Mulheres de diversos cidades brasileiras voltaram às ruas no último domingo (23) para repudiar o Projeto de Lei 1904/2024, popularmente chamado de “PL do estupro” e “PL da gravidez infantil”.
O regime de urgência do dito PL foi aprovado em poucos segundos na Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), no último dia 12. O Projeto de Lei 1904/2024 equipara o aborto legal em idade gestacional acima de 22 semanas ao crime de homicídio simples. A medida inclui meninas e mulheres que tenham sido vítimas de estupro.
No Rio de Janeiro, o ato percorreu a orla da Praia de Copacabana, num domingo bastante ensolarado, reunindo centenas de manifestantes. Entre elas, estavam as professoras Universidade Federal Fluminense.
"Os movimentos sociais organizados estiveram nas ruas, novamente, apresentando repúdio a medidas governamentais insanas, como é o PL 1904/2024. Grupos e pessoas diversas realçaram seu compromisso com a vida e a construção de uma sociedade superior, sublinhando o desacordo aos encaminhamentos do Congresso, sob a liderança nefasta de Arthur Lira', afirmou Gelta Xavier, professora da Faculdade de Educação na UFF e ex-dirigente da Aduff-SSind.
Segundo a professora, estupros, abusos sexuais, aborto são temas que permeiam as lutas cotidianas. "São notícias e debates que nos mobilizam, principalmente porque envolvem crianças e jovens desprotegidos, mesmo dentro de famílias tradicionalmente constituídas", apontou.
Gelta Xavier também destacou a presença considerável de idosas e idosos, entre os que se manifestavam na Praia de Copacabana, domingo. "Em seus peitos adesivos, em suas mãos, cartazes e bandeiras, em suas bocas, palavras de ordem. Assim é que afirmamos a conquista da consciência a respeito de comportamentos que resultem emancipação humana e cuidados mútuos", considerou a professora da UFF.
Também docente da UFF, Sonia Lucio Rodrigues – da Escola de Serviço Social, ex-dirigente da Aduff e do Andes-SN, afirmou que o Projeto de Lei 1904/2024 expressa o ódio dos fascistas contra as mulheres.
"Ainda bem que temos um movimento Feminista que, rapidamente, e com muita unidade e garra, vai pra rua para afirmar que 'crianças não são mães', 'estuprador não é pai'. Nosso movimento segue para conclamar a população a exigir do Congresso a derrubada do Lira", disse.
Para ela, somente com organização e mobilização nas ruas será possível enfrentar a extrema direita e o neofascismo. "Infelizmente, eles têm se mostrado como uma importante força social no nosso país", alertou Sonia Lucio.
De acordo com Kênia Miranda, docente da Faculdade de Educação da UFF e ex-dirigente da Aduff, a caminhada em Copacabana contra o mencionado PL é mais um momento da luta das mulheres e dos movimentos sociais contra a extrema direita no Brasil e no Rio de Janeiro.
"Não aceitaremos recuos nos parcos direitos ao aborto no Brasil", disse Kênia, se referindo à atual legislação, que permite a interrupção da gravidez em caso de estupro, anencefalia do feto e risco de morte à mulher.
"Este ataque [o dito PL] quer controlar a vida das mulheres, das crianças e das pessoas que gestam, que sofrem violências brutais no Brasil, mas também os movimentos feministas e antirracistas que se levantam contra o reacionarismo no país e a sua política de morte em todos os aspectos", disse a docente da Faculdade de Educação.
"A 'primavera das mulheres', o 'Fora Cunha', o 'Ele não', os potentes atos de 8 de março e agora o 'Fora Lira e Sóstenes' avisam: não seremos paradas. Nem presas, nem mortas! A Aduff-SSind, a nossa seção sindical, estava presente através de muitas lutadoras professoras que entendem que nossa luta feminista é pela defesa da vida de toda a classe trabalhadora", afirmou Kênia Miranda.
Uma dessas lutadoras era também a professora Nazira Camely, da Faculdade de Economia da UFF e integrante do Comando Local de Greve na universidade. Para ela, é preciso destacar o conjunto de movimentos sociais e de movimentos da questão feminina que se mobilizaram desde o aparecimento do PL 1904.
"Só a mobilização daqueles que lutam indo para as ruas consegue barrar esses projetos de lei que causam tanta dor e danos as pessoas. Esse PL, é uma coisa sem precedentes, extremamente preocupante", afirmou.
Segundo Nazira, se o projeto de lei entrar em vigor, poderá causar danos irreparáveis a centenas e centenas de meninas nesse país. "Muitas são estupradas dentro das suas próprias casas", alertou. "Meninas, mulheres e pessoas que gestam podem ser condenadas, a passar mais tempo numa penitenciária do que os seus algozes estupradores".
A docente da Faculdade de Economia defendeu o direito ao aborto legal, pois ele é questão de saúde pública para todas as mulheres. Lembrou que o debate ainda passa por um recorte de classe, pois as mulheres em situação privilegiada podem recorrer ao aborto em segurança, enquanto o direito é negado ou marcado por uma série de interdições para as mulheres pobres.
"As mulheres da burguesia têm recursos econômicos para praticar um aborto em qualquer lugar, em Paris, nas clínicas privadas, com toda a segurança. E a maioria das mulheres, as que não têm recurso algum, vão praticar aborto de forma clandestina, porque assim a lei desse país as leva a cometer. E isso é gravíssimo, podendo levar a mutilações, transtornos psíquicos e de saúde física e até a morte de muitas mulheres", complementou Nazira.
Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Elisângela Leite/Sintufrj