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Jul
30
2021

Fogo na Cinemateca é fruto do descaso do governo com memória nacional

Em nota, trabalhadores da instituição denunciam desmonte do órgão e informam que possibilidade de incêndio havia sido comunicada publicamente há mais de um ano. Veja pdf ao final do texto. 

Fogo na Cinemateca é fruto do descaso do governo com memória nacional / Reprodução das redes sociais

A Cinemateca Brasileira pegou fogo na noite de 29 de julho, comprometendo não só a estrutura física do prédio, mas também a memória cinematográfica do país. Ainda não foram computados os prejuízos de inúmeras obras e documentos sobre a história do cinema brasileiro, armazenadas no espaço da Vila Leopoldina (SP), mas, de acordo com documento elaborado pelos trabalhadores da instituição e datado desta sexta-feira (30), entre eles estão, provavelmente, materiais da Pandora Filmes, parte dos arquivos da Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.(1969 - 1990);  do Instituto Nacional do Cinema - INC (1966 - 1975); do Concine - Conselho Nacional de Cinema (1976 - 1990) e documentos de arquivo ainda em processo de incorporação. Além disso, há parte do acervo de documentos oriundos do arquivo Tempo Glauber, do Rio de Janeiro, inclusive duplicatas da biblioteca de Glauber Rocha.

De acordo com a referida nota dos trabalhadores da Cinemateca, há mais de um ano já havia sido denunciada publicamente, a possibilidade de incêndio nas instalações. Em três páginas, os técnicos denunciam o descaso do governo federal com a unidade. Dizem que dia 8 próximo fará um ano que o governo federal demitiu o  corpo especializado da Cinemateca, entre trabalhadores de documentação, preservação e difusão, que ainda não receberam salários não pagos e as rescisões pela anterior gestora, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto - Acerp.  

Os trabalhadores relacionam o incêndio na Cinemateca ao desmonte do setor da Cultura no país, apontando ainda o descaso, a negligência, o corte de verbas e a dispensa de funcionários como vertentes da estratégia de apagamento/ silenciamento da memória brasileira. A nota lembra pesarosamente os incêndios do Museu Nacional (RJ) e do Museu da Língua Portuguesa (SP), que poderiam ter sido evitados se houvesse investimento em infraestrutura, manutenção e pessoal especializado por parte do governo federal. 

Por fim, lamenta que a Cinemateca Brasileira esteja sendo gerida de forma terceirizada via Organização Social, que "se mostrou como pode ser frágil essa relação, e que tal modelo não dá conta da complexidade de um órgão cultural desse porte". Diz ainda que "o edital prometido pelo Governo Federal, sem debate, ferramentas de transparência, a participação da população, de pessoas da área de patrimônio cultural e, principalmente, do coletivo dos ex-trabalhadores da instituição, não será a solução". Pede estabilidade da equipe técnica a longo prazo e um orçamento compatível com a preservação e difusão necessárias ao audiovisual brasileiro. 

De acordo com Nina Tedesco, professora do curso de Cinema na UFF e ex-presidente da Aduff, o que houve na Cinemateca foi uma tragédia anunciada, dados os alertas dos danos que poderiam ocorrer com o local. "Perdemos uma parte muito importante do patrimônio cultural brasileiro, sem possibilidade de reversão. A Cinemateca poderia ter ficado imune a quaisquer projetos de destruição à memória do Cinema Nacional, mas não é coincidência que isso tenha acontecido nesse governo. É um apagamento da história brasileira para poder impor uma narrativa que sustente e acentue a manutenção das nossas desigualdades estruturais e da nossa dependência em relação aos outros países". Ela lembra que a Cinemateca não é o que deveria / poderia ser, dado o descaso do governo, já que a instituição não é administrada pelo Estado, contando com servidores públicos concursados, de carreira, com formação adequada.  "Precisamos contextualizar o que houve a partir da desresponsabilização do Estado com nosso patrimônio. E se a PEC 32, a da reforma administrativa, for aprovada, tal como se pretende, veremos a implosão de cada vez mais outros espaços importantes em nosso país, bem como de todo o funcionalismo público", comentou.  

Da Redação da ADUFF | Por Aline Pereira

Fogo na Cinemateca é fruto do descaso do governo com memória nacional / Reprodução das redes sociais

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