Nov
13
2024

Em debate sobre clima e meio ambiente, palestrantes criticam capitalismo e o associam à destruição do planeta

Atividade contou com a participação de Renata Gama, docente da Faculdade de Geologia da Uerj e dirigente da Regional Rio de Janeiro do Andes-SN; Marco Pestana, professor do Serviço Social da UFF. Foi mediado por Jacqueline Botelho – professora do Serviço Social, membro da diretoria e coordenadora do GTPAUA da Aduff

No mesmo mês em que o Rio de Janeiro sediará a Reunião de Cúpula do G20 – fórum de cooperação internacional que reúne as principais economias capitalistas do mundo para discutir, entre outros temas, comércio, desenvolvimento sustentável, energia e meio ambiente a Diretoria e o Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) da Aduff promoveram, com enfoque crítico, o debate "Questão climática, agrária e preservação ambiental: por um modo de vida anticapitalista no campo, florestas e cidades", realizado dia 8 de novembro no campus da UFF no Gragoatá, em Niterói.

A atividade contou com a participação de Renata Gama, docente da Faculdade de Geologia da Uerj e 2ª Vice-presidenta da Regional Rio de Janeiro do Andes-SN, e Marco Pestana, professor do Departamento de Serviço Social da UFF. Foi mediado por Jacqueline Botelho – professora da Escola de Serviço Social, membro da diretoria da Aduff e coordenadora do GTPAUA.

"É um tema urgente e necessário. Estamos experimentando situações adversas gravíssimas que têm conexão direta com o debate sobre a questão agrária. Elas repercutem, necessariamente, nas cidades, nas florestas, e sobre os modos de vida de pescadores, quilombolas, comunidades ribeirinhas", disse Jacqueline. 

A docente fez menção ainda à participação da Aduff, representada por ela e pela professora Nazira Camely (docente da Faculdade de Economia e integrante do GTPAUA) no Seminário Nacional do ANDES-SN sobre a COP 30, na cidade de Belém (PA), ocorrido em setembro deste ano. A COP 30 é a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que acontecerá entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém (Pará), reunindo lideranças mundiais, especialistas e ativistas para debater a preservação ambiental e o futuro do planeta.

O evento foi transmitido ao vivo na página da Aduff no Facebook e no canal do Sindicato no You Tube. 

"A humanidade introduz, em escala colossal, CO2 e metano na atmosfera"

Contrariando perspectivas negacionistas, a docente Renata Gama sustentou cientificamente os motivos que justificam a existência de mudanças climáticas preocupantes em curso na Terra. "Fala-se muito sobre o aquecimento global, tomou bastante força nos últimos tempos, com tudo o que a gente tem visto em relação à reação da natureza: o Rio Madeira, na Amazônia, extremamente seco; as enchentes do Rio Guaíba no Rio Grande do Sul; as as chuvas atípicas no Deserto do Saara; o processo de desgelo das calotas polares do Sul e a Antártida tendo vegetação, ficando verde - é algo surpreendente. O planeta está dando alguns sinais", disse. 

De acordo com a docente, na Geologia existem algumas teorias que estudam as mudanças climáticas, apontando que elas seriam provocadas por causas naturais ou em decorrência da ação humana (causas antrópicas). 

Renata afirmou que, ao contar a história do planeta, que hoje tem aproximadamente 4,6 bilhões de anos, a Geologia pontua que as mudanças climáticas - de causa natural - fazem parte do ciclo do planeta Terra.  

Segundo ela, em uma perspectiva temporal ao longo das eras geológicas, existe uma grande oscilação de temperatura, a exemplo do que houve no período Cretáceo (quando viveram os dinossauros). "Esses efeitos estão relacionados aos ciclos climáticos, que se relacionam aos ciclos astrofísicos e aos orbitais. Juntos, eles influenciam na quantidade de energia solar e de calor que chegam em nosso planeta", explicou.

Veja o momento de exposição da docente Renata Gama aqui

"Há 11.700 anos entramos na época atual, chamada holoceno, quando o clima passou a ter uma estabilidade e isso possibilitou uma transição de sociedade mais nômade (caçadores e coletores) para os assentamentos, desenvolvimento agrícola e de grandes civilizações", comentou.

A palestrante também falou sobre outros fatores naturais de variação climática, como a superfície de albedo - a fração de radiação solar refletida por uma superfície ou objeto. E quanto menor o albedo, mais energia a partir do sol é absorvida. 

Mencionou o efeito estufa, quando alguns gases na atmosfera aprisionam o calor do sol e mantém a Terra aquecida. "Não fosse ele, nosso planeta seria frio e nosso modo de vida não seria possível. Os gases do efeito estufa - dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), por exemplo - ocorrem de modo natural. Desempenham papel no equilíbrio climático", comentou.

Renata Gama alertou, contudo, para as elevadas concentrações de gases do efeito estufas causadas em decorrência das atividades humanas, em especial no período pós-Revolução Industrial, que intensificam o aquecimento global. "Estão introduzindo uma grande quantidade de CO2 e de metano na atmosfera. É numa escala colossal. O homem está se tornando uma força geológica e dando esse input muito para além do que o nosso planeta consegue absorver, assimilar e autorregular."

Segundo a docente da Uerj, o volume de gás de efeito estufa na atmosfera hoje é o mais alto em centenas de milhares de anos. "Em 2015, a média planetária era cerca de 400 partes por milhão (ppm) de liberação de gases do efeito estufa. Em 2023, alcançou 420 ppm. E isso está diretamente ligado ao aumento da temperatura", afirmou.

O desequilíbrio climático causará, de acordo com Renata, eventos catastróficos, como enchentes e secas, com maior intensidade e frequência. "O sistema capitalista é um modo de produção extremamente predatório, que pressupõe consumismo, lucro e uma lógica de crescimento em um planeta que é finito. E o aquecimento global é apenas um dos muitos problemas que esse sistema econômico está causando em nosso planeta". 

"Quem paga maior preço para viver na sociedade capitalista é quem mais sofre efeitos de mudanças ambientais e climáticas"

Com foco na formação histórica da cidade do Rio de Janeiro, o docente Marco Pestana, do Departamento de Serviço Social da UFF, tratou de conceitos como desigualdade ambiental e racismo ambiental. 

"Eles têm sido desenvolvidos no debate sobre as transformações ambientais e climáticas. São trabalhados a partir da perspectiva da distribuição dos efeitos desses processos de mudanças ambientais e climáticas. É uma discussão sobre quem paga o preço ou quem paga o maior preço", disse. 

De acordo com ele, em uma sociedade que se organiza sob o modo de produção capitalista, tal preço é desigual. E os que pagam mais pelas transformações climáticas e ambientais são, em geral, aqueles que pagam o maior preço para viver nesta sociedade: trabalhadores e trabalhadoras; a maior parte da população negra no país; as comunidades ribeirinhas, quilombolas e povos indígenas. "É para eles que recaem as principais consequências do impacto climático e ambiental", afirmou.   

Clique aqui para ver o momento de exato das considerações de Marcos Pestano

De acordo com Marcos, é preciso atribuir responsabilidade aos agentes que têm destruído os recursos naturais do planeta. "Não falamos em uma humanidade abstrata, mas de uma humanidade socialmente organizada com os parâmetros do modo de produção capitalista", ressaltou, se referindo à burguesia. 

Segundo o docente, para se isentar de tal culpa, a burguesia apela ao negacionismo, refutando as evidências científicas que explicitam os impactos do desequilíbrio climático e ambiental. "A culpa é transferida para os principais atingidos pelas transformações ambientais e climáticas, ou seja, as populações exploradas e oprimidas, como assim são identificadas pelos conceitos de desigualdade ambiental e de racismo ambiental", ponderou.

O professor historicizou o surgimento das favelas no Rio de Janeiro e o relacionou ao fenômeno do desmatamento. "Eduardo Paes, prefeito do RJ, está indo para o quarto mandato. Nos dois primeiros mandatos dele, foi responsável pelo maior programa de remoção dos moradores de favela na história da cidade. Mais do que o Pereira Passos, que fez a reforma urbana no início do século 20; mais do que o Lacerda, que ficou famoso pelos incêndios nas favelas quando governador da Guanabara; mais do que o governo ditatorial, que entre os anos 60 e 70, também instituiu o programa de remoção de favelas", considerou.

Considerado por Marcos Pestana como o "campeão das remoções", Eduardo Paes alegou risco ambiental, entre outras justificativas para deslocar os habitantes das favelas cariocas no período recente. O prefeito alegou que ao construir suas habitações, as pessoas desmataram o espaço e, por isso, ficavam à mercê de deslizamentos.         

Segundo o professor, o jornal 'O Globo' também apoiou tal discurso e empreendeu uma campanha, na imprensa, pela remoção das favelas na cidade. Políticos e empresários se aliaram, portanto, para, por meio de um discurso que demonstra preocupação social e ambiental, para associar a favelização ao desmatamento ambiental e justificar uma política segregacionista.

De acordo com Marcos Pestana, determinadas formas de produzir a cidade são consideradas ilegítimas pelas classes dominantes da cidade do Rio de Janeiro. "Por extensão, determinados sujeitos são interditados de atuar na produção da cidade, justamente aqueles segmentos mais precarizados, mais pauperizados da classe trabalhadora que, via de regra, habita e constrói as favelas do Rio. Ou seja, há uma tradição histórica de deslegitimar a forma de produção do espaço urbano, por esses agentes, e legitimar a produção do capital (imobiliário, construção civil)". 

Para o docente, isso não significa que não haja, eventualmente, questão ambiental decorrente de construção de favela ou de qualquer setor social. "Não estou preocupado em avaliar o grau efetivo do dano ambiental, mas tentar identificar a que e a quem; a que tipo de prática esse discurso atualmente e historicamente tem servido", alertou. 

Defendeu outra forma de produção da cidade que não penalize a classe trabalhadora, especialmente a mais pauperizada. "De onde vem a necessidade de que as pessoas construam favelas? Não é uma decorrência da distribuição desigual da riqueza na sociedade capitalista?", indagou o pesquisador.   

Da Redação da Aduff

 

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