Set
16
2021

Demarcação Já! | Alexandre de Moraes pede vista e julgamento do Marco Temporal é novamente suspenso

Para indígenas, adiamento é mais um desrespeito com os direitos originários dos povos que estão mobilizados há mais de um mês em Brasília para acompanhar a votação; indígenas garantem que se manterão firmes na luta em defesa da demarcação de seus territórios e de seus direitos

Repetindo argumentos dos setores mais retrógrados do agronegócio, nesta quarta-feira (15), o ministro Kássio Nunes Marques apresentou seu voto a favor da tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas. Logo após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retorno. Regimentalmente o processo deve ser devolvido no prazo de 30 dias, mas em outros momentos a corte já descumpriu este prazo.

O pedido de vistas aconteceu após uma longa reunião entre Alexandre e o Ministro da Justiça, Anderson Torres, em São Paulo. Nos bastidores do Supremo, já era dado como quase certo que algum dos ministros entraria com pedido de vista, postergando mais uma vez a decisão.

O pedido de vistas é quando um Ministro entende que não tem uma convicção formada sobre a matéria e pede mais tempo para analisar o caso. Serve para interromper o julgamento e dar tempo para o Ministro que pediu vista refletir e preparar melhor o seu voto.

No dia 1° de setembro, depois de cinco anos tramitando na Corte, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar a ação de reintegração de posse movida pelo estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.

Ao fazê-lo, a Suprema Corte julga a tese ruralista chamada de 'marco temporal', que defende que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios se estivessem neles desde a data da constituinte, em 5 de outubro de 1988. O placar está em 1 a 1 - com voto do ministro-relator Edson Fachin contra a tese inconstitucional do marco temporal. E do voto a favor do ministro nomeado por Bolsonaro, Nunes Marques.

Para o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e advogado, Luiz Eloy Terena, o voto de Nunes Marques é teratológico, termo usado no meio jurídico para apontar uma decisão absurda.

"Ouvindo o voto do ministro Nunes Marques, não vi nada de novo. Vi apenas um ministro repetindo os velhos argumentos dos ruralistas. Pareceu-me um copia e cola das petições dos fazendeiros. Nunes Marques reconhece que o direito indígena é imprescritível, mas aplica o marco temporal, anistiando os crimes perpetrados contra os povos indígenas”, comentou nas mídias sociais da Apib.

Para Sonia Guajajara, coordenadora nacional da Apib, o voto de Nunes Marques representa a política anti-indígena do governo Bolsonaro, que afronta a Constituição de 88. E garante: “seguiremos firmes na resistência pelos Direitos Indígenas”.

Segundo o advogado Terena, que atuou como “Amicus curiae” no processo e é Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ), é essencial que indígenas e apoiadores “sigam mobilizados e enviem cartas ao Ministro Alexandre de Moraes”.  Isso porque, ele orienta, mesmo quando, após o pedido de vistas, o Ministro Alexandre de Moraes devolver o processo, ele não entra em pauta automaticamente.

Em entrevista à imprensa da Aduff, Luiz Eloy Terena afirmou que além de inconstitucional, “marco temporal é uma interpretação jurídica genocida”.

Apesar da Constituição não ter estabelecido nenhum limite de tempo para a demarcação de terras indígenas, ruralistas e setores interessados na exploração destes territórios defendem o 'marco temporal', que vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações e foi incluída em proposições legislativas como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que pretende tornar ainda mais difícil a demarcação de terras indígenas no país. 

Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça e como referência a todos os processos, procedimentos administrativos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

“ Há pelo menos três anos a Funai não demarca nenhuma terra indígena. Todos os processos estão paralisados sob o argumento de se aguardar esse julgamento. Se o Supremo não julgar esse processo, ele vai estar lavando as mãos e deixando que o Congresso Nacional e o agronegócio decida o futuro e o destino dos povos indígenas. Sabemos que os interesses que estão ali no Congresso são totalmente contrários aos nossos”, ressalta Eloy Terena.

“É um processo doloroso, cansativo, mas assim como a gente acredita em Topé, Nhanderu, temos que continuar acreditando que dali do Supremo saiam os votos necessários para garantir nossos direitos”, afirma Kretã Kaingang, que também integra a coordenação da Apib.

Da Redação da Aduff, com informações da Apib

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