Análise sobre Parecer emitido pelas Câmaras Especializadas do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx) desfavorável ao Projeto de Resolução que propõe a suspensão dos calendários escolar e administrativo do ano letivo de 2024:
O Comando Local de Greve da Aduff solicita análise do Parecer emitido no âmbito do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx) quanto ao Projeto de Resolução que propões a suspensão dos calendários escolar e administrativo por decorrência da greve.
Diante da deflagração e permanência de movimento paredista na Universidade Federal Fluminense, tanto em relação aos servidores técnico-administrativos, quanto aos docentes, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx) tem examinado propostas relativas à alteração ou suspensão dos calendários escolar e acadêmico. No bojo dessas discussões, as Câmaras Especializadas do CEPEx apresentaram parecer contrário, desfavorável, ao Projeto de Resolução apresentado pelo Conselheiro Carlos Augusto Aguilar Júnior, no sentido de suspensão dos calendários.
Veja nota da Assessoria Jurídica da Aduff sobre o Direito de Greve dos servidores e servidoras públicas - clicar aqui
Em resumo, na sua fundamentação, o parecer das Câmaras apresenta posição desfavorável à suspensão dos calendários com base em fragmentos de dois Pareceres de Procuradorias Federais. Tais documentos, contudo, não são analisados de maneira integral ou mesmo nos contextos em que foram elaborados ou quais consequências tiveram.
Faz parte do debate político e acadêmico que sejam apresentadas teses divergentes com fundamentos jurídicos e interpretações também diversas, que buscam seus fundamos em instrumentos jurídicos normalmente distintos, tais como decisões judiciais, doutrina, pareceres, etc.
Entretanto, é importante que, ao usar instrumentos jurídicos para sustentar teses político-administrativas, essas bases jurídicas e normativas sejam corretas, adequadas ao caso e suas circunstâncias, sendo relevante não apenas a referência ocasional e isolada de simples trechos de documentos, mas uma análise mais ampla de adequação, para que os textos (ou fragmentos de textos) reproduzidos não sejam utilizados fora do contexto geral da decisão judicial, da doutrina ou do parecer em questão.
Nesse sentido, observando o Princípio da Moralidade, de caráter obrigatório na Administração Pública, não nos parece razoável ou adequado que as Câmaras Especializadas do CEPEx, ao citarem o PARECER n. 00100/2024/PROJU/PFIFMATO GROSSO DO SUL/PGF/AGU, não observem que este mesmo parecer conclui, em síntese, pela possibilidade do exercício de greve dos professores substitutos, como também pela pela possibilidade de acordo de compensação e, especialmente, que não pode haver distinção de tratamento entre professores substitutos e efetivos. Veja-se:
A forma fragmentada pela qual esse Parecer Jurídico é mencionado pelas Câmaras dá a entender que a posição da PRF/AGU é contrária ao direito de greve do professor substituto. Contudo, essa não é a conclusão do parecer, que registra, em negrito, a inexistência de distinção. Portanto, como assevera a Ementa desse mesmo parecer: exercício do direito de greve por professores substitutos contratados com base na Lei no 8.745/93. Legalidade. Previsão constitucional (CR/1988, art. 9o e 37, VII). Possibilidade de compensação de horas nos mesmos termos dos servidores efetivos.
Ainda, relevante mencionar, naquilo que é o objeto específico de tal Parecer, o indicado em seu item 23:23. De tal dispositivo extrai-se que o acordo é uma faculdade da administração, cujo implemento deve ser avaliado à luz do interesse público. Repisa-se que, a fim de não ocasionar qualquer distinção entre professores efetivos e substitutos em relação ao direito de greve, não há qualquer impedimento, em tese, para a compensação dos dias não trabalhados também em relação a estes. Sendo, contudo, inviável ou impossível a reposição de horário, deverão ocorrer os descontos na remuneração ou mesmo restituição ao erário, esta no caso de haver valores recebidos com impossibilidade de compensação.
É de se destacar, fundamentalmente, que tal Parecer não guarda qualquer relação com o tema específico tratado pelo CEPEx, qual seja, com a discussão sobre a oportunidade e conveniência da suspensão dos calendários escolar e administrativo.
Já com relação a Nota 14/2024/NUMF/ENS- IFES/PGR/AGU, que tem como interessados o Colégio Pedro II, embora sua conclusão seja de fato contrária à suspensão do calendário Acadêmico, faltou, às Câmaras do CEPEx, informar que a referida instituição, o Colégio Pedro II, por decisão de seu colegiado máximo, suspendeu o calendário.
Essa constatação de fato, ou seja, da consequência concreta do mencionado parecer da PRF/AGU, nos recorda que existe uma diferença objetiva entre Parecer e Decisão. Enquanto o primeiro representa uma opinião arrazoada sobre a interpretação do direito, o segundo é o que configura a posição concreta e objetiva de determinado órgão ou autoridade administrativa. Pareceres podem existir muitos, inclusive divergentes, mas Decisão é apenas uma.
E, no caso que ensejou a emissão do Parecer mencionado pelas Câmaras, a decisão fundamentou-se em outros aspectos e concluiu de maneira diversa do que foi apontado pela AGU. Vale enfatizar: sem que exista irregularidade ou ilegalidade.
Além disso, ainda que a posição de tal Parecer tenha sido contrária, o mesmo documento registra é que “possível a convocação de reunião do Conselho Superior em razão do movimento grevista” e que “não há nenhum impedimento legal ao funcionamento dos órgãos superiores”.
Esta Assessoria Jurídica é de entendimento divergente daquele apresentado pela PRF/AGU, uma vez analisados outros aspectos jurídicos relevantes ao contexto de greve, mesmo no serviço público. Em linha com a interpretação registrada em Nota Técnica da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-Sindicato Nacional, é necessário esclarecer que a suspensão dos calendários não se trata de ato unilateral do Reitor, ou da Administração Central. Não se trata, quando bem vista a realidade institucional das Universidades Federais e a forma como as decisões colegiadas são tomadas, de um ato “do empregador”, de nada equiparado a “lockout”.
Isso porque a suspensão do calendário acadêmico depende de prévia aprovação pelos Conselhos Superiores da respectiva Instituição Federal de Ensino, nos moldes de seus Estatutos e Regimentos Internos. Isso não é uma decisão da Administração enquanto empregador. Pelo contrário, se trata de uma deliberação de toda a comunidade acadêmica, na medida em que os conselhos deliberativos que aprovam a medida são formados pelo conjunto dos segmentos da comunidade institucional, nos termos do art. 56 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96).
Importante lembrar, ainda, que eventual decisão colegiada de suspensão dos calendários está abrangida pela autonomia didática- científica, administrativa e financeira assegurada constitucionalmente às Universidades (art. 207, da CF/88), que lhes confere a capacidade de decidir as formas de desenvolvimento de suas atividades letivas, incluindo a forma de execução do calendário acadêmico.
E, também, a suspensão do calendário não fere os princípios da liberdade de ensino e de aprendizado, haja vista a reposição de aulas e atividades ao final no movimento paredista. Problemática seria a situação, em verdade, caso não ocorra a suspensão do calendário. Nesse caso, os estudantes poderão ser prejudicados, já que professores que não aderiram ao movimento paredista farão com que o calendário seja indevidamente estendido, ante o fato de que discentes terão que participar das aulas e atividades por eles ministradas e, posteriormente, terão que participar, também, das aulas e atividades de docentes que aderiram à greve.
Dito de outro modo: a suspensão do calendário não somente é um mecanismo legítimo do exercício do direito de greve, não representa “lockout”, pois se trata de deliberação dos Conselhos representativos da comunidade acadêmica e, ainda, protege estudantes de eventuais constrangimentos sofridos em virtude da continuidade de aulas por professores não grevistas, garantindo, ao final, a possibilidade de um calendário devidamente recomposto de forma uniforme, em atenção ao art. 47 da LDB.
Por fim, vale destacar que insegurança não corresponde à impossibilidade. Ou seja, uma eventual avaliação de que a suspensão dos calendários representa incerteza não implica dizer que esta mesma suspensão seja juridicamente impossível. Ao contrário, sob diversos aspectos ela é recomendável e tem sido implementada por outras IFEs mediante aprovação de seus conselhos superiores.
Por esse momento, é o que temos a anotar.
Carlos Alberto Boechat Rangel OAB/RJ 64.900
Júlio Canello OAB/RJ 167.453