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Out
01
2021

Servidores contrários à PEC-32 no ato sem-teto na 'Mansão da Rachadinha': solidariedade contra a fome

Ida de servidores ao ato na mansão do filho do presidente, investigado por prática criminosa hoje associada à 'reforma' de Bolsonaro para os serviços públicos, é carregada de simbolismo

 

 

Manifestação em Brasília, em frente ao condomínio de luxo da mansão de Flávio Bolsonaro Manifestação em Brasília, em frente ao condomínio de luxo da mansão de Flávio Bolsonaro / Reprodução - arquivo pessoal

DA REDAÇÃO DA ADUFF

O nome dado pelos organizadores do ato diz muito sobre o momento atual do país e, de certa forma, se relaciona com a luta contra a principal 'reforma' constitucional que o governo Bolsonaro tenta aprovar este ano no Congresso Nacional, a PEC-32: "A Rachadinha Virou Mansão". 

A denominação dada ao protesto realizado pelos sem-teto em Brasília, na manhã da quinta-feira (30), nas imediações do imóvel comprado há pouco pelo senador Flávio Bolsonaro por R$ 6 milhões, faz referência direta a algo que é apontado como um dos mais graves possíveis efeitos da 'reforma' Administrativa: a abertura de uma avenida nos serviços públicos para esquemas de 'rachadinha', corrupção com dinheiro público que envolve o repasse de parte da remuneração do empregado para quem é responsável por sua contratação. 

A participação de servidores e servidoras no ato reflete não somente a justa solidariedade entre trabalhadores. Se insere também nesta associação inevitável, envolvendo a campanha contra a 'reforma' Administrativa (PEC-32) e a tentativa dos movimentos sociais de expor o que denunciam como escandaloso e bárbaro. Por um lado, o crescimento da pobreza e da fome em meio à pandemia da covid-19, que se aproxima das 600 mil vidas perdidas, segundo os registros oficiais. Por outro, os negócios duvidosos dos que enriquecem enquanto a crise sanitária destrói famílias, a economia afunda e o desemprego assombra quase 20 milhões de trabalhadores. 

O negócio milionário da recente compra da mansão pelo filho 01 do presidente da República foi fechado enquanto Flávio é investigado por suposto esquema de 'rachadinha' com funcionários de seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio - e que tem implicações diretas também sobre Jair Bolsonaro.

"Não é mole não, o povo passa fome e o 01 compra mansão", cantaram os manifestantes no ato, que foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). O protesto em frente ao condomínio onde se encontra a residência de 2.400 metros quadrados, numa área valorizada de Brasília, reuniu cerca de 300 pessoas, segundo os organizadores. A área construída do imóvel equivale a quase 50 residências dos programas sociais que costumam atender às lutas dos movimentos por moradia.

As delegações de servidores que estavam em Brasília para participar da terceira semana seguida de mobilizações diárias contra a 'reforma' Administrativa se deslocaram até o local, antes de iniciar a movimentação de contato com parlamentares no Congresso Nacional. Prestaram apoio e solidariedade a manifestantes que expunham pedaços de ossos bovinos, numa forte simbologia do que tem ido para a mesa de boa parte da população brasileira.

"Ficamos do lado de fora [do condomínio] com cartazes, com o pessoal batendo panelas e [ expondo] pedaços de ossos, é ao que a população brasileira tem [recorrido] para sentir um pouco do cheiro de carne", lamentou a servidora Luciana Carneiro, pouco depois de participar do protesto. "Foi um ato importante para dar visibilidade [para o que está acontecendo neste país]", observou. 

Próximo ao encerramento do protesto, os manifestantes leram um manifesto, com transmissão ao vivo pelas redes sociais. "Pouco mais de mil dias depois [da posse do governo Bolsonaro], o povo passa fome e a inflação dispara", diz trecho do documento. "No momento mais grave da pandemia, Flávio Bolsonaro comprava essa mansão", prossegue. "O governo que acabou com Minha Casa e Minha Vida e vetou a lei que proibia despejos durante a pandemia tem que acabar. O povo não aguenta mais", defende o manifesto.

'PEC da Rachadinha' 

"Rachadinha" é o nome dado ao repasse ilegal de parte do salário de assessores nomeados sem concurso para o parlamentar ou gestor que os contratou. Flávio Bolsonaro é acusado de montar um esquema, quando deputado estadual no Rio, no qual até 80% da remuneração de seus assessores era repassada para ele. Isto é, dinheiro público que teria sido desviado por meio de funcionários de confiança e talvez 'fantasmas'. O 'esquema' já foi confirmado, involuntariamente ou não, até por pessoas próximas ou mesmo da família de Bolsonaro.

O texto da 'reforma' que tramita na Câmara dos Deputados obviamente não menciona a palavra 'rachadinha'’. Porém é assim que as campanhas pela rejeição da PEC-32 vêm chamando a proposta do governo. Isto porque, entre outros aspectos, a emenda constitucional abre caminho para contratação em larga escala de servidores temporários sem concurso, precarizados e que podem ser substituídos ao bel prazer de quem ocupar o cargo de gestor da administração pública, seja municipal, estadual ou federal.

Os servidores que se juntaram aos sem-teto em frente ao condomínio de luxo não passam fome, sabe-se disso. Ocorre que a presença deles no ato, além de levar a luta contra a 'reforma' Administrativa à manifestação, traz também uma mensagem simbólica que as campanhas articuladas contra a PEC-32 vêm tentando passar: a de que a luta em prol dos serviços públicos é também a defesa da justiça social e de enfrentamento às bárbaras condições de vida a que milhões de brasileiros estão submetidos. "Estamos numa jornada de lutas nestas três últimas semanas em Brasília contra a 'reforma' Administrativa, que a gente sabe que tudo que vai fazer é destruir com as escolas, com os hospitais...", disse, durante o ato, a professora Francieli Rebelatto, da direção do Andes-SN, o sindicato nacional dos docentes.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho

Manifestação em Brasília, em frente ao condomínio de luxo da mansão de Flávio Bolsonaro Manifestação em Brasília, em frente ao condomínio de luxo da mansão de Flávio Bolsonaro / Reprodução - arquivo pessoal

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