O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade de trecho da Reforma Administrativa de 1998 (Emenda Constitucional 19/1998), que suprimiu a obrigatoriedade de regimes jurídicos únicos (RJU) e planos de carreira para servidoras e servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas federais, estaduais e municipais.
A decisão foi tomada no dia 6 de novembro, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, ajuizada no ano 2000, contra a Reforma Administrativa trazida pela EC n. 19. Por maioria de votos, o STF entendeu que não houve irregularidades no processo legislativo de aprovação da emenda.
Advogado que presta assessoria jurídica para Aduff-SSind, Carlos Boechat explica que a EC n. 19, entre outras coisas, trouxe nova redação ao art. 39 da Constituição, eliminando a obrigação de instituição de regimes jurídicos únicos para os servidores da União, Estados e Municípios.
A nova redação vigorou até 2007, quando foi suspensa por liminar. Agora, com o julgamento definitivo da ADI, a decisão, que passará a valer a partir da sua publicação, é de que deixará de ser obrigatória a instituição do Regime Jurídico Único na contratação de servidores públicos.
“Trata-se de uma total flexibilização de regime de contratações, que poderá se dar tanto pelo regime estatuário quanto pelo Celetista (Consolidação das Leis do Trabalho), aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada e empregados públicos”, alerta o advogado.
Presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian ressalta que embora a decisão só tenha impacto para futuras contratações, sem a possibilidade de mudança de regime de atuais servidoras e servidores, a consolidação da contrarreforma administrativa de 1998 pode trazer sim grandes prejuízos para o funcionalismo público e para a qualidade de serviços prestados para a população. Ele destaca que a tarefa do movimento sindical é de lutar em defesa do regime jurídico único e das contratações via concursos públicos. Seferian também afirma que a repercussão da decisão deve ser avaliada a partir de seus potenciais efeitos concretos.
“Digo isso em razão de termos, já há um bom tempo - mais precisamente desde o julgamento da ADI1923, em 2015 -, um permissivo precarizador de que a administração pública possa contratar trabalhadores e trabalhadoras por meio de organizações sociais. Esses, bem sabemos, já seriam celetizados e nem mesmo admitidos pela administração direta. O que temos nesse momento é a chancela de uma contrarreforma administrativa de FHC, que amplia ainda mais essa possibilidade, conferindo a possibilidade do contrato celetista se dar pela administração direta. Isso fragiliza o RJU (...), que defendemos incondicionalmente seja a aplicada para essas contratações. O ponto é que, para a administração pública, é ainda mais favorável a admissão por meio de OSs do que fazê-lo diretamente, e esse tipo de prática já se vê alastrada em algumas áreas, como a Saúde”, ressalta.
“Nosso embate, enquanto categoria,é para que a medida privatista não se expanda para a Educação, e enquanto classe, em nenhum outro âmbito. Declarar apressadamente o fim do RJU é um equívoco: ele segue existindo, e seremos nós, do movimento sindical, resistindo e afirmando a sua indispensabilidade, que precisaremos - pela política - garantir a continuidade de concursos nesse regime”, acrescenta.
Para Gustavo Gomes, docente da Escola de Serviço Social da UFF/Niterói e base da Aduff, a recente decisão do STF que validou a reforma administrativa do governo Fernando Henrique Cardoso configura uma grave ameaça ao serviço público.
“Sem estabilidade e carreira pública, a autonomia e atratividade do serviço público são fortemente prejudicadas em favorecimento das pressões políticas e clientelistas dos governos. O movimento docente e o Andes-SN certamente lutarão contra a contratação de novos servidores com regime jurídico distinto. Será preciso exigir do governo federal coerência com a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo próprio PT contra essa medida do governo FHC”, reitera o professor da disciplina “Direitos humanos e Legislação Social” e integrante do Conselho Universitário da UFF.
Contrato público de trabalho
O texto original do artigo 39 da Constituição Federal de 1988 previa que cada ente da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios) deveria instituir, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para seus servidores públicos, unificando a forma de contratação (estatutária), e os padrões de remuneração (planos de carreira). A EC 19/1998 alterou esse dispositivo para extinguir a obrigatoriedade do RJU, possibilitando a contratação de servidores públicos pelo regime da CLT.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) sustentavam que o texto promulgado em 1998 não teria sido aprovado em dois turnos, por 3/5 dos votos dos parlamentares, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, procedimento necessário para alterar a Constituição. Em 2007, o Plenário do STF havia suspendido a vigência da alteração. Com isso, o texto original permaneceu válido até agora.
O mérito da ADI começou a ser julgado em 2020, com o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, pela inconstitucionalidade da alteração. Em 2021, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência, e seu entendimento prevaleceu na conclusão do julgamento.
Acompanharam esse entendimento os ministros Nunes Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Luiz Fux e a relatora, ministra Cármen Lúcia, que votaram pela inconstitucionalidade da norma.
Da Redação da Aduff, com informações do Andes-SN e STF