Mar
07
2023

Audiência pública em Niterói debate fechamento temporário da Maternidade Alzira Reis e proposta de transferência de parte do serviço para o Huap

Defesa da Maternidade e de um SUS 100% público, gratuito e de qualidade é pauta do 8M em Niterói. Audiência aconteceu na noite de segunda (06), na Câmara Municipal de Niterói, presidida pelo vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol), presidente da Comissão de Saúde da Câmara

Vitória do movimento de saúde e de mulheres do município por uma maternidade própria na cidade de Niterói, a Maternidade Municipal Alzira Reis Vieira foi inaugurada em 2004, em Charitas, fruto de uma construção histórica e de muita luta que vem desde a década de 1980. Nesses 19 anos de existência, a unidade já realizou mais de 26 mil partos, sendo a grande maioria deles (mais de 70%) de partos normais, considerados os mais seguros para gestantes e bebês. Mesmo com instalações antigas, falta de espaço e estrutura aquém do que o necessário, a Maternidade chega a 2022 com 0% de taxa de mortalidade de mães e bebês e com corpo de profissionais reconhecidos pela assistência humanizada.  

Entretanto, usuárias da rede de saúde municipal e trabalhadoras e trabalhadores da Maternidade Alzira Reis temem que este quadro possa mudar drasticamente com o esvaziamento temporário da Maternidade, que passa por reformas desde 2021.  De acordo com a direção da Alzira Reis, as obras, que já deveriam ter sido finalizadas desde meados de 2022, atrasaram por conta do descobrimento de ossadas no local.

Convênio com Huap

Com o atraso e com a impossibilidade da Maternidade continuar funcionando enquanto as obras acontecem, um convênio foi assinado entre a prefeitura de Niterói, a UFF e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), em 18 de agosto de 2022, propondo a transferência de parte dos serviços da Maternidade para uma ala desativada do Hospital Antônio Pedro (HUAP).

Vale destacar que o convênio não foi aprovado nem pelo Conselho Municipal de Saúde de Niterói, nem pelo Conselho Universitário da UFF. De acordo com o vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol), que preside a Comissão de Saúde da Câmara de Niterói e que convocou a audiência pública realizada nesta segunda, a assinatura do convênio não foi sequer divulgada pelo governo e só foi descoberta recentemente, o que motivou a realização da audiência, convocada em conjunto com a Associação dos Servidores da Saúde de Niterói.

Trabalhadores da Maternidade, em sua maioria mulheres, compareceram à audiência pública na Câmara Municipal de Niterói para denunciar que o processo de fechamento temporário da Maternidade Alzira Reis e de transferência para o Hospital Universitário Antonio Pedro também está sendo realizado sem a participação e a comunicação com as trabalhadoras, inclusive com a abertura de um processo seletivo para ocupar as vagas da Maternidade no Huap via Ebserh.

Elas temem que após às reformas, não voltem a trabalhar na maternidade e percam o emprego. Também relatam pressão e assédio moral para modificação de seus horários de trabalho como condição para serem transferidas ao Huap.

Por que foi organizado um processo seletivo pela empresa que está gerindo o Huap, em vez de chamar os profissionais do banco de espera do último concurso? Por que não priorizar o aproveitamento dos atuais servidores? Quando se dará a transferência? Qual é o prazo para retorno ao prédio de origem? Foram algumas perguntas que ecoaram no plenário da Câmara dos Deputados.

Falta de diálogo e precarização do trabalho

Fátima Cidades, que participou da audiência pública como representante das e dos trabalhadores da Maternidade, destacou que quando a Maternidade foi inaugurada, em 2004, as e os trabalhadores eram todos concursados. Hoje, quase não há concursos e os contratos são cada vez mais precários. “RPA não deveria existir, são trabalhadores que não têm direito a nada, sequer são celetistas. Aí agora além de serem precarizadas, pessoas que têm mais de dez anos de casa, que construíram essa Maternidade, apesar dos salários vergonhosos, não sabem se retornarão à Alzira Reis com a finalização das obras, ou se serão substituídas”, destacou Fátima, servidora da Maternidade desde a sua inauguração.

A trabalhadora que participa da Comissão de Enfrentamento à Violência Obstétrica admite que a Maternidade tenha sim problemas nas suas instalações, mas que o corpo funcional sempre procurou garantir direitos para as mulheres que chegam na Alzira Reis. “A diferença na Maternidade é o acolhimento. Nós olhamos nos olhos do paciente. (...) Por isso a gente precisa saber como será feito esse processo, porque vai implicar em mudança na nossa rotina e das usuárias. A gente precisa saber como se adequar para manter um serviço de qualidade, seguro para as mulheres. Estamos aqui para garantir direitos, não violá-los”, frizou.

Na audiência, o presidente da Associação dos Servidores da Saúde de Niterói, César Macedo, destacou que documentos solicitando informações sobre o projeto de reforma e de transferência da Maternidade foram enviados à Secretaria Municipal de Saúde de Niterói e nunca foram respondidos.

“Estamos vivendo um intenso processo de precarização, principalmente dos espaços democráticos de diálogo. O governo precisa responder o que vai acontecer com as pessoas. Coloca no papel, sabe? Esses documentos deveriam estar presentes o tempo inteiro, vindo para a gente, sendo apresentado no detalhamento técnico. O município precisa responder se depois da reforma as e os trabalhadores da Maternidade continuarão como servidores da unidade. Estão levando a maternidade para ocupar espaço vazio no Huap, que não deveria estar vazio”, desabafa.

Maria Graça Garcia e Souza, funcionária do Huap, integrante do Sintuff e conselheira do Conselho Universitário da UFF destaca que trabalha no 7° andar do Antônio Pedro (onde a Maternidade será alocada) e levanta dúvidas sobre as condições para a realização do convênio, ressaltando que “trabalhadores do Huap também não foram consultados”.

Naturalização do trabalho precarizando e privatização do serviço

Na audiência pública, usuários do SUS também expuseram sua preocupação com “um filme que já foi visto muitas vezes” no decorrer desses últimos anos. As unidades são esvaziadas, precarizadas e depois entregues para as Organizações Sociais (OS’s), fundações e empresas de direito privado. Presente na audiência, a professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFF, Claudia March deu seu depoimento.

“Vimos esse filme, inclusive, no Antonio Pedro. Fernando Henrique começou congelando as contratações do serviço público,ficamos anos e anos sem contratar trabalhadores para os hospitais universitários. Aí começaram a contratar temporários para os hospitais e a gente falava, ‘não vai dar certo isso’. Em cima desses 10 anos de não contratação de FHC e de substituição por precários e muito precários, inclusive do ponto de vista jurídico, foi construída a hipótese da Ebserh. Todo o intento era ‘precisamos resolver o problema da precarização do trabalho. Como a gente resolve? A gente chama a Ebserh que aí a gente tem contrato celetista via empresa estatal de direito privado’. Esvaziou-se, encheu de contrato precário e depois disse ‘a solução agora é colocar no lugar uma empresa, que aí ela regulariza. Ela coloca todo mundo celetista’”, relatou a docente.

Única vereadora eleita de Niterói, Benny Briolly (Psol) também alertou para o fato de que o “setor privado têm dirigido a saúde em Niterói”. “Nós sabemos que não se trata só de uma questão estrutural de saúde, mas uma questão de relacionamento desse governo com a continuidade de uma política misógina, patriarcal, em um país em que mulheres e pessoas que carregam útero ainda são colocadas sobre a marginalização e a desumanidade de não poder parir com dignidade. E as os trabalhadores da saúde e da maternidade colocados nesse mesmo pacote de crueldade”, disse.

Para Patrícia Santiago, que integra o Coletivo 8M de Niterói, as gestantes precisam de um lugar para qual possam se dirigir para se sentirem seguras e acolhidas. “O espaço embrionário desse debate é a Maternidade Alzira Reis. Por isso a defesa da maternidade é tão cara e tão importante para nós mulheres, homens trans e crianças da cidade de Niterói”, reitera a técnica-administrativa da UFF. 

Da Redação da Aduff | Por Lara Abib

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