Mai
07
2021

Comunidade da UFF Campos debate a crise e seus impactos defendendo solidariedade contra fome

Evento virtual marcou o início da série de debates que abordam a crise pandêmica e seus impactos e buscam incentivar e dar visibilidade a movimentos de solidariedade

DA REDAÇÃO DA ADUFF

"Soberania Alimentar e as ações de solidariedade no combate à fome na Pandemia" foi o tema da live desta quinta-feira, 6 de maio de 2021- uma iniciativa de professores da UFF de Campos dos Goytacazes e do coletivo 'A UFF Campos Faz'. Foi o primeiro de uma série de debates online para conversar sobre a crise pandêmica e os impactos na vida da população. A atividade integra a programação da 8a. Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA 2021), com o tema "O que você sustenta quando se alimenta?". Conta com o apoio da seção sindical, que transmitiu o evento em sua página no Facebook e no canal do Youtube (para assisti-lo na íntegra clicar aqui).

Teve como convidados o professor do Departamento de Geografia da FFP/UERJ, Paulo Alentejano; Eró Silva, da Direção Estadual do MST e doutora em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária pela UFRRJ; e Julia Almeida, estudante de Psicologia e integrante dos coletivos 'UFF Campos Faz' e 'Pretas Psi'.  A mediação foi de Ana Costa, professora do Departamento de Serviço Social da UFF Campos.

Ao longo do debate, ficou evidente a avaliação de que o tema é urgente, dado os aumento da insegurança alimentar durante o contexto da covid-19, que, já ceifou a vida de mais de 412 mil pessoas no país. Podendo ser classificada como leve, moderada ou grave, a insegurança alimentar está relacionada não necessariamente à falta do alimento à mesa, mas também às substituições feitas pelas famílias por alimentos mais baratos e pobres em nutrientes, dado o aumento do preço dos itens de primeira necessidade na cesta básica, entre arroz, feijão e óleo, por exemplo.

Pesquisadores advertem que o país ainda vai retroceder mais, podendo retornar ao "Mapa da Fome" - levantamento publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação global que envolve a carência alimentar da população. 

"Luta é por sobrevivência", diz presidente da Aduff

Foi exibido um vídeo de Kate Lane de Paiva, presidente da Aduff, saudando o evento e observando a importância do debate sobre o tema, diante de um cenário generalizado de muita fome e miséria do povo brasileiro. Explicou que a Aduff tem empreendido ações de solidariedade, que embora ainda sejam insuficientes, visam contribuir para minimizar os efeitos da fome entre a classe trabalhadora. "Não conseguimos acabar com a fome apenas com ações de solidariedade, mas elas são extremamente importantes nesse momento. Temos contribuído com movimentos sociais, estudantis, sindicais para subsidiar a compra de alimentos - muitos doando quentinha e ou cesta básica", disse a docente. 

Explicou que tem havido pedidos com um recorte de raça e de gênero - envolvendo minorias, entre negros e a população LGBTQ+ em situação de rua. Comentou ainda as ações unitárias, no âmbito da União dos Fóruns de Niterói, São Gonçalo e Maricá, que vem arrecadando e oferecendo alimentos para quem precisa. 

"A Aduff se coloca à disposição para estar nessas ações de solidariedade, contribuindo não só financeiramente, mas também politicamente. Quando Bolsonaro cair... É isso que a gente quer - esse é um governo genocida, negacionista, e precisamos derrubá-lo. Quando ele cair, vamos precisar criar uma democracia que de fato atenda ao povo brasileiro e aos interesses da classe trabalhadora. Esse é o papel do sindicato, sobretudo nesse momento, e é isso que a gente tem que ousar sonhar para poder ousar vencer. Estamos à disposição para exercer a solidariedade de classe, tão importante e tão necessária para garantir a nossa vida. A luta é uma questão de sobrevivência", disse a docente, que atua no Coluni/UFF. 

"19 milhões de brasileiros passam fome"

Segundo Paulo Alentejano, o contexto é dramático e as milhares de mortes causadas pela covid-19 estão relacionadas às ações patrocinadas pelo governo federal. A fome cresceu muito diante do cenário da covid-19, tanto que levantamento realizado, em 2020, pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional, indentificou que entre os 212 milhões de brasileiros, 117 milhões vivem em algum nível de insegurança alimentar. Destes últimos, cerca de 43 milhões não contam com alimento em quantidade suficiente e 19 milhões se encontravam em situação de fome. Lembrou que o arroz, o feijão, o óleo e a carne aumentaram em um momento em que a renda da população caiu sobremaneira, impossibilitando a compra de alimentos da cesta básica para a sobrevivência.

Criticou a falta de ações do governo para o combate à fome, citando o rebaixamento do valor do auxílio emergencial deste ano e a exclusão do benefício, mesmo em valores pífios, para diversos segmentos durante uma pandemia que se arrasta por incompetência da gestão federal há mais de um ano. 

Demonstrou também que a partir da desigualdade fundiária histórica do país a agricultura familiar e camponesa está em desvantagem, quanto à posse de terras e o acesso a recursos econômicos, em relação às empresas que sustentam o agronegócio. A agricultura familiar detém 23% das terras e apenas 13% do crédito; já o agronegócio abocanha 77% das terras e 87% do financiamento/investimento na produção. "Porém, com muito menos terra e menos dinheiro para aplicar nessas terras, a agricultura familiar e camponesa responde por 67% do emprego gerado no campo brasileiro enquanto o agronegócio responde por 33%", disse o professor do Departamento de Geografia da FFP/UERJ.

Segundo Alentejano, a agricultura familiar e camponesa produz 42% do feijão preto, 80% da mandioca, 73% do pimentão, 47% do tomate, 64% do leite, 31% do rebanho bovino; 51% dos suínos e 45% do frango. "Com muito menos, a agricultura familiar faz muito mais, faz os alimentos básicos e não mercadoria para exportação". 

De acordo com ele, entre 1990 e 2018, houve redução de 5 milhões de hectares das áreas plantadas com alimentos básicos - de 11,4 para 6,4 milhões de hectares. Em compensação, a área destinada ao plantio de cana, soja, milho, pulou de 28 milhões de hectares para 61 milhões de hectares - 33 milhões a mais. "Isso rebate, evidentemente, na escassez de alimentos para a população brasileira, que por sua vez rebate em aumento de preços, e no contexto da pandemia, o agravamento da fome acaba se transformando em questão mais profunda", disse. 

Para o docente, além das questões conjunturais desiguais, há que se observar ainda o desmonte de outras e poucas políticas que vinham sendo estabelecidas a partir das lutas criadas nos últimos anos, destruídas principalmente de 2016 para cá. Entre elas, a política de aquisição de alimento que visava a compra de parte da produção da agricultura familiar e camponesa para asilos, hospitais e creches; além das dificuldades postas para o acesso desses pequenos produtores ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

"Agronegócio produz commodities e não alimentos"

Integrante da Direção Estadual do MST e doutora em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária pela UFRRJ, Eró Silva iniciou a exposição comentando o simbolismo de discutir o tema neste ano, durante a 8ªJURA, em que se completam os 25 anos do MST no Estado do Rio de Janeiro; os 25 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás e o centenário de Paulo Freire. Defendeu a necessidade de pensar estratégias para reivindicar, pela ação, a reforma agrária popular, com a leitura da realidade do campo brasileiro, dos aspectos da luta de classes no mundo, com base na soberania alimentar - com produção de alimentos saudáveis para a população. 

Criticou a exploração máxima dos veios comuns da natureza e o fato de o alimento "produzido" pelas grandes empresas agropecuárias ser tomado como mercadoria, negociado nas bolsas de valores. Citou matérias jornalísticas que nomeiam as principais empresas que têm liderado o setor de alimentos, mesmo diante da crise econômica e pandêmica, lucrando com a venda deles em até 79%. Entre elas, aparecem empresas como JRS, Minerva, Friboi. "O capital financeiro está por trás do agronegócio que só produz commodities [mercadoria para exportação]", disse. 

De acordo com Eró, tal fato leva à reflexão sobre o próprio tema da JURA - "O que você sustenta quando se alimenta?". Indagou se a população conhece a origem do seu alimento, para defender mais uma vez a reforma agrária popular. "Ela tem que ser fruto da aliança entre os trabalhadores rurais e os trabalhadores urbanos; adotando um modelo de produção de alimento com base na agroecologia, e respeitando os bens da natureza, garantindo a saúde dos camponeses e dos trabalhadores urbanos e rurais que estão consumindo esses alimentos; fortalecer a organização, a produção, e a participação dos assentamentos, com acesso à Saúde e à Educação; e com base a soberania alimentar - em resposta à mercantilização dos veios da natureza", explicou. 

Segundo a expositora, o agronegócio - entre a produção de cana, eucalipto e soja, por exemplo - produz commodities e não alimentos. "E a agricultura familiar, os assentados da reforma agrária, das populações e das comunidades tradicionais produzem alimentos que estão no dia a dia do prato do brasileiros - arroz, feijão, mandioca, aipim, hortaliças, abóbora, legumes - sejam de base agroecológica ou os que estão em transição. São alimentos. É saúde", defendeu Eró. 

Informou ainda que o MST é responsável por 160 cooperativas, 120 agroindústrias e cerca de 1.900 associações de trabalhadores rurais, com aproximadamente 500 mil famílias assentadas diante das conquistas de terras latifundiárias por meio de muita luta, hoje território livre para reforma agrária popular. Atualmente, o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com a expectativa de colheita de mais de 12,4 mil toneladas para a safra deste ano, com produção coletiva, via cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 

Para Eró, o MST tem tido papel importante, junto a outras organizações do campo e da cidade, a partir de ações articuladas que visam dar resposta à fome da classe trabalhadora. Não à toa, essa rede de ampla atuação compartilhou mais de quatro toneladas de alimentos e 850 mil  marmitas para as pessoas em vulnerabilidade social. "No momento da pandemia, estamos ocupando outros espaços, como a periferia com ações de solidariedade, que acontece em todos os estados, o que tem sido uma política do MST no combate à fome", disse. 

Experiência mobilizadora

Estudante de Psicologia e integrante dos coletivos 'UFF Campos Faz' e 'Pretas Psi',  Júlia Almeida recuperou algumas ações de mobilização dos discentes naquela unidade universitária, que levou à criação do 'A UFF Campos Faz', que surgiu há dois anos, a partir da iniciativa estudantil contra o corte de verbas da Educação, mas que é aberto a todos e todas que pertencem à UFF ou até mesmo fora da comunidade universitária, mas que queiram contribuir com as ações do projeto. 

"Sofremos com isso de forma direta em nível mais micro, como o risco de perder os contêineres e com risco de ficar sem o pólo novo que está em andamento desde 2012, e também havia problemas de cortes de bolsas, infraestrutura e manutenção", contou Júlia, revelando que a partir desse cenário houve uma organização mais efetiva do corpo discente em torno de assembleias, conselhos e coletivos. 

Ela afirmou que os estudantes observaram a necessidade de ampliar o espaço de atuação da universidade entre os populares, com ações em territórios e praças públicas, com divulgação de trabalhos acadêmicos, roda de conversa, ações artísticas.

A partir do cenário instado pela pandemia, Júlia contou que o coletivo 'A UFF Campos Faz' conseguiu doar mais de 370 cestas básicas para as pessoas que estavam em situação mais vulnerável e que houve um cuidado também com a saúde mental das pessoas, encaminhando quem precisa, para organizações que ofertam acolhimento psicológico gratuito.

Solidariedade à Ocupação Novo Horizonte

Houve a exibição do vídeo que denuncia a opressão à "Ocupação Novo Horizonte", em Campos dos Goytacazes, que envolve centenas de famílias que foram despejadas de suas casas, no contexto da pandemia. Em seguida, essas pessoas ocuparam o conjunto habitacional 1, 2 e 3, desde o dia 13 de abril, e lutam contra ameaças e outras formas de violência. Reivindicam moradia e aluguel social. 

Veja como ajudar nas doações:

​Doações para Ocupa Novo Horizonte PIX: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Doações de alimentos no local 

Instagram: @ocupa_novo_horizonte

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Aline Pereira

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