Abr
14
2021

Lute como uma mulher! Docentes organizam 1º Encontro de Professoras da Base do Andes-RJ

Construído em conjunto com as seções sindicais, encontro virtual aconteceu no último sábado (10); debates realizados durante o evento darão origem a um documento com contribuições das professoras para o enfrentamento da conjuntura e da importância das pautas feministas para a luta política da classe e da categoria docente

Com o objetivo de criar um espaço de compartilhamento de experiências, questões e demandas vivenciadas pelas mulheres docentes, especialmente neste último período pandêmico, o 1° Encontro de Professoras da Base do Andes-RJ foi realizado no sábado (10) com a participação de 38 docentes.

O evento foi aberto com saudações feministas de integrantes de movimentos sociais, populares e estudantis, que ressaltaram a importância da organização das mulheres sindicalistas na luta contra esse governo genocida e em defesa do direito das mulheres e da classe trabalhadora. A comissão organizadora do evento foi composta por professoras representantes de 5 das 10 seções sindicais da base do Andes-SN no Rio de Janeiro (Aduenf, Aduff-SSind, Adur-RJ, ADES-Faetec e AsdUERJ).

Para Kátia Marro, professora da UFF de Rio das Ostras e uma das integrantes da comissão organizadora do evento, o encontro “é memória viva de que os grandes processos históricos sempre têm as mulheres na linha de frente como protagonistas das lutas. Os debates que a gente fez nos grupos, eles só entrarão nas pautas dos sindicatos e das universidades se formos nós a levá-los; se não é pelo nosso protagonismo, determinadas pautas não vão entrar”, ressaltou.

As questões levantadas pelo encontro darão origem a um relatório e a uma carta do evento, documentos que serão instrumentos de luta para semear os debates nos espaços das seções sindicais, do Andes-SN e nas universidades. Na avaliação da 2ª vice-presidenta da Regional do Rio de Janeiro do Andes-SN, Rosineide Freitas, o encontro foi muito exitoso. “Era uma demanda importante das mulheres docentes que a nossa diretoria encaminhou em conjunto com as seções sindicais. Tenho certeza que esse espaço nos fortaleceu coletivamente para enfrentarmos as batalhas colocadas para o período, em defesa da vida, pela vacinação de todas e todos pelo SUS, Fora Bolsonaro e Mourão, nenhuma de nós a menos!”

Nossas Vidas na pandemia

A mesa de abertura “As nossas vidas na pandemia” contou com a participação de Lúcia Xavier, ativista política e coordenadora da ONG Criola, organização da sociedade civil com 29 anos de trajetória na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras e da professora Milena Barroso, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que pesquisa as violências de gênero no país.

“Temos muitos desafios neste contexto de pandemia, mas o mais importante é nos mantermos articuladas com outras mulheres, garantindo hoje e somente hoje a manutenção das nossas vidas”, destacou Lúcia Xavier, para quem ser mulher negra hoje na pandemia significa integrar o grupo mais afetado pelo racismo patriarcal cis-hétero-normativo, dentro de uma sociedade hierarquizada em que o modo de produzir e reproduzir a vida tem a ver com o modo de acúmulo do capital.

“Necessitamos com urgência de solidariedade explícita dos outros setores, sobretudo das mulheres brancas e cis para enfrentarmos essa perspectiva de genocídio tão presente. E quando eu digo genocídio é impedindo que se chame de incompetência, maluquice, doidera – que nenhum desses adjetivos leva alguém a ser presidente de um país com a capacidade política e institucional para governar, afogando nossas forças políticas, rompendo direitos das mulheres e pactos anteriores. Não é acaso que começamos 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro com o fato político importante de termos 8 mulheres assassinadas na frente de seus filhos. Existe um reposicionamento das relações sociais do país que nos lembra, primeiro, o quanto o feminicídio sempre esteve presente. E, segundo, o que se espera das mulheres nesse reposicionamento”, destaca a ativista.

De acordo com a professora Milena Barroso, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), pessoas pretas e pardas correspondem a 57% das mortes da covid-19 no Brasil, com chance de óbito 38% maior do que uma pessoa branca. Desde o início da pandemia, o país já registrou 1001 morte de indígenas em 163 etnias diferentes, em todo o território nacional, além do crescente aumento de invasões de terras e desmatamento dos territórios, que potencializam a contaminação de aldeias e povos inteiros.

Já as mulheres são as que mais se contaminam com a doença, porque estão na linha de frente dos cuidados de familiares e amigos. “A pandemia escancarou a desigual economia do cuidado”, ressaltou no evento. A docente ainda levantou preocupação com um aumento de 50% no aumento da violência contra mulheres e pessoas LGBTQI+ devido ao maior tempo de convivência com agressores e com a dificuldade de buscar apoio e ajuda. Segundo dados da pesquisadora, o Brasil também é o país com maior número de trabalhadoras domésticas no mundo, sendo que essa atividade foi considerada como essencial durante a pandemia, impedindo que essas mulheres pudessem ficar em isolamento físico remunerado. Dados da docente indicam que apenas 39% delas foram dispensadas dos trabalhos e seguiram sendo pagas.

Para Milena Barroso, a expropriação de terras e dos meios de trabalho, o sucateamento dos serviços públicos, o etnocídio, o elitismo, a desqualificação das mulheres nos espaços institucionais. Todas essas situações não são eventos isolados, são estratégias de contenção de uma crise da reprodução social, ambiental, política, econômica - amplamente acelerada pela pandemia. “Apreender essas conexões é importante para o Andes-SN fortalecer esse debate e, ao fazer isso, ampliar a apreensão da luta anticapitalista, que deve ser anticolonial, anti-racista, anti-patriarcal e anti-cisheteronormativa. A luta das mulheres não é menor, a luta das mulheres em todo o mundo é a luta da classe trabalhadora”, enfatizou a professora.

Grupos de Trabalho

Após a mesa de abertura, pensada como um espaço de formação política, as mulheres presentes no encontro se dividiram em 4 grupos de trabalhadores (GTs) menores, onde puderam se colocar e discutir as questões relativas ao cotidiano de vida e de trabalho docente durante a pandemia da covid-19, além dos desafios para construção de saídas coletivas numa conjuntura tão difícil.

Entre as propostas colocadas nos grupos de trabalho está o levantamento e o acompanhamento das resoluções sobre o direito das mulheres nas Universidades e um estudo sobre as desigualdades no trabalho e no acesso às progressões e editais devido à sobrecarga de trabalho e tripla jornada atribuída às mulheres. As docentes também propuseram um levantamento sobre as questões referentes à saúde das trabalhadoras e a discussão sobre os impactos do ensino remoto no processo de ensino-aprendizagem.

As professoras ressaltaram ainda a importância dos espaços de articulação com as demais trabalhadoras da universidade e retomaram os debates iniciados na “Plenária Docentes Contra o Genocida” sobre a promoção de campanhas de solidariedade ativa para a classe nas seções sindicais e demais espaços de atuação.

Também frisaram a importância do fortalecimento do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) em nível local e nacional e manifestaram todo apoio às profissionais da educação básica na luta contra o retorno às aulas presenciais sem a garantia de condições sanitárias adequadas.

A luta contra a Reforma Administrativa também foi citada enquanto uma pauta feminista. A PEC32 prevê a destruição das políticas sociais no Brasil e as mulheres, por serem a maioria das que se relacionam com as políticas sociais no país, serão também as mais penalizadas. As docentes ainda propuseram que as seções sindicais promovam um debate interno sobre como auxiliar as mulheres ocupando cargos de direção nas entidades.

De acordo com a presidente da Aduff-SSind, a professora Kate Lane Paiva, a iniciativa do encontro foi bastante importante e um espaço de acolhimento, onde as mulheres puderam falar e se colocar. “No meu grupo tivemos relatos muito profundos sobre a sobrecarrega de trabalho e como isso impacta na produção acadêmica e na lógica de produtividade dentro das universidades, na participação de congressos, nas publicações. À mulher é imposta a responsabilidade pelo trabalho doméstico e do cuidado com terceiros, sejam filhos, pais, irmãos. Esse trabalho que é um trabalho não remunerado se intensificou ainda mais na pandemia quando todo mundo está em casa”.

Para a professora do Coluni-UFF, a iniciativa do Andes-RJ em conjunto com as seções sindicais deve continuar e se ampliar, talvez via plenárias conjuntas de mulheres de outras categorias dentro das universidades. “Refletir e atuar sobre as desigualdades dentro da própria universidade é parte de construir uma universidade que se coloca ao lado da classe trabalhadora. E fundamental para pensarmos as mulheres como parte da classe, que têm gênero, raça, etnia e que habita o mundo por meio de um corpo, que é um corpo político. Além disso, nós mulheres temos muita dificuldade de falar em público. Fomos socializadas para nos manter em silêncio, nos “comportar bem”. Então construir e participar de espaços de mulheres em que a gente se sinta à vontade para falar e ser ouvida é fundamental, inclusive para fortalecer nossa atuação e fala em todos os espaços que ocupamos”, destacou Kate.

Da Redação da Aduff | Por Lara Abib

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