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Jun
26
2013

Maré: violência policial leva a mortes e à revolta

Relatos de moradores do Complexo da Maré e de integrantes de ONGs do lugar repudiam a ação policial de ontem e de hoje na Favela Nova Holanda. Ao todo, até o momento houve 13 mortos, um deles um sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Há duas versões complementares sobre o conflito. Para o presidente do Observatório de Favelas, Jorge Barbosa, o que houve foi assassinato de jovens da comunidade por policiais. Já Lourenço César, diretor do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, acrescenta que policiais colocados nas entradas e saídas da favela – desde o início da Copa das Confederações – foram os autores dos primeiros disparos ainda na Avenida Brasil, em frente à comunidade.

-  Eles começaram a atirar, a fim de dispersar a manifestação de segunda-feira na Avenida Brasil, em frente à comunidade. Foi quando o Bope chegou e resolveu entrar na Nova Holanda. Não tinha ninguém armado na manifestação. De repente, o Bope resolveu entrar na favela, atirando. Houve troca de tiros – disse Lourenço.

Nessa troca de tiros, acrescentou ele, um sargento do Bope morreu:

- O Bope então passou a agir com fúria, com raiva. E a polícia não pode agir assim.

Jorge Barbosa afirmou ainda que jovens foram mortos a faca, durante a noite.

- Foram execuções sumárias. Os policiais entraram na favela, deram um tiro no transformador, atiraram a esmo, invadiram casas. Há vários rastros de sangue na Nova Holanda. Foi uma reação totalmente desproporcional, o que conforma o estado de exceção na favela. Atiraram para matar e mataram com faca.

Lourenço conta que na manifestação havia atos de vandalismo. Mas, para ele, seguindo a lógica das ações policiais nas manifestações realizadas no asfalto, ela poderia ter sido dispersada com balas de borracha.

- Mas a lógica da atuação policial é sempre diferente na favela – denuncia.

Neste momento, cerca de 200 moradores estão na entrada da Nova Holanda, preparando uma passeata pelo fim da operação e chamando atenção da sociedade do Rio de Janeiro para a truculência social que acontece com frequência nas favelas. Segundo o diretor do Observatório das Favelas, Jailson de Souza e Silva, três caveirões estão parados no local.

- Um sargento morreu e a polícia começou atos de vingança na favela. Eles dizem que são pessoas envolvidas com o tráfico, mas, como sempre, não há comprovação. Na favela, a polícia mata sem necessidade de comprovar que se trata de criminosos. Faz algum sentido justificar várias mortes por conta de uma morte?  - disse Jailson.

Pesquisadores apontam que episódio mostra comportamento da polícia em relação à população

Durante a entrevista, por telefone, era possível ouvir os gritos de crianças, segundo ele moradoras da favela, pedindo “abaixo a violência”. Segundo a professora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da Coppe/ UFRJ Rita Afonso, que também é membro do Observatório das Favelas, é preciso entender que esse episódio nesta terça-feira (25/06) na Maré faz parte de um contexto muito mais amplo, um comportamento violento da polícia em relação à população da cidade. Rita conta que, em suas redes sociais, jovens que são seus alunos na Escola Popular de Comunicação Crítica estão tentando conscientizar outros jovens, compartilhando a seguinte frase: “nas favelas, as balas nunca foram de borracha”.

- A questão principal é a violação de direitos na favela. Essa é uma batalha antiga. Esse é um ponto ao qual ninguém respondeu ainda. A Dilma não respondeu, o Cabral também não. Eu estava na manifestação dos Cem Mil e vi a barbárie que a polícia causou na Lapa, na Glória. É assim que a polícia sabe se comportar no Rio de Janeiro. É um recado claro, uma forma de estrangular a emoção das pessoas que estão nas ruas. Isso é muito grave, não podemos admitir que a polícia se comporte assim.

A professora Lia Mattos Rocha, da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uerj, diz que a cidade continua a sofrer com uma absurda divisão entre cidadãos e não cidadãos, com a favela sendo tratada com um estado de exceção.

- Isso ocorreu na Eco-92 e nos Jogos Pan-Americanos em 2007, quando a favela foi alvo de selvageria policial. Não é a primeira vez que, em grandes eventos, o Rio tem tratado as comunidades dessa forma. Para ela, ao menos nas redes sociais tem surgido uma solidariedade com a Maré.

- Muita gente fez posts se solidarizando com a Maré, e isso é um grande novidade. Nas passeatas de rua, muita gente que não mora em favela foi alvo de violência policial. Talvez isso tenha aumentado a consciência das pessoas do que ocorre na favela.

Organizações da sociedade civil acabaram de publicar manifesto de repúdio à violência policial na Maré, classificando o ato como uma chacina.

Fonte: Canal Ibase