A Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, em 11 de dezembro, realizou homenagem a Fernando Santa Cruz, estudante vitimado pela ditadura empresarial militar em 1974, que, em breve, de forma póstuma, deve receber o título de Bacharel em Direito - curso que fazia à época em que foi preso, torturado e assassinado pelo regime autoritário.
A informação foi revelada por um dos proponentes do tributo, o docente da unidade Manoel Martins, que conduziu a cerimônia ao lado de Paulo Corval, Vice-Diretor da Faculdade, e de Wanise Cabral, Chefe de Departamento do Direito Público. Todos reafirmaram a importância da preservação da memória de Fernando Santa Cruz – militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML) – como uma forma de resistência contra a ditadura militar. Criticaram também as recentes tentativas de golpe lideradas pelo último ex-presidente do Brasil, em conivência com integrantes do Exército, exigindo a responsabilização para quem incita o ódio fascista. Manoel Martins leu um Manifesto em defesa da Democracia, convidando simpatizantes à assiná-lo.
"Nossa iniciativa foi de propor, primeiro ao Departamento de Direito Público, a concessão do título de graduação post mortem a Fernando Santa Cruz. Além de estudante da Faculdade de Direito à época em que foi sequestrado e assassinado, Santa Cruz empresta o nome ao Diretório Central dos Estudantes da UFF, inclusive, por proposta minha, quando eu era dirigente do DCE e membro da bancada estudantil no Conselho Universitário", explicou Manoel Martins.
Após a homenagem ter sido aprovada e encaminhada para o colegiado de unidade, que também a aprovou, agregando ao encaminhamento inicial a proposta de concessão do título de doutor honoris causa a Fernando Santa Cruz. "Agora, a questão é a pressão para que o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFF aprovem as propostas da concessão do título de graduação post mortem e do título de doutor honoris causa a Fernando. Várias universidades do Brasil estão fazendo isso. Então, a nossa proposta vai na esteira dessas iniciativas que ocorrem pelo país afora", contou Manoel.
A solenidade teve a presença de docentes e alunos da Universidade, familiares e amigos de Fernando. Ele, que é um dos símbolos da luta contra a repressão, terá sua imagem afixada de forma permanente na UFF, em tela pintada pela artista Alessandra Simplício. O retrato será exposto no auditório da Faculdade de Direito – instituição que em 2018 logo se pronunciou contra a perspectiva de retrocesso político, pendurando a bandeira "Direito UFF Antifascista" na fachada do prédio.
A professora Wanise Cabral enfatizou a importância de se resgatar a memória de Fernando Santa Cruz em uma conjuntura tão desafiadora, diante das graves ameaças golpistas à Democracia. "Não podemos cochilar; devemos estar vigilantes porque a Democracia se constrói diariamente. E é para que a ditadura nunca mais se repita", disse à reportagem da Aduff-SSind.
Wanise também homenageou as mães que procuraram seus filhos durante o período da repressão, mencionando Zuzu Angel e Elenita Santa Cruz. Fez referência ainda à Antígona - personagem de Sófocles que desafiou a ordem para enterrar um ente querido.
A professora Ana Maria Motta, do Departamento de Sociologia, também participou da solenidade e fez uma fala, em plenário, recuperando a importância da articulação entre docentes, discentes e técnicos administrativos na UFF ao longo dos últimos anos.
Na década de 1980, Ana integrou a coordenação colegiada da Associação de Docentes da Universidade, a Aduff, juntamente com Maria Auxiliadora Santa Cruz, a Dora – irmã de Fernando Santa Cruz e docente instituição. Elas convidaram ao palco a Alessandra, conhecida carinhosamente como Xandoca – a artista que retratou Fernando em quadro, e que anos antes, foi da coordenação do DCE. Juntas, saudaram a memória de Fernando Santa Cruz em defesa das liberdades democráticas.
"Nos reuníamos muito ao lado do Roberto, que era do Sintuff e infelizmente já faleceu, no DCE Fernando Santa Cruz", contou Ana Motta à redação da Aduff-SSind.
Para a professora, a memória de Fernando norteia uma dada perspectiva de Universidade que está em defesa dos subalternizados, como uma fonte produtora de conhecimento em benefício da sociedade. "Fernando Santa Cruz resumia nossa ação solidária, harmônica, preocupada com a Universidade que deve atender à população. Ele nos representava e nos guiava", disse a docente. "Todas as vezes que lutamos por direitos, espelhamos Fernando Santa Cruz", complementou Ana Motta.
Irmão de Fernando, Marcelo Santa Cruz discursou em nome de toda a família, agradecendo a homenagem e lembrando a luta contra a ditadura militar. Mencionou o fato de o sobrinho Felipe Santa Cruz ter perdido seu pai antes dos dois anos de idade. Lembrou o livro “Memórias de uma Guerra Suja”, que traz depoimento de ex-delegado do DOPS afirmando que o corpo de Fernando e de outros presos políticos foram incinerados no forno da Usina de Açúcar “Cambahyba”, em Campos dos Goytacazes - e hoje símbolo da luta contra regimes autoritários e em defesa das liberdades democráticas.
Celebrou Fernando e também a mãe Elzita, falecida aos 105 anos em 2019, que durante toda a vida procurou pelo filho agredido e morto pelas forças do Estado. Ela também foi homenageada com a exibição de vídeo e a canção que conta a luta por notícias de Fernando: “Nos seus sonhos, um menino”, de Marcelo Melo (música) e Gilvandro Filho (letra).
Dona Elzita Santa Cruz reivindicou informações sobre o paradeiro de Fernando em quartéis, gabinetes de presidentes, se aliando às organizações de direitos humanos. Repetiu insistentemente a frase “Onde está meu filho?” – pergunta que deu título ao livro organizado por Chico de Assis, Jodeval Duarte, entre outros.
Marcelo observou o momento em que diversas homenagens, em todo o país, acontecem em memória dos desaparecidos políticos do período da ditadura, pelo marco de 60 anos de instauração do regime militar no Brasil. Mencionou o filme "Ainda estou aqui", de Walter Salles, que narra o caso de Rubens Paiva – também vitimado pela violência da ditadura. "Você não sabe o que aconteceu com a pessoa, sai pressupondo o que aconteceu, vive com a esperança de que essa pessoa possa retornar; é um luto permanente, você não consegue concluí-lo", explicou.
"Mamãe dizia que o segredo para viver muito tempo era ter uma boa causa para lutar; e a boa causa dela foi a luta permanente contra a ditadura. Por isso, a gente diz sempre: Ditadura nunca mais!", concluiu Marcelo.
Da Redação da Aduff