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Mar
17
2023

Evento dos '21 Dias’ defende combate cotidiano e institucional do racismo também nas universidades

Debate "As estratégias de enfrentamento ao racismo nas Universidades frente a conjuntura atual" foi organizado pela Regional RJ do Andes-SN e suas seções sindicais, entre elas a Aduff. A mesa contou com a participação das docentes Jô Alves (UFRRJ), Ray Soares (UFF) e Ana Paula Procópio (UERJ) 

Entendendo a importância de compor a ‘Campanha dos 21 dias de Ativismo contra o Racismo” e de aprofundar cada vez mais o debate das questões étnico-raciais dentro das universidades, a Regional-RJ do Andes-SN e suas seções sindicais do Rio, Asduerj, Adur, Adunirio e Aduff, organizaram na noite de quarta (15), o debate "As estratégias de enfrentamento ao racismo nas Universidades frente a conjuntura atual".

Realizada na Uerj, a mesa contou com a participação das docentes  Jô Alves (UFRRJ), Ray Soares (UFF) e Ana Paula Procópio (UERJ) e foi transmitido ao vivo pelo Youtube da Associação de Docentes da UERJ. Para assistir na íntegra, basta entrar no canal da Asduerj.

Diretora da Regional do Andes-SN no Rio de Janeiro e mediadora do debate, a professora da UERJ, Rose de Freitas destacou a importância de participar da construção da Campanha, uma deliberação dos fóruns do Sindicato Nacional da categoria.

"Se é bem verdade que o racismo estrutura as relações de sociedade nas várias dimensões da vida, é bem verdade também que ele se reproduz de diferentes formas nas nossas instituições. É nossa tarefa, enquanto movimento sindical - que é antimachista, antirracista, atilgbtfóbico, anticapacitista e classista - desenvolver atividades em conjunto pra pensar sobre isso, identificar como isso se expressa nas instituições e [preparar] estratégias para combater, agregando professores de diferentes áreas, com técnicos-administrativos, estudantes e entidades de fora das instituições", afirmou.

Durante o evento, foi distribuída a “Cartilha de Combate ao Racismo”, produzida pelo Grupo de Trabalho do Andes-SN de Políticas de Classe, questões Étnico-raciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS). O documento está disponível na sede da Aduff-SSind e também pode ser baixado em pdf, no site do Andes. 

No debate, também foram distribuídos bottons e adesivos em homenagem à Marielle Franco, como parte da luta por justiça e pela elucidação do caso, os motivos e mandantes que levaram à execução da vereadora eleita pelo PSOL no Rio de Janeiro e de seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.

Em sua 7° edição, a Campanha dos "21 Dias de Ativismo contra o Racismo" conta com diversas ações coletivas antirracistas e será encerrada em 21 de março – Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao “Massacre de Sharpeville” (na África do Sul, 1960). A Regional-RJ do Andes-SN constrói a campanha desde a sua 1° edição.

Jô Alves - “Uma das nossas principais metas é a institucionalização de políticas e campanhas”

Primeira a falar no debate, a professora Jô Alves é Coordenadora de Políticas de Diversidades na UFRRJ e a primeira e única pessoa trans pró-reitora do Brasil, à frente da PROAES da Rural.

Ao abrir sua fala, a docente destacou o passado excludente e conservador da UFRRJ, marcado pela “Lei do Boi”, reserva de vagas criada em 1968, no governo militar de Costa e Silva para atender os filhos de fazendeiros ricos (e que vigorou na universidade até 1985). E afirmou trabalhar coletivamente para “mudar a cara” da Rural, que sofre com muitos casos de racismo, lgbtfobia e até 2016, com incidência muito grande de casos de estupro dentro dos campi da Universidade.

Jô destacou a criação de uma comissão permanente de diversidade, no final de 2021, na UFRRJ com o intuito de “implementar, supervisionar e mobilizar atividades e políticas antirracistas antissexistas, antilgbtifóbicas e anticapacitistas”. A comissão, pontua, faz parte de uma luta histórica dos movimentos sociais e dos coletivos da UFRRJ e também conta com uma comissão específica de prevenção à violência, responsável pelo trabalho de elaboração de protocolos de denúncia e acolhimento para casos de racismo, lgbtifobia, sexismo na universidade.

“A gente reparou que não só os servidores e servidoras ficavam perdidos quando acontecia um caso de violência, como os estudantes também não sabiam o que fazer para denunciar. A ideia é elaborar os protocolos e dar bastante divulgação institucional para que eles ganhem capilaridade na universidade”, ressalta. 

A docente também contou sobre a elaboração de campanhas institucionais temáticas (articuladas de forma interseccional) de prevenção à violência e sobre a realização de cursos de formação para servidores e servidoras da universidade, priorizando trabalhadores que lidam diretamente com estudantes, como guardas, funcionários do RU e do alojamento.

“Recebemos muitas queixas de abordagens e relações interpessoais inadequadas. Acreditamos que esse é o papel da universidade, produzir reflexão sobre as pautas e atuar firmemente na elaboração de políticas institucionais de enfrentamento às violências. Uma das nossas principais metas é institucionalizar nossas ações, nossas políticas, campanhas. Quando a gente institucionaliza, a gente dificulta retrocessos e obriga que novas gestões e reitorias continuem ou, ao menos, tentem continuar o trabalho em defesa da equidade”, ressalta.

Rai Soares - “Estrutura da universidade não está preparada para pauta antirracista”

Professora do curso de Serviço Social da UFF de Rio das Ostras, Rai Soares coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFF/Rio das Ostras) e em sua fala destacou duas dimensões que considera inseparáveis para pensar a universidade e a pauta antirracista: a dimensão humana profissional e a dimensão política.

Rai defende que a formação humana e a profissional não se separaram e que é preciso transformar a estrutura da universidade para implementar uma verdadeira práxis antirracistas.

“A gente não pode exigir e querer que a experiência subjetiva do indivíduo, porque é uma mulher negra, a faça identificar estruturas e mecanismos de reprodução do racismo institucional. Nós temos que ter uma formação humana e profissional que torne isso possível. E aí para qualquer profissional, seja ele branco, indígena, quilombola, negro, negra. Qualquer profissional precisa ter uma formação que o possibilite identificar, e não só identificar, mas construir ferramentas de combate ao racismo na sua prática profissional cotidiana. Isso é urgente”, destaca a docente.

Ela problematiza, entretanto, que a universidade pública brasileira está assentada em velhas estruturas, “caducas no âmbito administrativo e na forma do ensino” e que precisam de uma transformação radical. “Decolonizando essas estruturas, sem jogar fora os aportes teóricos críticos que tornaram possível esse olhar crítico à universidade hoje”, propõe.

Como exemplo, a professora cita a desvalorização da extensão, tratada não como parte do tripé da universidade, mas como militância. “É principalmente na extensão que a gente chega nos movimentos sociais, nos setores populares. E é sintomático que esse trabalho que nos aproxima justamente desses setores, desses grupos, desses povos, não seja valorizado, não tenha recurso algum”, critica.

Rai, que trabalha com pesquisa e extensão junto às comunidades quilombolas, friza a importância de olhar as demandas dos movimentos socais, territórios e comunidades e pensá-las também como demandas da formação humana profissional, na universidade.

“Mais da metade das comunidades quilombolas não tem um histórico, um documento relativamente simples para entrar com um processo de reconhecimento na Fundação Palmares. Isso poderia ser feito pela universidade, mas a estrutura da universidade não tem chegado. Isto que eu quero dizer quando afirmo que a estrutura da universidade não está preparada para pauta antirracista. Porque isso é ser antirracista. Construir instrumentos que propiciem a grupos e à população, esses setores da classe trabalhadora, que acessem direitos básicos. Direito ao território, à saúde, educação, saneamento, direito básicos”, reitera.

A professora também afirma que a universidade só será transformada quando ela olhar para quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pessoas trans, negras e negros e reconhece-los como sujeitos, e não como objetos de intervenção e de estudo, como já firmou Abdias Nascimento, Lélia Gonzalez e Guerreiro Ramos, um dos primeiros a falar do ‘negro-tema’.  

“A universidade tem uma estrutura racista, que se reproduz por mecanismos sutis. Se nós não tivermos instrumentos para entender isso, a gente entra numa engrenagem de reprodução desses mecanismos, corroborando essa estrutura ao invés de combatê-la. Por isso é importante construir instrumentos coletivos que nos permitam identifica e atuar no combate dessas práticas”, alerta, defendendo a criação de uma agenda política da universidade colada às dos movimentos sociais, a criação de protocolos e de campanhas.

“Não adianta trazer estudantes negras, da periferia, indígenas, quilombolas e a universidade os violentar para que eles se tornem brancos. Foi o que eu vivi na minha geração. A gente entrava na universidade e, no mínimo, tinha que se passar como branco. Lélia e Beatriz Nascimento falam sobre isso, como a universidade ‘promovia’ o enbranquecimento das pessoas”, alerta.

Ana Paula Procópio - “Precisamos ampliar o entendimento do que é pauta antirracista!”

Ana Paula Procópio é professora do curso de Serviço Social e coordenadora do PROAFRO/ UERJ. No debate, fez um panorama dos 20 anos da implementação da política de reservas de vagas por cotas raciais, no vestibular da UERJ, uma das universidades pioneiras nessa implementação.  E de como essa implementação não foi produto de um consenso interno, mas possível por conta de uma legislação do governo do Estado.

“Na marra mesmo, vimos essa universidade se transformar para mulher, mesmo com todo seu sucateamento. Isso é algo a se ressaltar. À medida que as populações negras e periféricas entram na universidade pública, ela é mais sucateada e considerada como algo que é para a elite, quando a gente sabe que não”, friza.

A docente ressalta a organização política dos grupos de estudantes e de coletivos de estudantes negros e negras e afirma que a política de reserva de vagas não é só benéfica para as populações que acessam a universidade, mas para a própria universidade.

“Costumo dizer que é um caminho dinâmico, dialético, de mão dupla. Constatamos que a universidade começou a ter mais elementos para debater e enfrentar problemas da sociedade. As e os estudantes cotistas começaram a retomar, ainda que num movimento lento, como docentes. Essa é uma questão. Temos na universidade cursos de maioria de estudantes negras e negros que não veem representatividade no corpo docente. Estudantes periféricas relatam o espanto com cursos que colocam a questão social como cerne e elas não se sentem entendidas em suas necessidades enquanto classe trabalhadora. A gente tem promovido a inclusão, mas será que a gente tem produzido o pertencimento?, questiona.  

Para Ana Paula, a pauta antirracista é uma pauta por ampliação e acesso dos espaços democráticos, que precisa ultrapassar os slogans e as “hashtags”. De acordo coma docente, é preciso ampliar entendimento do que é essa pauta.  “Creche que funcione à noite para que as mães trabalhadoras consigam estudar é pauta antirracista. Bandejão é pauta antirracista, alojamento é pauta antirracista. Bolsa é pauta antirracista. Essas são as questões que fazem com que o acesso da pessoa seja interrompido. Pautas que a gente reivindica historicamente como da classe trabalhadora são pautas antirracistas, entendendo que a classe trabalhadora neste país é majoritariamente formada por pessoas negras”, pontua.

A docente destaca a importância das e dos professores universitários assumirem esse debate para si. “Nossa categoria ainda tem uma autonomia relativa mais alargada em relação aos seus processos de trabalho como docentes universitários, então precisa sim se apropriar desses debates. Não faz sentido continuar usando hashtag antirracista e na sala de aula dar prioridade à sociologia hegemônica e não trazer Abdias, Beatriz Nascimento e tantas outras e outros intelectuais negros para a discussão sobre  Brasil. Para o enfrentamento ao fascismo racista (conceito que aparece no novo livro do professor Muniz Sodré), docentes precisam sim entender de África, do processo do escravismo, do colonialismo, da abolição inconclusiva”, reitera.

Ela cita as Lei 10.639/03 e 11.645/08, que alteram a LBD e preconizam a inclusão no currículo oficial da Educação das temáticas da história e cultura afro-brasileira e indígena, e destaca que as universidades públicas ignoraram essas legislações, já que não há obrigatoriedade da inclusão na grade do Ensino Superior. “Existe óbvio, a iniciativa das e dos colegas, principalmente os que estão nos Neabs e Neabis, que incorporaram as discussões das relações étnico-racionais, num trabalho importantíssimo e histórico desses núcleos, mas este não é um movimento da institucionalidade das universidades com propósito do coletivo”, destaca.

Para a professora, o desafio está lançado: o desafio revolucionário de conseguir sustentar cotidianamente o antirracismo, o antissexismo, a antilgbtfobia e anticapacitismo. “É o que a gente têm feito nesses anos”, finaliza.

Presente no evento, a professora do Coluni-UFF e 1°vice-presidente da Aduff-SSind, Maria Cecília Castro, avaliou como muito positiva a atividade, que conseguiu aprofundar o debate sobre os desafios para enfrentamento do racismo nas universidades. “É necessária a avaliação de que a política de cotas deve permanecer e avançar na garantia não só do acesso, mas da permanência das e dos estudantes e também do pertencimento, como muito bem colocou a professora Ana Procópio, na perspectiva de romper com essa questão de que é preciso se adequar à lógica colonizadora e branca da universidade.” disse.

Da Redação da Aduff, Por Lara Abib

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