Jul
24
2013

Cabral cria comissão que investiga vandalismo e prevê quebra de sigilo

Não bastasse à perseguição aos comunicadores alternativos, alguns chamados “mídia ninja”, que transmitem ao vivo às manifestações que ocorrem na cidade do Rio de Janeiro, presos e acusados “de incitar a violência” pela Polícia Militar. Não bastasse o número incontável de detenções arbitrárias, sem qualquer motivo, durante os protestos. Não bastasse a truculência da PM que se utiliza de violência gratuita e práticas que beiram o sadismo para supostamente “conter vândalos infiltrados nas manifestações”. Agora, o governador do Estado, Sérgio Cabral, cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV) que abre a possibilidade da quebra de sigilo sem autorização judicial. Se alguém ainda tinha dúvidas, um fato agora parece dado: o terrorismo do governo do Estado do Rio de Janeiro, antes mais restrito às favelas, atinge agora todos os demais territórios da cidade. Estamos à beira de um Estado de exceção.

O decreto estadual que criou a Comissão – que reunirá membros do Ministério Público, Secretaria de Segurança do Estado e das polícias civil e militar -, publicado nesta segunda-feira (22), determina que as solicitações e determinações da comissão encaminhadas a órgãos públicos e privados no estado terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades. Além disso, afirma que empresas operadoras de telefonia e provedores de internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações dos membros da comissão. Entretanto, em nenhum momento o decreto menciona a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo.

Isto é, ou os juízes devem deixar de lado todas as suas demandas e priorizar os crimes investigados pela CEIV, autorizando a quebra de sigilo e outras demandas que a comissão exigir para investigar os atos “de vandalismo”, ou, a partir de agora, os cidadãos do Rio de Janeiro poderão ter seu sigilo telefônico e suas correspondências e trocas de mensagem online violadas para fins de investigação da Comissão.

Ao estabelecer o prazo máximo de 24 horas para atender esses pedidos, o decreto incita, na prática, que as operadoras de telefonia e internet cometam um crime previsto em lei: interceptar comunicações telefônicas ou eletrônicas sem autorização judicial. Vale ressaltar ainda que os estados não podem regular as telecomunicações - isso é competência da União, estabelecida pela Constituição Federal. Em resumo, o decreto possui uma série de inconstitucionalidades, como explicou o vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Cramer, em entrevista ao Portal G1.

“A conclusão da OAB-RJ é pelo decreto inconstitucional. Primeiramente, por se tratar de normas de natureza processual. Somente a União Federal, através de lei federal, pode ditar normas processuais, nunca uma lei estadual ou decreto. Isso está previsto na Constituição, que assegura a competência exclusiva para União para legislar. Os estados não podem legislar, tampouco, um ato do governo estadual pode ditar normas processuais”, ressaltou Cramer.
O advogado também enfatizou que o decreto viola o artigo 5º da Constituição. “O segundo motivo é que o decreto dá à comissão o poder de quebrar sigilo de dados telefônicos e de informática sem autorização judicial, e isso viola o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que diz que a quebra do sigilo telefônico e meios tecnológicos só pode ocorrer com autorização judicial”, finaliza o vice-presidente da OAB-RJ.

Para a presidente da ADUFF, Eblin Farage, “o decreto revela uma disposição inequívoca de Cabral de criminalizar as legítimas manifestações de rua e seus participantes e a intenção de endurecer a repressão, demonstrando o quanto estamos distante de uma democracia de fato”.