Set
21
2023

Evento do 8M em Niterói debate luta das mulheres pelo direito de decidir sobre quando ter ou não filhos

Atividade preparatória para o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, que terá atos em 28 de setembro, teve a participação da Aduff

“Os direitos Reprodutivos da Mulher e a Saúde Pública no Brasil” foi o tema em discussão, em roda de conversa que compõe a agenda 8M de Niterói, na tarde dessa quarta-feira (20). A atividade foi realizada no Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap) e encerrada com um ato em frente ao hospital, como uma preparação para o 'Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto'’, em 28 de setembro.

O evento contou com o apoio e participação da Aduff, que foi representada por Renata Torres Schittino, professora do curso de História na UFF e dirigente da Aduff. Como convidadas, estiveram a vereadora de Niterói, Benny Briolly (Partido Socialismo e Liberdade); Paula Land Curi, docente do curso de Psicologia na UFF; e Tatianny Araujo, assistente social e integrante da “Rede de Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir”. O debate foi mediado por Josiane Peçanha, pedagoga e professora. 

As participantes exaltaram a realização da atividade no Hospital Universitário Antônio Pedro, considerando a importância da instituição para o atendimento à população de Niterói e adjacências. Enfatizaram a necessidade de ampliar a discussão sobre os direitos reprodutivos das mulheres – o que inclui o acesso à informação sobre saúde e direitos, acesso à contraceptivos, descriminalização e legalização do aborto.

"Ainda estamos sob o efeito do nazifascimo à brasileira e lutamos por uma política mais inclusiva para as mulheres, com a ampliação dos seus direitos", disse Josiane, pouco antes de, em nome da organização do 8M Niterói, manifestar apoio à Benny Briolly. A vereadora é uma mulher transexual, negra, periférica e é a única voz feminina a ter assento no Legislativo da cidade. Na sessão do dia 19, foi repreendida, ofendida e intimidada por políticos bolsonaristas, que questionavam suas vestimentas.

"Querem inibir as mulheres e impedir que elas estejam em espaços de poder", disse Josiane antes de passar a palavra à convidada.

De acordo com Benny, Niterói ainda não provê a devida assistência às mulheres, sendo as mais prejudicadas aquelas que são negras e ou moram em áreas marginalizadas.

A parlamentar contou sobre algumas ações que tem liderado a partir do papel em que ocupa na cidade. Entre elas a campanha contra a pobreza menstrual, com distribuição gratuita de absorventes na rede municipal; a criação de um Grupo de Trabalho de Combate à Violência Obstétrica e da Frente Parlamentar de Violência Obstétrica; a Semana de Amamentação; a Roda de Gestantes para esclarecer e acompanhar às futuras parturientes, entre outras ações. Destacou ainda a luta para aprovar, em Niterói, um Projeto de Lei pela Humanização do Aborto - aquele que já está assegurado pela legislação vigente, com formação e capacitação de profissionais de saúde.

Professora do curso de Psicologia na UFF, Paula Land afirmou que os direitos reprodutivos das mulheres estão sendo constantemente violados e que é preciso pensar em estratégias para levar a discussão de forma mais ampliada à sociedade, nos diversos espaços em que se transita. "Gosto de pensar o assunto em dois grandes eixos: político-jurídico e outro que é o da saúde, mas esses setores não conversam", disse.

Ela criticou o fato de a maternidade ter sido condicionada a todas as mulheres, como se fosse um destino e não uma escolha. Também defendeu o direito ao aborto como uma política pública, alegando ser preciso pautar o debate sobre objeção de consciência e a violência obstétrica em mulheres que estão em situação de abortamento. 

Para ela, a discussão sobre direito reprodutivo no Brasil pressupõe informar, disponibilizar os métodos contraceptivos e ter como premissa que nenhum deles é 100% eficaz. A autonomia de decidir - se quer ter filhos, quando quer ter filhos e com qual espaçamento entre uma gestação e outra - é uma questão para a mulher e não para as instituições que legislam sobre o corpo da mulher.

"Fazer esse deslocamento não é simples, porque existem vários poderes que historicamente vão forjando nossos corpos. Falar de direito reprodutivo é colocar em cena a autonomia da mulher, mas é falar de uma história que é contada em uma cultura do estupro", considerou a docente, que lembrou a laicidade do Estado.

De acordo com Tatiany Araújo, o Brasil é um país fundado em bases racistas e patriarcais. E é preciso estar atento às inúmeras tentativas de retirar direitos conquistados historicamente por setores minoritários, à exemplo da proposta que tenta impedir o casamento homoafetivo.

Segundo ela, o debate sobre a descriminalização do aborto no país ainda é um tabu devido ao conservadorismo e a hipocrisia de alguns setores sociais, que o condenam a interrupção voluntária da gestação a partir de referenciais morais e religiosos. Nesse sentido, o aborto deve ser tomado como uma questão de saúde pública, pois coloca em risco a vida de muitas mulheres quando ele é feito de forma clandestina, sem assistência e informação - o que afeta principalmente mulheres negras e ou pessoas transexuais.

Citando dados da recente "Pesquisa Nacional do Aborto", que tem a antropóloga Debora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB), como uma das coordenadoras do estudo, Tatiany lembrou que uma a cada sete brasileiras entre 18 e 40 anos já fez o procedimento. 

"O Estado que tanto beatifica a maternidade é o Estado que não dá direito a maternidade, seja do ponto de vista de mulheres que não podem ver os seus filhos crescerem, seja por conta de mulheres que não têm direitos sociais para constituir sua maternidade - como creche,

saúde, atenção durante a gestação, acompanhamento durante o parto", disse Tatiany - lembrando o genocídio de crianças e jovens negros e a política de encarceramento em massa.

A assistente social lembrou que o aborto é permitido, no Brasil, quando a mulher foi vitima de estupro ou quando a mulher tem risco de morrer. No entanto, a leitura que se faz da prática é moralizadora e o Estado não protege as mulheres que estão expostas às inúmeras violências. Entre elas, o estupro - muitas vezes praticado por pessoas próximas à vítima, inúmeras delas menores de idade.

Lembrou que a saúde é uma totalidade, formada por um conjunto de bem-estar. "Precisa ser não só físico, mas emocional, com garantia de lazer, moradia, educação, renda. Há uma série de condicionantes para dizer que temos saúde. Então, o risco de vida tem uma série de condicionantes. E o psicológico está muito colocado", defendeu.

Para Renata Torres Schittino, a iniciativa foi muito positiva. "As palestrantes trouxeram um histórico dos diversos projetos de lei relativos à saúde da mulher, apresentando dados significativos sobre uma série de elementos que dificultam, tanto no âmbito médico-hospitalar, quanto no jurídico e social, a efetivação de direitos já conquistados e a ampliação de direitos", avaliou.

Para ela, é muito importante que a Universidade seja o espaço de compartilhamento de saberes de pessoas da sociedade em geral, figuras públicas e pesquisadoras na tarefa de refletir sobre essa temática.

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

 

 

 

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