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Mai
25
2021

Salários de até R$ 66 mil de ministros e Bolsonaro 'constrangem' aprovação da 'reforma' na CCJ

Governo aprova reforma Administrativa na Comissão de Justiça na Câmara sob o bordão da moralidade, enquanto é acusado de manter privilégios com proposta que desmonta serviços públicos e abre caminho para apadrinhamentos e corrupção; luta dos servidores para barrar PEC-32 agora será na comissão especial

DA REDAÇÃO DA ADUFF

Sob o bordão da moralidade, aprovou-se a admissibilidade da 'reforma' Administrativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Isso ocorreu na tarde desta terça-feira (25), exatos 25 dias após o governo de Jair Bolsonaro publicar ato administrativo que elevou as remunerações do próprio presidente a mais de R$ 41 mil e do vice, general Hamilton Mourão, a R$ 63 mil, dois dos vários outros oficiais da reserva com cargos no governo.

A contradição entre a retórica e a prática foi assinalada na sessão da CCJ por parlamentares da oposição, que mencionaram a portaria que permitiu às remunerações destas autoridades extrapolar o teto constitucional. Nas justificativas da PEC-32/2020, constam os objetivos de moralizar e modernizar os serviços públicos, acabar com supostos privilégios e redimensionar as carreiras do funcionalismo, rebaixando as faixas salariais iniciais. 

Votação

O parecer favorável à legalidade da proposta, do deputado Darci de Matos (PSD-SC), designado relator dois meses e nove dias antes, obteve 39 votos a 26, na tarde do dia 25 de maio de 2021. Antes de iniciado o processo de votação, o relator defendeu a aprovação da matéria e voltou a dizer não ser contra os servidores públicos, demonstrando incômodo com as referências críticas que vem recebendo. Poucos dias antes, Darci foi alvo de um tuitaço no qual figurou como 'traidor do Brasil' por seu papel na reforma pretendida por Bolsonaro.

O deputado citou as três supressões que fez no texto: do item que permitia ao chefe do Executivo criar, fundir ou extinguir fundações e autarquias; dos novos princípios para a administração pública, entre eles o da subsidiariedade; e da proibição de ocupantes de carreiras exclusivas de Estado terem outra forma de remuneração.

O mais relevante, porém, foi a ênfase com que admitiu que outras mudanças terão que ser discutidas e negociadas na comissão especial a ser instalada para analisar o mérito da proposta. 

Afirmando que segue acreditando que a proposta não atinge quem já está nos serviços públicos, Darci de Matos disse que assumiu um compromisso, junto com o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, de remover na comissão especial qualquer item do texto que possa afetar "direitos adquiridos" dos atuais servidores.

Ao reconhecer que alterações são necessárias, mencionou o caso da substituição do estágio probatório pelo período de experiência, como parte ainda do concurso público. Disse que isso era inaceitável para carreiras exclusivas de Estado - citando delegados e auditores como exemplos. A presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), também falou em 'aperfeiçoamentos' e mesmo opções políticas do parlamento quanto ao conteúdo do projeto na próxima comissão.

Privilégios

Parlamentares contrários à reforma afirmaram que o texto em votação não mexe com os verdadeiros privilegiados e levará ao desmonte dos serviços públicos, caso seja aprovado, prejudicando principalmente os mais pobres. 

O recente aumento nos contracheques obtido pela alta cúpula militar do governo também foi alvo de críticas e associado ao projeto para a administração pública. "O presidente Bolsonaro aumentou o seu salário, o do general Braga Neto [Defesa], general Heleno [Segurança Institucional], general Ramos [Casa Civil], e do general Mourão [Vice-Presidência]… estão recebendo 41 mil, 62 mil, 63 mil, 66 mil e 63 mil", disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), ao apresentar a indicação de voto da Minoria.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ao indicar o voto contrário da legenda, também fez referência ao duplo teto e disse que o ministro Paulo Guedes, da Economia, mentiu quando foi na comissão defender a proposta. "[Ele disse aqui] que vai economizar 300 a 400 bilhões [com a reforma], é mentira, não há documento nenhum que diga isso. Ele vai gastar mais, é a PEC do privilégio, [do governo] que cria privilégios através de portarias, para o presidente e os ministros militares. Nós vamos derrotar essa PEC na comissão especial", afirmou.

Protestos

No chat da transmissão da sessão pela TV Câmara, centenas de mensagens, ou provavelmente milhares, comentavam a proposta do governo, a imensa maioria críticas à PEC-32. "Nenhuma reforma melhorou o nosso país! As reformas até agora massacraram o povo! Parem de mentir, deputados! PEC 32 Não!", dizia uma delas. 

O acesso presencial à Câmara dos Deputados está restrito em decorrência da pandemia da covid-19, que na véspera da votação ultrapassou as 450 mil mortes no Brasil, segundo dados oficiais. Também por isso, poucas manifestações de rua têm sido convocadas pelos sindicatos e movimentos que defendem os serviços públicos. É nas redes sociais que a rejeição à reforma mais tem se expressado.

Mas essa luta deverá ser levada às ruas nas manifestações convocadas para o próximo sábado, dia 29, sob a bandeira "Fora Bolsonaro e Mourão" - convocações divulgadas com alertas para adoção de todos os cuidados sanitários possíveis.

Os servidores travam uma luta difícil em meio a um período em que a defesa da preservação da vida é a principal pauta dos movimentos sindicais mais combativos. O resultado da CCJ é favorável ao governo, não resta dúvida. Porém também indica certa dificuldade. Não foi possível ao Palácio do Planalto, até agora pelo menos, acionar o 'trator' que marcou a aprovação sumária de outras matérias, como a PEC Emergencial, que congelou salários de servidores e teve uma fulminante passagem em 72 horas pela Câmara.

A ênfase antecipada na retórica de  promessas de mudanças no conteúdo do texto mais adiante, tendo o relator como porta-voz da mensagem do governo, pode estar longe de mudanças na essência da proposta, apontada pelos sindicatos como um enorme passo para a destruição dos serviços públicos. Mas demonstra que o Planalto ainda negocia apoio.

O 'trator' bolsonarista já assinalado neste texto revela que essa busca de apoio pode se dar por variados métodos - o substantivo sublinhado deu origem ao termo 'tratoraço', relacionado à recente denúncia de compra de apoio de parlamentares pelo governo, sendo que boa parte teria se dado com emendas orçamentárias paralelas para a aquisição de tratores com indícios de superfaturamento.

Neste ambiente inóspito aos servidores e aos serviços públicos, é possível observar que ainda há pedras no caminho das bancadas majoritárias que apoiam o projeto do governo. O que torna razoável acreditar que as linhas que vão redesenhar os serviços públicos na Constituição Federal ainda não estão traçadas. Seguem em disputa, apesar do placar aparentemente elástico na CCJ.

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Hélcio Lourenço Filho