo Seferian, ao apontar que o 'novo sindicalismo' indicado por historiadores e sociólogos têm origem no campo e nas florestas.
Universidade aberta aos movimentos populares
Conforme a mediadora do evento, Jacqueline Botelho – professora da ESS/UFF e dirigente da Aduff-SSind – o debate sobre a Universidade Pública está diretamente relacionado à luta dos movimentos populares. "Não construímos a Universidade Pública sem movimento popular, sem a luta social estar presente neste espaço. Hoje e sempre abrimos espaço para os movimentos populares ocuparem a Universidade e convidamos a comunidade acadêmica a se somar à luta, nas ruas", disse.
Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco