Set
01
2021

Além de inconstitucional, “marco temporal é uma interpretação jurídica genocida”, afirma advogado indígena Luiz Eloy Terena

“Ao inviabilizar o reconhecimento territorial e retirar o território dos povos indígenas, você condena toda uma etnia ao extermínio físico e cultural. E não foi esse o compromisso assumido pela Constituição, em 1988”, reforça o advogado indígena Terena, Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ) e coordenador do Departamento Jurídico da APIB

Crédito: @walelaps/ Apib Crédito: @walelaps/ Apib

Na tarde desta quarta-feira (01), os olhos do mundo estarão voltados para o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que deve analisar -  depois de cinco anos tramitando na Corte -  a ação de reintegração de posse movida pelo estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Ao fazê-lo, a Suprema Corte irá julgar a tese ruralista chamada de 'marco temporal', que defende que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios se estivessem neles desde a data da constituinte, em 5 de outubro de 1988.

Apesar da Constituição não ter estabelecido nenhum limite de tempo para a demarcação de terras indígenas, ruralistas e setores interessados na exploração destes territórios defendem o 'marco temporal', que vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações e foi incluída em proposições legislativas como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que pretende tornar ainda mais difícil a demarcação de terras indígenas no país. Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça e como referência a todos os processos, procedimentos

Para Luiz Eloy Terena, advogado indígena Terena e coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a tese do marco temporal é inconstitucional e deve ser declarada assim pela Suprema Corte. Em conversa com a imprensa da Aduff-SSind, ele afirma que a tese é tão perigosa porque é uma interpretação jurídica restritiva aos direitos dos povos indígenas e vem relativizar e restringir o direito originário dos povos indígenas, reconhecido e garantido pela Constituição. “Ela inviabiliza o reconhecimento territorial dos povos indígenas - tendo em vista que 63% das terras indígenas estão pendentes de demarcação no Brasil - e também tem efeito retroativo. Muitas terras já demarcadas e homologadas estão sendo questionadas no judiciário com base no marco temporal”.

Para o advogado Terena, que atua como “Amicus curiae” no processo, derrotar a tese ruralista é essencial para garanti a sobrevivência dos povos indígenas. “O marco temporal é uma interpretação jurídica genocida porque ela inviabiliza o reconhecimento territorial. Ao retirar o território dos povos indígenas, você condena toda uma etnia ao extermínio físico e cultural. E não foi esse o compromisso assumido pela Constituição, em 1988”, reitera. Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ), Luiz Aloy também alerta para “o prejuízo inestimável” de mais um adiamento do processo. Já foram três, desde que a ação chegou à Corte, em 2016.

Apesar de o julgamento ter sido iniciado na última quinta-feira (26), foi suspenso logo em seguida, com a garantia do presidente da Corte, Luiz Fux, de que seria retomado com prioridade nesta quarta (01). Nos bastidores do Supremo, entretanto, há quem aposte que algum dos ministros poderá entrar com um pedido de vista, o que mais uma vez postergaria a decisão. Na quinta-feira, o ministro Edson Fachin, relator da ação, só teve tempo de ler o relatório, mas não conseguiu dar o voto já manifestado contra a constitucionalidade da tese do marco temporal.

“ Há pelo menos três anos a Funai não demarca nenhuma terra indígena. Todos os processos estão paralisados sob o argumento de se aguardar esse julgamento. Se o Supremo não julgar esse processo, ele vai estar lavando as mãos e deixando que o Congresso Nacional e o agronegócio decida o futuro e o destino dos povos indígenas. Sabemos que os interesses que estão ali no Congresso são totalmente contrários aos nossos”, ressalta Eloy. Para o advogado indígena com pós-doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris, é preciso que a humanidade e sociedade brasileira esteja ciente do que está se passando em nosso país e o papel que o governo Bolsonaro vem cumprindo.

“A demarcação das terras indígenas cumpre, sem dúvida, um papel fundamental de proteção da vida dos povos indígenas, mas também na preservação das florestas, no equilíbrio climático e na sobrevivência da humanidade, além de fortalecer a democracia, já que a terra indígena é um bem público federal. No governo Bolsonaro estamos vivenciando um dos piores momentos para a luta indígena pós-redemocratização do país, com um presidente declaradamente anti-indígena, que ignora as determinações constitucionais de demarcar e proteger as terras indígenas e abre os territórios a todo o custo para a invasão de madeireiros, garimpeiros, aos incêndios e desmatamentos florestais”, finaliza.

Acampamento Luta Pela Vida

O Acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, foi a maior mobilização indígenas dos últimos 30 anos no país e contou com a participação de mais de 6 mil indígenas de 173 povos. Iniciado no dia 22 de agosto para acompanhar o julgamento do marco temporal e protestar contra as demais agendas anti-indígenas no Congresso Federal, a mobilização, com encerramento previsto para o dia 28 de agosto, foi mantida até o dia 2 de setembro para acompanhar o julgamento no STF. Nesta quarta-feira (01), cerca de 1,3 mil lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília na “Luta pela Vida” e em defesa da demarcação das terras indígenas, dos direitos garantidos na Constituição, contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional: marco temporal não!

 Da Redação da Aduff | Por Lara Abib

 

 

 

 

 

 

Crédito: @walelaps/ Apib Crédito: @walelaps/ Apib

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