Jun
01
2023

Entrevista: 'Arcabouço é Lei de Responsabilidade Fiscal piorada' e situação do BC 'nega a vida democrática'

Reportagem da Aduff entrevistou o professor da Faculdade de Economia da UFF Victor Leonardo de Araujo. Ele e o professor Fábio Araújo de Souza participaram do debate 'O Novo Arcabouço Fiscal e a Educação Pública' na Aduff

O professor da Faculdade de Economia da UFF Victor Leonardo, durante o debate na Aduff O professor da Faculdade de Economia da UFF Victor Leonardo, durante o debate na Aduff / Luiz Fernando Nabuco/Aduff

Da Redação da Aduff

Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e integrante do Conselho Superior (CUV), Victor Leonardo de Araujo considera o 'Novo Arcabouço Fiscal' que o governo Lula tenta aprovar no Senado Federal, uma 'Lei de Responsabilidade Fiscal' piorada. Vê poucos avanços em relação ao atual 'teto de gastos', previsto na Emenda Constitucional 95 e que vem asfixiando o setor público, e muitos retrocessos. 

O docente também comentou a atual situação de independência do Banco Central do Brasil, que mantém na sua presidência Roberto Campos Neto, um economista indicado pelo ex-presidente Bolsonaro, derrotado nas eleições, e criticado por uma 'injustificada taxa de juros muito alta', há um ano em 13,75%. Para ele, a suposta independência do Banco Central ' é a negação da vida democrática' - por negar a vontade popular nas eleições num cargo responsável por duas das mais importantes políticas macroeconômicas: a monetária e a cambial.

O economista participou do debate promovido pela Aduff na quarta-feira, dia 31 de maio de 2023, ao lado do professor Fábio Araújo de Souza, da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da UFRJ, tendo como tema 'O Arcabouço Fiscal e a Educação Pública'. 

O Sintuff (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFF) esteve representado pela coordenadora Alexandra Primo e a mediação do evento coube à professora Inny Accioly, professora da Faculdade de Educação da UFF e diretora da seção sindical.

Para assistir à gravação do debate, clicar aqui

A seguir, trechos da entrevista concedida ao jornalista Hélcio Lourenço Filho, da equipe de Comunicação da Aduff.

ADUFF: Até que ponto o Arcabouço Fiscal mantém a lógica do teto de gastos?

VICTOR LEONARDO DE ARAUJO: Eu considero que o Novo Arcabouço é uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal. Nas premissas, quando se propõe estabilizar e reduzir a relação dívida/PIB, é por meio de metas de resultado primário. Então, eu vejo muita semelhança, eu entendo que é uma nova 'lei de resultado fiscal', com poucos avanços e muitos retrocessos. Os avanços estão na substituição de uma meta de resultado primário fixa para uma banda de resultados primários e na defesa, digamos, do investimento público, e na existência de um piso de reajuste da despesa primária acima da inflação. E os muitos retrocessos estão na introdução de um limite máximo de expansão da despesa primária de 2,5%. Mas isso em caso de um crescimento muito expressivo da arrecadação. A expansão do gasto público, do governo federal, acima da inflação está condicionado a um crescimento das receitas na razão de 70% – a cada um real a mais arrecadado, o governo pode gastar mais  R$ 0,70, estabelecido o limite de crescimento de 2,5%. Então, acaba sendo uma regra um pouco mais restrita do que a Lei de Responsabilidade Fiscal. É seguramente uma regra melhor do que o Teto de Gastos, da Emenda Constitucional 95, mas ela resgata muitos aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal que não eram sequer para estar aí. E a proposta foi piorada no Congresso Nacional. A proposta, originalmente enviada pelo Ministério da Fazenda, retirava os contingenciamentos, que na verdade são os decretos que a gente chamava de contingenciamento em caso de frustração de receitas, e tornava esses contingenciamentos não obrigatórios. Então, o relator Cláudio Cajado retornou a obrigatoriedade dos contingenciamentos. E ainda incorporou outras limitações, que vão ter que se enquadrar nesse teto superior de crescimento dos gastos de no máximo 2,5%. Então, eu acho que é uma Lei de Responsabilidade Fiscal piorada. Acho que vamos precisar debater, discutir muito e pressionar para que no Senado alguns desses dispositivos que pioraram a Lei de Responsabilidade Fiscal possam ser suprimidos.

ADUFF: Sobre o juros. A discussão sobre a taxa estar elevada: faz cerca de um ano que a taxa está nesse patamar de 13,75%. É muito elevado isso e tem justificativa, como alega o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto?

VICTOR LEONARDOÉ muito elevada, não tem justificativa. A gente não tem evidências na economia brasileira de que o processo inflacionário esteve associado à demanda, mas sim à desvalorização cambial e à política de preços de combustíveis do governo Bolsonaro. Então, a gente teve um choque de custos na economia brasileira. Teve o problema também da energia elétrica. A gente teve na beira de ter um racionamento no último ano do governo Bolsonaro, um racionamento de energia e, a despeito disso, o Banco Central elevou a taxa de juros e a inflação passou a cair a partir do segundo semestre de 2022. Não por causa dos juros, mas porque o próprio governo Bolsonaro, depois, foi forçado, para ganhar competitividade na disputa eleitoral, a desonerar os combustíveis e reduzir o preço. A partir dali a inflação começou a ceder. Hoje, a gente está com uma inflação acumulada em 12 meses, dependendo do mês que você tomar como referência, de 5%. Quer dizer, a gente teve uma desinflação rápida. E à medida que a inflação vai caindo e o Banco Central não altera a taxa básica de juros nominal, a taxa de juros real aumenta. E isso onera muito o investimento, isso onera muito o crédito, isso onera o custo do crédito, [que] fica encarecido nessas condições, e isso dificulta o processo de retomada econômica. A gente está com a economia ainda estagnada, o processo de retomada é muito difícil e ele fica obstruído com essa taxa de juros de 13,75%. O Banco Central precisava não só começar a reduzir, mas provocar uma redução rápida, porque isso é um outro problema. No Brasil, quando a taxa de juros começa a cair, é em doses sempre muito homeopáticas e lentas. E a lentidão com que normalmente as taxas de juros caem é incompatível com as necessidades da retomada. Então, não só está alta, precisa reduzir e precisa reduzir com rapidez.

ADUFF: Mesmo mantendo a taxa de juros nesse patamar, com a perspectiva da inflação caindo significa que, mesmo sem aumentar, cada decisão do Cupom que mantém essa taxa vai estar, na prática, aumentando a taxa de juros, então…

VICTOR LEONARDO: É a taxa de juros real. Porque você tem um conceito da taxa de juros nominal e você desconta a inflação para chegar na taxa de juros real. Então, se a inflação está caindo, mas a taxa de juros nominal é estável essa diferença vai aumentando. Então, a taxa de juros real aumenta. Não é a taxa nominal, é a taxa de juros real que é o preço importante. Então, com a inflação em queda, se o Banco Central demora a reduzir a taxa de juros nominal, a taxa real está subindo.

ADUFF: O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse num debate na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que o rentismo, que é tanto criticado, reuniria no Brasil 40 milhões de rentistas. Chegou a falar uma frase assim: ‘Somos todos rentistas’. O que você acha dessa definição que ele faz? 

VICTOR LEONARDO: Ele cita um número, mas não mostra qual é a composição dos rentistas. Certamente, entre esses 40 milhões, você tem um número muito restrito de ricos ou milionários que se beneficiam muito mais do que o pequeno poupador. A pessoa, ao longo de 20 ou 30 anos de vida laboral, pode ter acumulado uma pequena poupancinha e aloca em títulos públicos. Então, se beneficia. Mas é completamente diferente do benefício do grande aplicador, de quem tem milhões, quem sabe bilhões em dívida pública. A ideia de que somos todos rentistas e todos se beneficiam é uma bobagem. O benefício maior continua concentrado nos grandes ricos e milionários, em quem está no topo da pirâmide da distribuição de renda. O 0,1% da população mais rica certamente se beneficia, porque 13,75% de quem tem milhões significa uma massa de recursos muito maior [em comparação ao pequeno poupador].

ADUFF: Há uma discussão sobre a autonomia ou a suposta autonomia do Banco Central com um presidente que foi nomeado pelo governo passado. Qual a sua opinião sobre isso e qual a importância do Banco Central e dessas definições sobre taxa de juros, essas definições econômicas, para qualquer governo? Qual o impacto disso na vida, na sociedade, na administração pública ou até mesmo no próprio funcionamento das universidades, digamos assim?

VICTOR LEONARDO: O Banco Central é responsável por duas das mais importantes políticas macroeconômicas instrumentais, que são a política monetária e a política cambial. Então, em primeiro lugar, dada a importância que essas duas políticas têm na vida econômica, o Banco Central não deveria ser independente, porque essas duas políticas não devem ser apartadas das decisões democráticas. Se a sociedade toma uma decisão democraticamente por meio do processo eleitoral, se ela decide por uma política monetária e cambial que seja capaz de estimular o crescimento - eu estou falando monetária e cambial, porque a taxa de juros afeta a taxa de câmbio -, se a sociedade toda decide por uma política monetária que seja indutora do crescimento econômico, da geração de empregos, não faz sentido ter um Banco Central independente, que caminhe em direção oposta. O Banco Central independente é a negação da vida democrática. Qualquer órgão responsável pelas políticas instrumentais, fiscal, monetária, cambial não deve ser independente porque faz parte da democracia que a sociedade aponte os caminhos que ela deseja e essas políticas podem viabilizar ou interditar o maior crescimento econômico. E isso, claramente, afeta a vida das universidades, porque quando a economia cresce mais, ela pode arrecadar mais recursos que podem ser direcionados para os investimentos em Educação. Então, quando o Banco Central executa uma política que obstaculiza o crescimento, isso afeta toda a sociedade em seu conjunto e as universidades, em particular.

O professor da Faculdade de Economia da UFF Victor Leonardo, durante o debate na Aduff O professor da Faculdade de Economia da UFF Victor Leonardo, durante o debate na Aduff / Luiz Fernando Nabuco/Aduff

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